Quem pagou, quanto custou e se foi legal — há mais dúvidas do que certezas no caso que está a agitar a política britânica, e que tem a ver com a recente remodelação do apartamento do primeiro-ministro, Boris Johnson, que poderá ter custado cerca de 200 mil libras (230 mil euros), muito acima da verba anual destinada a este tipo de intervenções na residência oficial do líder do Governo. A pressão política está a aumentar e Boris terá, esta quarta-feira, de responder às perguntas do líder da oposição, Keir Starmer, no Parlamento.

A polémica começou na sexta-feira passada, quando Dominic Cummings — um dos mais próximos antigos conselheiros de Boris Johnson, demitido no final do ano passado — fez um post no seu blogue pessoal em que acusava o primeiro-ministro de ter construído um plano “possivelmente ilegal” para pagar pela remodelação de interiores do apartamento e questionava a “competência e integridade” de Johnson.

A partir daqui, as teorias e acusações sobre o que de facto aconteceu multiplicam-se: a imprensa britânica já noticiou números diferentes — a BBC cita cálculos que apontam para um custo total das obras a rondar as tais 200 mil libras, enquanto o The Guardian fala em pelo menos 58 mil (66 mil euros) em empréstimos — e há notícias também díspares sobre a forma como esse dinheiro foi pago. Desde logo, porque há notícias que apontam para um possível empréstimo de um conservador, o Lorde Brownlow, que teria cedido o dinheiro através de uma instituição de caridade gerida pelos conservadores, e que teria recebido o dinheiro de volta pela mão de Boris; e notícias que apontam para um “esquema” em que doadores teriam pago pela remodelação.

Nem sequer é claro o que a lei determina sobre isto: como aponta a BBC, existe a obrigação de os deputados declararem, em 28 dias, doações e empréstimos que recebam e que possam influenciar os seus interesses, assim como existe um registo de interesses para os membros do Governo, mas não foi ainda determinado em qual destas categorias recairia o caso de Johnson, caso se prove que recebeu dinheiro (mesmo que entretanto devolvido) para pagar a remodelação da casa.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

As respostas do Governo também não têm sido esclarecedoras, uma vez que, se o Executivo começou desde logo por garantir, através de um porta-voz, que “o Governo e os ministros têm agido sempre de acordo com o código de conduta e a lei eleitoral”, acrescentando que “todas as doações declaráveis são divulgadas de forma pública e transparente”, nos últimos dias houve vários representantes a garantir que Boris terá mesmo pago a remodelação “do seu próprio bolso”. A dúvida surge quando se questionam os membros do Governo sobre se o dinheiro chegou a ser emprestado ao primeiro-ministro, numa fase inicial: o Telegraph questionou uma das líderes do Partido Consevador, Amanda Milling, sobre se fundos do partido tinham sido usados para pagar a renovação do apartamento, tendo esta respondido que não, mas sempre no presente — o dinheiro do partido “não está” a ser utilizado para isso, o que não invalida que tal tenha acontecido no passado.

Já o próprio primeiro-ministro disse há dias, questionado sobre se chegou a haver um plano para pagar com recurso a doações, que “se houver uma declaração a ser feita sobre isso, será feita no tempo próprio”. O líder do Labour, que esta quarta-feira enfrentará Johnson no Parlamento — e que poderá escolher confrontá-lo apenas com esta ou também com outras polémicas recentes — tem exigido que, “se não há nada a esconder”, se “publique tudo” e se faça uma “investigação completa” — que já está encomendada a um membro do Governo, Simon Case.

Segundo o The Guardian, o próprio Partido Conservador de Boris estará, na verdade, de acordo: membros de topo do partido estarão irritados por o Governo estar a deixar o caso arrastar-se, acreditando que, se Boris não violou a lei, mais vale contar já a verdade e explicar como é que a remodelação foi paga.

Os escândalos de Boris Johnson: a remodelação Downing Street, a ajuda a amigos e os corpos empilhados

As renovações foram feitas no apartamento nº 11 de Downing Street, no piso de cima — a residência oficial, que tradicionalmente seria no nº10, passou para o apartamento do lado no tempo de Tony Blair, por ser maior (um T4). Foi para lá que Boris e a noiva, Carrie Symonds, se mudaram. Já em 2011 David Cameron tinha feito uma remodelação na casa, no valor de 30 mil libras, ou 34 mil euros (e essa é a verba pública disponibilizada atualmente aos primeiros-ministros para fazerem a manutenção ou outras intervenções na residência).