Pandemia a evoluir favoravelmente, vacinação a dar resultados e um tom de despedida nas intervenções dos mais altos responsáveis políticos. A reunião que juntou, como é habitual, políticos e especialistas esta terça-feira no Infarmed deixou claro que deverá haver condições para o Governo avançar no desconfinamento do país e para Marcelo Rebelo de Sousa concretizar o seu desejo: acabar com o estado de emergência. Apesar de, mesmo com um quadro global positivo, haver motivos para preocupação — nomeadamente a evolução das novas variantes em Portugal –, à porta fechada o Governo esforçou-se para garantir que mesmo esse fator está vigiado e controlado.

Na parte da reunião que não é pública, e que consiste numa sessão de perguntas e respostas entre políticos e especialistas, o CDS levantou a questão sobre um dos poucos dados que não foram apresentados como favoráveis: se a situação das fronteiras portuguesas se altera, dada a introdução de novas variantes no país — a britânica já representa 90% dos casos e a indiana, mais recente, pode estar a iniciar uma transmissão comunitária.

Mas a resposta, entre peritos e Governo, foi unânime: João Paulo Gomes, do Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge, explicou, segundo o Observador apurou junto de fontes presentes na reunião, que a posição de Portugal sobre as fronteiras é prudente e que seria “prematuro” decidir pelo encerramento em relação a outros países europeus por causa das variantes de Manaus ou da Índia, uma vez que estas ainda têm pouca prevalência na Europa. Além disso, Marta Temido fez questão de intervir já no final da reunião para lembrar as medidas que já existem para limitar o perigo de entrada de novas variantes no país, incluindo a obrigatoriedade de os viajantes apresentarem teste negativo, ou teste e quarentena no caso de países com alta incidência, e o facto de as fronteiras fluviais e terrestres estarem fechadas. Mais: Portugal também está a apostar forte na sequenciação do vírus, que faz em 20% a 25% dos casos — a recomendação da União Europeia é de apenas 5%.

As outras duas questões colocadas à porta fechada partiram de CDS e Iniciativa Liberal e foram ambas sobre vacinação, nomeadamente sobre o ritmo prometido de 100 mil inoculações por dia — um ritmo, assumiu o coordenador da task force, Gouveia e Melo, que está limitado pela “quantidade de vacinas” que já existem; a opção, como revelou na parte pública da reunião, será por dar prioridade às primeiras doses, mantendo uma reserva indispensável para a segunda toma não passar dos prazos aconselhados.

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Ainda assim, a vacinação foi mesmo o fator que descansou especialistas e políticos: Marcelo Rebelo de Sousa interveio no final da reunião, numa declaração transmitida publicamente, precisamente para saudar a decisão de privilegiar as primeiras tomas e a “interrelação” entre a vacinação e a gestão da pandemia. Mais: o plano estará mesmo a diminuir decisivamente a taxa de letalidade do vírus, um dado que foi destacado pelo presidente da República minutos depois de os peritos terem revelado que Portugal tem, neste momento, um rácio baixo, de cinco mortes por milhão de habitantes. No domingo houve, aliás, zero mortes por covid-19 em Portugal, sendo que os dados no SNS também são positivos: há menos hospitalizações e a ocupação dos cuidados intensivos — um dos fatores que preocupavam Marcelo — está abaixo das 100 camas. E, segundo Henrique de Barros, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, em setembro pode mesmo “não haver casos” de covid-19 em Portugal.

Com as vacinas a fazer efeito, sobretudo nos grupos mais frágeis — a faixa dos idosos com mais de 80 anos é “a mais protegida”, garantiram os especialistas — e os dados a mostrarem uma incidência menor do que no início do período de desconfinamento, os políticos respiraram de alívio. Até porque, a juntar aos números, os especialistas vieram defender o modelo que Costa queria e que tinha pedido no último encontro: uma análise de “clusters espaciais” que avalie o risco por grupos de concelhos, mas incluindo fatores “qualitativos”, sem se limitar à análise pura e dura dos números de contágio e de incidência.

Foi esse alívio que os mais altos responsáveis transmitiram no final da reunião: com Marcelo a destacar o papel da vacinação e a agradecer aos especialistas, Ferro Rodrigues juntou-se ao agradecimento — as intervenções dos especialistas foram “esclarecedoras” — e Costa rematou: não só os dados foram “particularmente claros” como “ajudam” os políticos a tomar as decisões que “terão de tomar esta semana”. Do lado do Executivo, a decisão a tomar é sobre a continuação do desconfinamento do país. Do lado de Marcelo, passa pelo fim do estado de emergência — um sinal que ficou reforçado quando fonte oficial de Belém anunciou a meio da reunião, por que o presidente estava a esperar para fechar a sua decisão, que Marcelo falaria ao país já esta terça-feira à noite.

Essa sensação foi a que ficou também para os representantes dos partidos, que de resto têm vindo a pedir o final desse estado de exceção. Assim como uma outra ideia: a de que as reuniões do Infarmed poderão estar para acabar nos moldes atuais, tal como aconteceu no ano passado, depois do primeiro pico da pandemia. Sobre isto não houve garantias, mas a ministra da Saúde explicou, à saída do encontro, que a forma dos encontros se pode “alterar”. O tom foi, a todos os níveis, de despedida.