A CGTP admite como válidas as metas de emprego, formação e pobreza na agenda da Cimeira do Porto, mas reitera que medidas europeias não podem colidir com os direitos conquistados pelos trabalhadores portugueses em situação “cada vez mais” precária. Já a Confederação Empresarial de Portugal considera que as metas são ambiciosas, mas possíveis de atingir.

Não obstante se colocarem ali um conjunto de intenções que consideramos até positivas, a verdade é que os conteúdos e as políticas que estão ali apontadas e as conclusões relativamente à situação que vivemos não vão ao encontro das respostas que são necessárias e não vão ao encontro das necessidades”, diz à Lusa a secretária-geral da CGTP.

Para Isabel Camarinha, a posição da CGTP “aplica-se a Portugal tal como se aplica” ao Pilar Europeu dos Direitos Sociais, porque existem situações em relação ao mundo do trabalho, como as novas formas de prestação de serviços, sem que existam respostas capazes de garantir os direitos dos trabalhadores.

A Cimeira Social que vai decorrer nos dias 7 e 8 de maio na cidade do Porto, vai debater o plano de ação da Comissão para o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, envolvendo agentes políticos, mas também setores da sociedade civil, nomeadamente empregadores como a Business Europe e trabalhadores através da Confederação Europeia dos Sindicatos, que integra a CGTP.

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O plano estipula como metas, para 2030, que 78% dos adultos na Europa tenham emprego, que pelo menos 60% das pessoas façam uma ação de formação uma vez por ano e que “pelo menos” 15 milhões de europeus, dos quais cinco milhões de crianças, sejam retirados da pobreza.

Para Isabel Camarinha, as intenções manifestadas “num sentido são positivas”, apesar de matérias como salários, contratação coletiva e legislação do trabalho serem matérias nacionais e que, por isso, não pode haver instrumentos europeus que determinem como cada país as devem implementar.

Não admitimos a ingerência europeia daquilo que foi conquistado com a luta de gerações e gerações de trabalhadores. Há uma vontade de se criar instrumentos supranacionais que possam decidir e nós não concordamos com isso. E, por outro lado, aquilo que se aponta mesmo no concreto não garante os direitos, não garante a melhoria, não garante o futuro do trabalho que seja no caminho do progresso da justiça social em todos os países”, diz.

A líder da CGTP recorda que “anteriormente ao Pilar Europeu dos Direitos Sociais houve outros tratados” que já tinham colocado como metas o pleno emprego e um conjunto de direitos e “que nunca nada aconteceu”.

O que acontece é que no quadro da União Europeia há um conjunto de mecanismos económicos, nomeadamente o semestre europeu, o Pacto de Estabilidade e Crescimento, que não permitem aos Estados conduzirem aquilo que é a sua política de desenvolvimento, de melhoria das condições de vida e de trabalho de uma forma que responda às necessidades de cada país, enquadrado naturalmente no quadro europeu”, afirma.

A CGTP considera que cada país tem uma realidade concreta e que Portugal não está “em pé de igualdade” com a Alemanha, com a França ou com Espanha, mas que, apesar de não existirem os mesmos direitos, há uma Constituição que assegura os direitos aos trabalhadores e que “tem de ser respeitada”, criticando a “falta de preocupação” com o mundo do trabalho.

“Os caminhos que se apontam não vão no sentido da resolução dos problemas e da resposta às necessidades. Esta é a questão de fundo que está aqui colocada, nem a nível de cada um dos países da Europa, nem ao nível do nosso país, onde a realidade é a que temos e que exige respostas com as alterações das opções que têm vindo a ser tomadas”, diz, sublinhando a situação do trabalho precário.

“Nós vimos agora com a epidemia o que foi o despedimento em massa dos trabalhadores com vínculos precários: 57% dos novos desempregados tinham contratos não permanentes. Isto é imenso”, conclui a líder da CGTP.

CIP considera metas ambiciosas mas exequíveis

O presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), António Saraiva, afirma que as metas da Cimeira do Porto, como a criação de empregos e a redução da pobreza, são ambiciosas, mas possíveis de atingir.

Nós temos de colocar ambição em tudo e, por isso, estas metas são objetivos e teremos que contribuir para os alcançar. São de facto metas ambiciosas, mas têm em nós, governo, empregadores e sindicatos, um ‘jogo de seleção’ — mais do que num ‘jogo de equipa’ — para podermos conseguirmos atingir os objetivos”, diz.

“Porque o modelo social europeu deu provas nesta pandemia das suas virtudes”, frisa António Saraiva.

Para o presidente da CIP, os objetivos podem ser cumpridos se a Europa conseguir “renovar” o contrato social e adaptar-se aos novos tempos, marcados também pela crise sanitária.

O papel das empresas é, neste triunvirato (governos, empregadores e sindicatos), contribuírem com a sua quota-parte, responsável, criteriosa e equilibrada, tal como os sindicatos, porque quando se determina que não se pode deixar ninguém para trás, não é uma tarefa apenas de alguns, é uma tarefa, preferencialmente, de todos nós”, diz António Saraiva.

A Europa “cresceu em território, mas diminuiu em políticas”, acrescenta, porque os 27 países ainda não conseguiram criar um espaço comum articulado e com as mesmas orientações, as mesmas diretrizes e o respeito por uma norma comum.

António Saraiva refere em concreto a falta de harmonização fiscal e política bancária para que sejam “gerados” melhores empregos e uma redistribuição mais justa da riqueza criada.

“Ainda somos, de alguma maneira, passe a caricatura, qual Hidra de 27 cabeças a lutarem para que cada uma por si vença este desafio e não as 27 como um bloco coeso”, afirma referindo-se às questões socias.

Quanto à situação portuguesa, António Saraiva diz que “não é mau ser-se pequeno, mas que é preciso saber ser pequeno” reforçando que Portugal é composto de micro e pequenas empresas.

No sentido de uma maior justiça social aliada ao crescimento económico, António Saraiva acrescenta que o Estado tem de ser uma parte ativa na remoção de um número de obstáculos que as atividades económicas “ainda suportam”, como “por exemplo” a burocracia.

Não se pode pedir apenas às empresas porque é a envolvente em que operam que tem de ser alterada para melhor e esse caminho está a fazer-se lentamente. As empresas estão a desempenhar esse papel, mas precisamos de uma envolvente melhor porque ainda temos muitos obstáculos nesta nossa estrada de desenvolvimento económico”, conclui.

Portugal espera “um passo grande” na agenda social europeia, diz secretária de estado dos Assuntos Europeus

Portugal espera que a Cimeira do Porto permita um grande consenso entre governos, parceiros sociais e sociedade civil sobre a agenda social europeia para a próxima década, com metas ambiciosas e mudanças que, admite, vão ser lentas.

“Não se trata de uma mudança de paradigma, as mudanças de paradigma não se fazem com uma conferência, mas trata-se de um passo grande que é passar dos princípios à ação”, diz à Lusa a secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Ana Paula Zacarias, frisando que os princípios já acordados em Gotemburgo, em 2017, vão demorar vários anos a concretizar-se.

“Primeiro, os princípios só foram aprovados em 2017. Portanto, temos aqui vários anos para chegarmos à ideia de que é preciso implementar isto no terreno e ter um conjunto de metas. Daqui até chegarmos a compromissos jurídicos vinculantes vão demorar outros tantos anos. Demora, mas o que nós queremos é deixar uma ‘pedra de toque'”, no Porto, sublinha.

A Cimeira do Porto pode proporcionar também a abordagem do “‘pipeline’ legislativo”, um conjunto de propostas da Comissão Europeia, como a diretiva dos salários mínimos, a diretiva da transparência salarial, a proposta de recomendação sobre a garantia infantil, sobre as mulheres nos quadros de direção, as estratégias para pessoas que estão sem-abrigo ou a estratégia europeia para a deficiência.

“São tudo aspetos complementares desta nossa ação no Porto”, afirma a secretária de Estado.

É preciso que os estados-membros se comprometam com estas metas e digam ‘sim’ e que é possível ‘puxar’ pela agenda social europeia, depois desta crise, para sairmos da crise e conseguirmos uma trajetória mais coesa. Precisamos de chegar a estas metas. Cada um fará o que puder com os seus sistemas sociais e com aquilo que é a ação comum de cada um dos estados-membros”, afirma Zacarias.

“Se as empresas, as associações empresariais, as associações sindicais e a plataforma social também indicarem que estão disponíveis para trabalhar por estas metas, eu acho que temos aqui um consenso muito alargado, porque em Gotemburgo só estiveram os governos”, diz Ana Paula Zacarias, apontando “um passo muito grande dado aqui”.

Do lado dos empregadores, o passo é ambicioso, mas possível se a União Europeia conseguir adaptar-se aos novos tempos.

“Temos que ter um contrato social renovado, temos que adaptar-nos aos tempos e à situação pandémica que o mundo, e desde logo a Europa, estão a sofrer. Adaptarmo-nos aos tempos é condição de sobrevivência”, diz António Saraiva, presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP).

“É esse o objetivo que temos que atingir, é estabelecer metas e depois monitorizar essas metas de maneira que aceleremos ou adaptemos esses objetivos”, prossegue, considerando que “é ambicioso”, “mas exequível”.

Entidades que trabalham junto de populações carenciadas consideram que as medidas podem ter êxito caso se verifique um constante empenhamento nos “territórios” mais afetados pela pobreza, desemprego e injustiça social.

A Associação Padre Amadeu Pinto, da Companhia de Jesus, que desenvolve programas de acompanhamento, sobretudo junto das populações mais jovens no Bairro Branco, no conselho de Almada, defende que o acompanhamento permanente e a criação de empregos são fundamentais caso se queira, de facto, atingir a meta de retirar da pobreza 15 milhões de pessoas até ao final da década.

É um bom objetivo, se o conseguirem atingir, mas se é exequível vamos ver. Creio que vai passar por uma boa gestão. Para atingirmos essas metas, mais do que injetar dinheiro, tudo vai passar por uma boa gestão dos recursos que temos”, diz o padre Gonçalo Machado, responsável pela Associação Padre Amadeu Pinto.

A situação no Bairro Branco é exemplificativa de muitas situações semelhantes de exclusão e injustiça social que marcam a realidade da pobreza na zona da Grande Lisboa, agravadas pela crise sanitária.

“A Covid-19 veio agravar tudo porque aqui (Bairro Branco) há muita economia informal, pessoas que trabalhavam na construção civil sem contrato por vontade dos patrões e, ao nível das mulheres, muitas cuidadoras de idosos e de crianças […] E não há proteção para o mercado informal, porque as pessoas não têm baixas nem subsídios de desemprego”, diz Ana Martinho, assistente social, acrescentando que é necessária “proximidade” na aplicação dos objetivos.

Não basta haver medidas políticas, é preciso operacionalização em territórios como este e é precisa uma força de proximidade, de insistência, que não vejo acontecer. Por vezes essas medidas são muito burocráticas e há pessoas que num determinado momento da vida estão muito desorganizadas e não se conseguem alinhar com essa exigência da burocracia. Mas se houver acompanhamento no terreno vejo que é possível, sim”, considera.