Ícone. Um homem não pode ser definido apenas pelas asneiras que fez na vida.” Foi assim que o comediante Rui Unas justificou o convite feito a Tomás Taveira, o arquiteto que no final da década de 1980 se filmou enquanto forçava mulheres a ter relações sexuais no seu escritório, para ser entrevistado no seu podcast “Maluco Beleza”.

O anúncio foi feito através da página de Rui Unas no Instagram, onde o comediante publicou uma fotografia onde surge, sorridente, ao lado do arquiteto, hoje com 82 anos, acompanhada da legenda: “Estar à conversa uma hora com o Arquiteto Tomás Taveira é conhecer um espírito livre, de uma cultura imensa, sentido de humor e uma referência absoluta na arquitetura em Portugal“.

A publicação motivou uma onda de indignação nas redes sociais, onde o comediante foi acusado de branquear as práticas abusivas de Tomás Taveira, classificando-as como meras “asneiras”. Entre as críticas a Rui Unas encontra-se a sugestão de que as “asneiras” de Taveira foram algumas das suas obras mais conhecidas, incluindo alguns dos estádios do Euro 2004 ou o complexo das Amoreiras, em Lisboa. Houve quem apontasse as contradições de Unas, habitualmente associado a campanhas feministas, e quem lamentasse que os abusos cometidos por Taveira tenham sido normalizados no país — ao ponto de algumas das expressões ditas pelo arquiteto nos vídeos se tenham tornado comuns no calão português.

A controvérsia levou Rui Unas a apagar a publicação, embora continuem a circular nas redes sociais capturas de ecrã que registaram a fotografia e a mensagem do humorista. Mais tarde, o comediante publicou na mesma rede social um curto esclarecimento, assumindo que “nunca” conseguirá “explicar completamente o que quis dizer” e acrescentando: “Mas uma foto, uma imagem tem sempre uma mensagem. Se a mensagem é mal interpretada por muitos e até contrária aos teus princípios, o melhor é retractarmo-nos e, humildemente, corrigir“.

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Creio que me conhecem o suficiente para saberem em que lado da trincheira estou“, acrescentou Rui Unas, dirigindo-se aos seus seguidores.

O polémico caso em torno de Tomás Taveira remonta a 1989, ano em que foram divulgadas várias imagens de atos sexuais entre o arquiteto e várias jovens mulheres. Além de as filmagens terem sido feitas sem o consentimento das jovens, os vídeos mostram como em vários momentos o arquiteto as forçou a manter relações sexuais, ignorando o que diziam. Alguns fotogramas desses vídeos foram inicialmente divulgados pela revista Semana Ilustrada — que mais tarde seria condenada por abuso de liberdade de imprensa devido à difusão das imagens.

O caso acabou por ser enquadrado ao contrário do que, muito provavelmente, aconteceria: foi Tomás Taveira que processou a revista pela divulgação das imagens daqueles atos, que, segundo vários rumores, teriam sido praticados com algumas das suas alunas e ainda com mulheres de membros do Governo. Até o primeiro-ministro, na altura Cavaco Silva, se pronunciou sobre o caso — mas não para condenar os abusos de poder do arquiteto, e sim para criticar as calúnias destinadas a fragilizar o Governo com denúncias de adultério.

A controvérsia acabaria por se dissipar com o tempo, ganhando inclusivamente contornos de mito urbano e tornando-se numa piada recorrente no país, mesmo entre quem não conhecia a origem das expressões.

O convite de Rui Unas reacendeu a polémica adormecida de Tomás Taveira precisamente na semana em que um outro caso colocou o assédio sexual de homens em posições de poder na agenda mediática nacional. No último sábado, a atriz Sofia Arruda revelou no programa “Alta Definição”, da SIC, que foi vítima de assédio sexual por parte de um responsável de uma estação televisiva e de uma produtora de novelas, que não nomeou — e que o facto de ter rejeitado esses avanços a levou a estar sem trabalho durante algum tempo.

De acordo com o relato de Sofia Arruda, esse responsável “queria uma atenção que não era profissional”, que se traduzia em gestos como “um cumprimento que ficava num sitio que não era suposto” ou “um beijo que deixa um bocado constrangido”. Um convite para um almoço pessoal terá consolidado o afastamento da atriz. “Peguei no telemóvel e disse que, se fosse realmente uma reunião de trabalho, um almoço ou jantar, a minha agente ia comigo, e se não fosse essa a intenção então não haveria qualquer almoço e jantar. A pessoa disse-me ‘OK, se é essa a tua decisão’. Mais tarde, já nas gravações, estava na cadeira de maquilhagem e a pessoa agarrou-me no braço e disse-me ao ouvido: ‘Essa é a tua ultima decisão?’, disse: ‘Sim’ e ele respondeu-me: ‘Então tu nunca mais vais trabalhar aqui’“.

A revelação de Sofia Arruda levou a que várias celebridades da televisão portuguesa se unissem em apoio à atriz e referissem a existência de outros casos de assédio.