Quando as cortinas do palco se abriram para a peça “I Know I’ve Been Changed”, o dramaturgo encontrou uma sala de teatro praticamente vazia. Era 1992 e a história retratava a vida de de dois adultos que se tornaram naquilo que a mãe, abusadora, antevia para eles, mas que encontraram um caminho para a redenção através da religião. O próprio autor encarnava uma das personagens, Joe. E mesmo com o insucesso na bilheteira na noite de estreia, encontrou alento nas boas críticas publicadas no The New York Times.

Vinte e nove anos depois, a conta bancária deste ator/produtor/argumentista atingiu os sete dígitos — um feito reservado a menos de 3.000 pessoas em todo o mundo. É Tyler Perry e, tal como as personagens que protagonizavam a peça com que se estreou no teatro, também ele era pobre e abusado na juventude, por um homem que mais tarde veio a descobrir não ser o pai. Aprendeu a destilar o sofrimento daqueles tempos através da escrita, em cartas dirigidas a ele mesmo, tal como ouvira Oprah Winfrey sugerir na televisão. Foram elas que inspiraram a peça.

Apesar do insucesso inicial de “I Know I’ve Been Changed”, foi este título que atirou Tyler Perry para um rumo multimilionário: seis anos depois da estreia, em 1998, aquela mesma peça viria a esgotar as salas e a motivar a passagem da produção para o Fox Theatre, em Atlanta. O portfólio do dramaturgo desenrolou-se no ramo do teatro e depois da televisão, nem sempre apenas atrás das câmaras, tornando-o multimilionário em março deste ano. Mas o dinheiro não lhe fica (só) no bolso: Tyler Perry aplica-o também na caridade.

Foi isso que o levou ao palco da cerimónia dos Óscares: hoje com 51 anos, e considerado pela Forbes como o homem mais bem pago no ramo do entretenimento, o artista recebeu um dos dois Óscares Humanitários entregues pela Academia graças à “influência cultural que se estende por muito mais do que o seu trabalho como realizador”. “Quando me proponho a ajudar alguém, é minha intenção fazer exatamente isso. Não estou a tentar fazer nada além de conhecer alguém na sua humanidade“, disse ele no discurso.

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A solidariedade de Tyler Perry não se materializa apenas no estrelato, como quando transformou o estúdio privado num campo que permitiu a muitos artistas continuarem a trabalhar durante a quarentena (ou como quando acolheu os também milionários Harry and Meghan Markle quando o casal abandonou Londres): ele paga as compras de supermercado aos mais idosos, suporta as despesas de educação de jovens e apoia famílias em luto pela morte de algum membro nas mãos da polícia.

E foi nesse tom que proferiu o discurso da noite: “Recuso-me a odiar alguém por ser mexicano ou por ser negro ou por ser branco ou da comunidade LGBTQ”, afirmou. “Recuso-me a odiar alguém por ser agente da polícia ou por ser asiático. Espero que nos recusemos a odiar. E quero aceitar este prémio humanitário e dedicá-lo a todos os que queiram contribuir para isso. É aí que a cura, a conversa, a mudança acontece. A quem queira encontrar-se a meio caminho para recusar o ódio e o julgamento, isto é para vós também”.

O projeto mais famoso de Tyler Perry é a personagem Madea, uma mulher norte-americana interpretada pelo próprio criador, um osso duro de roer que o dramaturgo construiu a partir das memórias que guarda da mãe e da tia: “Elas não perderiam uma oportunidade de te dar uma tareia, mas, ao mesmo tempo, de se certificar que a ambulância chegaria a tempo de te por o braço no lugar“, descreveu jocosamente o multimilionário. A história de Madea termina com o 11º filme da personagem — o funeral dela em 2019. Mas Tyler Perry está a trabalhar numa prequela.