O dinheiro é tanto que o mais difícil será geri-lo. Até 2023 haverá verbas a chegar ainda do Portugal 2020 (11,2 mil milhões de euros) e no mesmo período começará já a chegar dinheiro do quadro financeiro plurianual 2021-2027 (que atingirá um total de 33,6 mil milhões de euros até ao final da década). Por entre este “fogo cruzado” de milhares de milhões, no entanto, será disparada a famosa “bazuca” europeia — o Mecanismo de Recuperação e Resiliência, que promete relançar as economias dos Estados-membros e que, só em Portugal, significa 13,9 mil milhões de euros em subvenções a fundo perdido e outros 2,7 mil milhões de euros em empréstimos. Dinheiro que tem de ser contratualizado até 2023 e distribuído até 2026.

Não admira, por isso, que o Banco de Portugal tenha deixado o alerta no final do mês passado, no boletim económico: “A magnitude do estímulo financeiro e os prazos de execução do plano [PRR] constituem desafios importantes à sua implementação”.

Saber se o impacto de todo este dinheiro se vai esboroar nos anos seguintes ou ajudar a economia a crescer de forma permanente depende ainda “da capacidade de Portugal para absorver recursos disponíveis e gerar um fluxo mais permanente de atividade, que sobreviva ao período em que os estímulos financeiros ocorrem”.

E é aqui que entra a estrutura de missão “Recuperar Portugal”, a entidade a quem o Governo confia, do ponto de vista técnico, o comando no terreno das operações e das “tropas” do Plano de Recuperação e Resiliência.

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Na hora de Portugal disparar a “bazuca”, é esta entidade que terá o controlo, coordenando os fundos europeus sob alçada do Ministério do Planeamento. A versão final do plano dá mais informação, revelando custos e dando detalhes sobre a missão.

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6 anos, 60 pessoas, 65 milhões de euros

Independentemente do que venha a acontecer com os fundos europeus fica já definido que, no máximo, a nova estrutura técnica para gerir o Plano de Recuperação e Resiliência vai ter 60 elementos, em regime de exclusividade, até 2026.

Como é que se chegou a esta conta? O Governo responde no Plano de Recuperação e Resiliência que as necessidades de recursos humanos foram avaliadas “tendo por referência as estruturas atuais das Autoridades de Gestão dos Programas dos Fundos da Coesão”, e tendo em consideração “o modelo de gestão e as especificidades do PRR”.

Na opinião do executivo, “os 60 elementos são adequados e suficientes” porque o plano tem “enfoque no desempenho (verificação do cumprimento de marcos e metas contratualizados)”, como ditam as regras europeias da ‘bazuca’, “ao invés da tradicional verificação financeira vigente nos Programas do PT2020”.

No entanto, se os 60 colaboradores não chegarem para o que se pretende, a estrutura de missão pode sempre contratar serviços externos.

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A estrutura terá valências “nas áreas da gestão, da engenharia, do direito” e experiência profissional na área dos fundos europeus, acrescenta ainda o executivo na versão final do plano.

A equipa será contratada à administração pública ou através de contratos temporários, segundo o ministro do Planeamento, Nelson de Souza, que no mês passado apresentou em traços muito gerais a estrutura de missão. E à cabeça, como já anunciou António Costa, estará Fernando Alfaiate, especialista em Finanças que trabalha há 15 anos com o programa operacional das empresas no âmbito dos fundos europeus (Compete).

A versão final do Plano de Recuperação e Resiliência dá agora mais detalhes. Fernando Alfaiate terá a acompanhá-lo um vice-presidente e quatro coordenadores de equipas de projeto — dos quais três vão monitorizar a execução do triângulo de prioridades do PRR (resiliência, transição climática e transição digital) e um quarto que vai chefiar a equipa de controlo interno.

No total, com os 60 colaboradores e as despesas operacionais, o Estado deverá gastar 10,9 milhões de euros por ano com esta estrutura, ou seja, 65,4 milhões ao longo de todo o período, recorrendo a fontes nacionais.

A capacidade operacional da estrutura será posta à prova na primeira auditoria que a Inspeção-Geral de Finanças fizer ao funcionamento do sistema de gestão e controlo.

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Uma estrutura de muitas missões

E o que faz afinal a estrutura de missão que o Governo desenhou para gerir os fundos europeus? Desde logo, negoceia e monitoriza a execução do plano, “assegurando o cumprimento da regulamentação comunitária do Instrumento de Recuperação e Resiliência e o cumprimento integral e atempado dos objetivos estratégicos e operacionais do PRR”.

Acompanha ainda a execução das reformas e dos investimentos previstos, “assegurando a consecução dos seus objetivos estratégicos e promovendo a monitorização e a concretização dos objetivos operacionais”, através de marcos e de metas, e contratualizando com os beneficiários “as respetivas condições para a utilização dos financiamentos”.

Serve também de pivot, articulando-se com a Agência para o Desenvolvimento e Coesão (Agência, I.P.) e o Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais do Ministério das Finanças (GPEARI). É com estas entidades que terá de se entender na hora de avaliar os resultados do plano.

E faz ponte com a Comissão Europeia até 2026, nomeadamente ao preparar e submeter a Bruxelas os pedidos semestrais de desembolso dos financiamentos do PRR.

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O Governo determina ainda que a estrutura de missão terá de “promover a divulgação das realizações e resultados do PRR, a nível nacional e europeu” e responder às necessidades de informação da Comissão Europeia, da Assembleia da República e das estruturas diretamente ligadas ao processo da “bazuca”.

Estão em causa a Comissão Interministerial, presidida pelo primeiro-ministro, que assegura a coordenação política do plano; a Comissão Nacional de Acompanhamento — liderada por António Costa e Silva e que vai juntar parceiros sociais, instituições ligadas ao ensino superior, à ciência e à tecnologia, ao ambiente e à solidariedade — para acompanhar a execução do PRR, propor melhorias e emitir pareceres sobre os relatórios de monitorização; e a Comissão de Auditoria e Controlo, presidida pela Inspeção-Geral de Finanças e que integra um representante da Agência, I.P. e “uma personalidade com carreira de reconhecido mérito na área da auditoria e controlo, cooptada pelos restantes membros”.

Apesar de o controlo e a auditoria serem feitas por esta última entidade, a estrutura de missão tem de pôr em marcha um sistema de gestão e controlo interno, “suportado em modelos adequados de monitorização e informação, que previna e detete irregularidades e permita a adoção das medidas corretivas oportunas e adequadas”, bem como “adotar medidas antifraude eficazes e proporcionadas, tendo em conta os riscos identificados”.

Conflito de interesses? Colaboradores têm de assinar declaração

Se prevaricarem, os colaboradores da estrutura de missão não podem dizer que não foram avisados — o Plano de Recuperação e Resiliência deixa claro que “devem garantir que não participam em processos de decisão nos quais estejam, direta ou indiretamente, envolvidas entidades com quem tenham colaborado ou que estejam (ou tenham estado) ligados por laços de parentesco ou outros”.

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Não podem ainda exercer qualquer atividade externa “que interfira com as suas atribuições e funções”, evitando dessa forma “incorrer em qualquer situação de conflito de interesses, seus ou de terceiros, que por essa via prejudiquem ou venham a prejudicar a decisão e o rigor nas decisões administrativas e levar à presunção de existência de imparcialidade da sua atuação, no exercício das suas atividades”.

Todos os colaboradores vão ter mesmo de assinar uma declaração de ausência de conflito de interesses, “que será revista numa base anual ou sempre que se justificar”.

E se houver uma situação que possa ser entendida como um conflito de interesses? “Devem declarar-se impedidos, assumindo que devem participar tal facto ao seu superior hierárquico, nos termos do definido no Código de Ética e Conduta”.

Além dos 60 colaboradores, a estrutura de missão poderá ainda “ser apoiada por peritos externos”, mas mesmo nesse caso em que há contratação de serviços será “exigida uma declaração de ausência de conflito de interesses e que salvaguarde a necessária independência”.

O Governo garante ainda que a estrutura vai adotar “procedimentos de controlo interno que permitam identificar e mitigar os riscos associados à duplicação de financiamentos com outros instrumentos e programas da União Europeia”.

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