A indignação é generalizada: quase todos os partidos criticam frontalmente a opção do Governo por tornar o teletrabalho obrigatório em algumas empresas e zonas até ao final do ano e o assunto vai mesmo ser chamado ao Parlamento. Mas isso não significa que a regra seja revogada: a ideia do PSD não é essa e, se não houver acordo para apresentar uma alternativa na oposição, pode mesmo ficar tudo como está.

Que o decreto-lei do Governo vai mesmo ser puxado para discussão no Parlamento já é uma certeza, uma vez que a Constituição estabelece que basta 10 deputados fazerem o pedido para agendar o debate na Assembleia da República. Com pedidos de PSD, PCP e um grupo de deputados que incluem CDS, IL, deputadas não inscritas e alguns sociais-democratas — a deputada do PSD Margarida Balseiro Lopes, uma das que assinaram o pedido, explica que a intenção foi apenas “permitir que também este pedido fosse para a frente” — há um número de deputados mais do que suficiente para ‘acionar’ a discussão.

Coisa é diferente é que todos estes partidos se entendam para arranjar uma solução. Quando se propõe uma apreciação parlamentar, há dois caminhos possíveis: os partidos podem querer revogar pura e simplesmente a lei que está em causa ou fazer-lhe alterações. E é neste ponto que não há entendimento. Ao Observador, a deputada do PSD Clara Marques Mendes esclarece que “a intenção do PSD não é fazer cessar a vigência, é fazer alterações” ao diploma. Mas ainda não se sabe quais, até porque a discussão parlamentar não está agendada — “estamos a trabalhar nisso”, garante a deputada.

Pelo contrário, do lado do PCP, a intenção, para já, não é essa: embora a posição do partido não tenha ainda sido divulgada, fonte oficial assume ao Observador que “é mais provável a proposta de revogação”. O mesmo na Iniciativa Liberal, sendo que o CDS ainda não tem uma decisão “fechada”, confirma o líder parlamentar, Telmo Correia.

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Já o Bloco de Esquerda, que não apresentou uma proposta de apreciação parlamentar, diz apenas que está a “analisar” as propostas. Nessa análise, sabe o Observador, pesa o facto de o decreto do Governo já prever que a situação sanitária seja tida em conta, mas também dúvidas sobre se o regime poderá aplicar-se sem passar pelo Parlamento se o país deixar de estar em estado de emergência.

Se quiser forçar uma revogação ou uma alteração do diploma do Governo, a oposição terá mesmo de encontrar um entendimento, uma vez que, com as contas atuais, os votos — que têm de somar praticamente todos os partidos menos o PS, que tem 108 deputados — não chegam para alterar a decisão do Executivo.

Críticas a “limitações” e “previsões subjetivas”

O decreto do Governo, aprovado a 30 de março, prolonga a norma que tinha sido fixada em outubro e que previa um “regime excecional e transitório de reorganização do trabalho” por causa da pandemia. Esse regime dita que as empresas com locais de trabalho com 50 ou mais trabalhadores, “nas áreas territoriais em que a situação epidemiológica o justifique” conforme o Governo definir em Conselho de Ministros ou nos concelhos considerados pela DGS como sendo de risco elevado, muito elevado e extremo, devem aplicar o regime de teletrabalho “sempre que a natureza da atividade o permita”, além de um desfasamento das horas de entrada e saída dos locais de trabalho e medidas que garantam o distanciamento físico e a proteção dos trabalhadores. Com uma ressalva: o decreto original faz depender a aplicação aos concelhos de risco do “decreto que regulamente o estado de emergência”, sendo improvável que o país continue nesse estado de exceção até ao fim do ano.

Ora em reação a este diploma, o PSD defendeu, no seu pedido de apreciação parlamentar, que “não se compreende” o prolongamento da regra até 31 de dezembro “sem que seja acompanhado de fundamentação técnico-científica justificativa”, particularmente porque segundo o Código do Trabalho o teletrabalho deve ser definido por “acordo entre as partes”. “Mais: se o Governo prevê a retoma e o desconfinamento progressivo como se justificam estas limitações dos direitos dos trabalhadores e das empresas até ao final do ano?”.

O PCP recorda as “consequências profundas e muito negativas nas condições gerais da saúde dos portugueses, incluindo a saúde mental”, assim como na “destruição de emprego, na perda de salário e rendimento das famílias, na degradação das condições de vida”, temendo aliás que com isto se queira “dar a ideia de que Portugal pode continuar indefinidamente em Estado de Emergência”. Por isso, os comunistas pedem que em alternativa se garanta a proteção sanitária dos trabalhadores para que possam ir ao local de trabalho.

Já o pedido de apreciação que junta IL, CDS, deputadas não inscritas e três deputados do PSD (Alexandre Poço, Sofia Matos e Margarida Balseiro Lopes) considera que a medida “constitui uma privação das liberdades dos portugueses” e “pode levar a graves consequências socioeconómicas”, com base em “previsões subjetivas”. Os argumentos são, em boa parte, coincidentes; a conclusão pode não ser.