A identificação dos lugares do colonialismo no espaço urbano, a inscrição de testemunhos sobre a sua localização, e o debate e a reflexão que impõem, sustentam o projeto “ReMapping Memories Lisboa – Hamburg”, anunciado esta quarta-feira pelo Goethe Institute Portugal.

O projeto será lançado na segunda-feira, com a abertura de um ‘site’ estruturado sobre mapas urbanos, que assinalam e contextualizam a ‘geografia colonial’, e com o início do ciclo de debates “Memorializar e Descolonalizar a Cidade (Pós)Colonial”, que reúne participantes como a historiadora, especialista em estudos africanos, Isabel Castro Henriques, o ativista Mamadou Ba, o investigador António Brito Guterres, o músico e escritor Kalaf Epalanga, a atriz e encenadora Nádia Yracema, o dinamizador comunitário José Baessa de Pina (Sinho) e o sociólogo Miguel Vale de Almeida.

O objetivo é promover a reflexão e afirmar uma memória mais precisa dos lugares do colonialismo e da sua representação, uma imagem mais justa, mais próxima da realidade desses lugares, e estabelecer “estratégias de descolonialização”, que rompam com perspetivas ainda dominadas pelo passado colonial.

Coordenado, na parte portuguesa, pela investigadora Marta Lança, editora do ‘site’ Buala, “ReMapping Memories Lisboa – Hamburg: Lugares de Memória (Pós)Coloniais” propõe “pensar a relação da cidade com a colonialidade: o modo como o colonialismo, a resistência anticolonial e a presença africana são transmitidos na memória coletiva, nos vestígios materiais e no espaço público das cidades portuárias de Lisboa e Hamburgo”, dois antigos centros do colonialismo europeu, lê-se no texto de apresentação.

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“O projeto procura evidenciar como as relações de poder de matriz colonial perduram até hoje, em ambas as cidades, e encontrar modos de inscrever outras histórias no debate sobre as disputas de memória e estratégias de descolonialização das cidades europeias”, prossegue a apresentação.

Além dos “artigos, ensaios, reportagens e entrevistas produzidos por uma diversidade de agentes culturais, investigadores, ativistas e artistas, o projeto tem uma forte componente visual”, que envolve intervenções do artista Francisco Vidal, assim como fotografias e vídeos de Rui Sérgio Afonso, articulados com imagens de arquivo.

O lançamento do projeto, no próximo dia 05, é marcado pela abertura do ‘site’ ao público e pela realização dos primeiros debates do ciclo “Memorializar e Descolonalizar a Cidade (Pós)Colonial”, que se estenderão até 07 de maio, sempre ‘online’, e que se realizarão ‘online’, todos os dias, entre as 18:00 e as 20:00, com apoio do Teatro do Bairro, em Lisboa.

“As marcas coloniais na cidade e nos corpos de quem a habita, a luta anticolonial e a inscrição africana e afrodescendente no espaço metropolitano, ou, de modo mais global, políticas, abordagens, experiências e desafios no processo de descolonização, nas cidades europeias”, constituem os principais temas destes debates que se querem “abertos à comunidade”.

Na segunda-feira, Isabel Castro Henriques abre o painel dedicado às “Marcas coloniais na cidade e no corpo”, seguindo “percursos históricos dos Africanos em Lisboa”, desde o século XV.

“Legados que a história e a memória permitem hoje resgatar para compreender o seu processo de integração, as suas estratégias de vida e de preservação cultural, mas também a secular sedimentação de um preconceito português anti-negro, anti-africano, alicerçado no binómio físico (o Preto) e social (o Escravo), que definiu as relações luso-africanas e desenvolveu práticas discriminatórias que ainda hoje é urgente reconhecer, denunciar, eliminar”, sublinha a apresentação do painel.

Mamadou Ba, militante antirracista, doutorando em Sociologia e especialista em Língua e Cultura Portuguesas, falará de como “a geografia racial estrutura a relação entre estar na cidade e ser da cidade”, “fronteiras simbólicas e físicas que determinam o grau de pertença, o reconhecimento, o usufruto e a (auto)identificação ou não com o tecido urbano, nas suas múltiplas funcionalidades, conduzindo a uma “falta de fluidez e continuidade urbanas” e à segregação de pessoas “para lugares subalternos”.

António Brito Guterres abordará “a forma (pós)colonial da Metrópole”, e a Área Metropolitana de Lisboa, como lugar das memórias coloniais.

O segundo dia, com moderação de Marta Lança, à semelhança do anterior, visa contribuir para a “Inscrição de uma Afro-Lisboa”, reconhecendo a sua presença no mapa. A jornada abre com Nádia Yracema, que no ano passado pôs em cena “As Palavras do Corpo”, a partir de poemas de Maria Teresa Horta. A atriz e encenadora do coletivo Aurora Negra falará do “artista mo(nu)mento”, que “invoca vozes de um passado silenciado”. Segue-se Kalaf Epalanga que defenderá “a importância de [se] criar um Museu da Kizomba”, “a mais abrangente das manifestações culturais de origem africana que ocupam o espaço de Lisboa”.

José Baessa de Pina, vice-presidente da associação de Cavaleiros de São Brás, que assume há anos uma missão comunitária constante, no Casal da Boba, na Amadora, vai expor a sua experiência sobre como “Construir comunidade nos subúrbios de Lisboa”, a nível educacional, social e cultural.

Em oposição à política de “bairros sociais”, que arrancam as pessoas de lugares onde já têm comunidade, Baessa de Pina defende “políticas públicas afirmativas nos bairros sociais já existentes”, com “uma maior aproximação do poder local” às associações, às comissões de moradores e grupos informais. “Problematiza-se o realojamento, a inserção e integração na sociedade”, a reabilitação dos bairros autoconstruídos, e o combate “à guetização e segregação”.

O terceiro e último dia do primeiro ciclo de debates é dedicado a “Estratégias para descolonizar a cidade”, e conta com moderação do diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, António Sousa Ribeiro.

Miguel Vale de Almeida toma por mote “Como abanar estátuas?”, um ‘brainstorming’ de propostas sobre maneiras de “descolonizar a cidade”, contextualizar, hibridizar, interpelar, colaborar e ‘performar’ sobre esses símbolos.

A antropóloga Maria Paula Meneses, investigadora do núcleo de estudos sobre Democracia, Cidadania e Direito do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, irá tratar de “Lisboa: histórias ocultas e linhas contínuas”, com o objetivo de inverter o silenciamento de “uma riqueza de trajetórias vividas por africanos e africanas” que permanece inscrita nos edifícios de Lisboa.

Por fim, a especialista em estudos urbanos Noa K. Ha, responsável do Centro de Investigação para a Integração, da Universidade Técnica de Dresden, toma por tema “O desafio da memória pós-colonial. Legados de ‘colonialidade’ na cidade”. Quando o esquecimento e o esforço de memória colidem, “surgem fendas, contradições e conflitos” que demonstram como há uma história diferente a ser vivida e recordada, no espaço urbano, sendo necessário assumir “a memorialização pós-colonial como um desafio”.

“ReMapping Memories Lisboa – Hamburg: Lugares de Memória (Pós)Coloniais” é um projeto do Goethe-Institut Portugal.

Em Lisboa, é coordenado pela editora e investigadora Marta Lança, com consultoria de Inocência Mata, professora da Universidade de Lisboa, Judite Primo, investigadora da Universidade Portucalense, Flávio Almada, ativista e coordenador da associação Moinho da Juventude, Isabel Castro Henriques e António Sousa Ribeiro.

Em Hamburgo, o projeto conta com consultoria dos investigadores Jonas Prinzleve, especialista em cultura pós-colonial, e Hannimari Jokinen, em memória das migrações, e da fotógrafa Anke Schwarzer, além de Noa K. Há.

Os debates ‘online’, com tradução simultânea, vão decorrer via Zoom (com o atalho de acesso a disponibilizar “brevemente na página do evento”, goethe.de/portugal) e transmissão em re-mapping.eu, no ‘site’ do Teatro do Bairro Alto e nas redes sociais.