O antigo presidente da Comissão Europeia José Manuel Durão Barroso lembrou este domingo, em entrevista ao Público, que o ex-presidente da República Aníbal Cavaco Silva foi “um governante com imensa preocupação de justiça social“.

Numa entrevista conduzida por Maria João Avillez, e essencialmente centrada numa análise histórica da década de 1985 – 1995, quando Cavaco Silva foi primeiro-ministro de Portugal, Durão Barroso (que foi ministro dos Negócios Estrangeiros nessa época) classificou Cavaco como “um político acidental que só depois se revelou um grande político“.

Cavaco, ao contrário do que a esquerda sempre disse, foi um governante com imensa preocupação de justiça social“, assinalou Durão Barroso, que entre 2002 e 2004 foi primeiro-ministro de Portugal, antes de se mudar para Bruxelas para presidir à Comissão Europeia durante uma década.

“Lembro-me bem da defesa que sempre fez, por exemplo, dos pensionistas da função pública. Normalmente defendia mais a função pública do que os trabalhadores do sector privado. E recordo-me bem de ter sido ele quem na altura da troika [2011-2014] mais chamou a atenção da Comissão Europeia para as questões sociais. Fê-lo mais vezes, por exemplo, do que o Governo de José Sócrates, que negociou todos os passos do memorando“, acrescentou Durão Barroso.

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Sobre o período de governação habitualmente conhecido como “cavaquismo“, Durão Barroso preferiu não usar a expressão “porque sugere uma personalização excessiva”.

“Esse movimento de reformas teve outros fatores a sustentá-lo, para além do carisma de Cavaco Silva”, explicou o antigo presidente da Comissão Europeia. “Embora — e faço questão em dizê-lo — Cavaco tenha sido um líder carismático notável. Andei pelo país inteiro com ele, retive a forma como as pessoas o esperavam e o recebiam, as multidões que juntava, como raramente se viu na democracia portuguesa.”

“De certo modo, foi como se tivesse ocorrido uma espécie de translação do carisma de Sá Carneiro para ele próprio. O PSD precisava — ainda precisa — de líderes fortes e ele conquistara prestígio nas Finanças”, descreveu Barroso.

Cavaco Silva foi primeiro-ministro durante dez anos, mas nos primeiros dois anos (1985 – 1987) governou em minoria, o que condenou o executivo a sucumbir a uma moção de censura no Parlamento apenas ao fim de dois anos — antes de Cavaco Silva ser reeleito com a primeira maioria absoluta desde o 25 de Abril. Desse primeiro Governo minoritário, Durão Barroso, que ali foi secretário de Estado, lembrou a “vontade reformista”.

Era um Governo que via todos os dias a sua vontade reformista ser sistematicamente travada na Assembleia por coligações negativas. Num ambiente em que a comunicação social estava praticamente toda estatizada em Portugal”, explicou Durão Barroso.

“Na altura, eu viajara da Suíça para Georgetown para completar o meu doutoramento e um belo dia fui surpreendentemente convidado a integrar esse Governo. O argumento para me convencer foi que ‘era só uma pequena interrupção nos meus estudos, o Governo, sendo minoritário, não duraria mais de dois anos’. De facto, não durou, mas Cavaco Silva e o PSD ficaram dez anos”, recordou o ex-líder europeu.

Além de um cargo de secretário de Estado, Durão Barroso lembrou ainda ter feito parte de “um grupo que trabalhava em estratégia política“, que incluía “Fernando Nogueira, Dias Loureiro, Santana Lopes, Marques Mendes” e Durão Barroso.

Durão Barroso foi presidente da Comissão Europeia até 2014. Dois anos depois, em 2016, foi contratado como presidente não-executivo do banco de investimento norte-americano Goldman Sachs. Já este ano, durante a pandemia da Covid-19, Durão Barroso assumiu funções como presidente da GAVI, a Aliança Global para as Vacinas, instituição que atualmente está a coordenar, em parceria com a Organização Mundial da Saúde, o projeto COVAX — destinado a distribuir vacinas contra o coronavírus aos países em vias de desenvolvimento.