Há dias em que Jyot Jeet não consegue esconder as emoções. Numa manhã destas não conteve as lágrimas e chorou com uma mulher a morte do marido e filho dela. Com 27 anos e um mestrado de gestão de desastres conquistado em Londres, Jyot Jeet é um dos ativistas que assumiu o cargo de coveiro e crema vítimas da Covid-19, que se têm vindo a acumulam nos cemitérios da Índia.
Foi o próprio quem relatou este episódio à NBC News, mas Jyot Jeet tem utilizado o Facebook para denunciar o caos que reina na Índia à conta de uma segunda vaga de Covid-19 acelerada pelo surgimento de uma variante mais infecciosa do SARS-CoV-2. Nem mesmo ele escapou à crise indiana: Jyot Jeet está infetado neste momento, o estado clínico tem piorado nos últimos dias e o coveiro pediu orações aos seguidores nas redes sociais.
आपकी अरदास आपकी दुआओं की ज़रूरत है
Posted by Jyot Jeet on Saturday, May 1, 2021
Jyot Jeet substituiu o pai na presidência na fundação Shaheed Bhagat Singh, uma organização não-governamental de raízes Sikh que assegura a prestação de cuidados de saúde aos mais pobres há 25 anos. Com a chegada da pandemia, a fundação também se tem dedicado a realizar cremações gratuitamente aos desfavorecidos. Mas as 10 cremações por dia até setembro passaram a 150 neste momento.
Os funcionários da organização não-governamental, vestidos com equipamentos de proteção individual, já não bastam para gerir todos os corpos que devem ser cremados. Jyot Jeet admite que o manuseamento dos corpos, enrolados em lençóis brancos, é assegurado também pelas próprias famílias e por membros do público que se voluntariaram para ajudar.
Um dia de trabalho para Jyot Jeet e outros membros da organização tem 20 horas. Ao longo desse tempo, as equipas constroem piras fúnebres — algumas estão a ser montadas em parques de estacionamento —, cremam os corpos, tratam das cinzas e depois limpam o espaço para começar tudo do início.
Dia sim, dia não, somos envolvidos no cheiro da carne queimada e no som das famílias a chorar“, descrevey Jyot Jeet.
मर के भी जो साथ जाएगी वो है ‘सेवा’ ????????????भारत माता की जय????????#HumanityFirst
Posted by Jyot Jeet on Saturday, March 20, 2021
“Temos noção do risco deste trabalho”, admitiu o coveiro na entrevista à NBC News antes de ser infetado: “Claro que estamos assustados, mas seria uma desilusão para a nossa nação se não tivéssemos feito alguma coisa. Se tivermos de morrer, morremos”.
Sobre o motivo que o levou a assumir este dever, Jyot Jeet explica:
Só quero ser capaz de estar com esta pessoa por uma última vez e dar-lhe alguns momento de paz. É difícil descrever a sensação, mas sentimo-nos muito ligados às suas almas”.
As cerimónias estão longe de cumprir os rituais de cada crença religiosa. As cremações são naturais na cultura hindu, cumprida por 80% da população, mas já não há tempo para acender uma vela no cimo da cabeça das vítimas mortais — um sinal de esperança que, para os hindus, liberta as almas do ciclo da ressurreição. Os muçulmanos (14%) e os cristãos (2%) preferem enterros, mas o Governo ordenou que todos os mortos da Covid-19, ou que pelo menos tenham tido algum sintoma da doença, sejam cremados.
Posted by Jyot Jeet on Friday, April 16, 2021
Os vídeos publicados nas redes sociais da fundação revelam o desespero dos indianos. Uma das publicações retrata o caso de uma família que, aproximando-se de carro do crematório onde Jyot Jeet trabalha, atirou o cadáver de um morto por Covid-19 para a rua. Outro vídeo revela as longas filas de espera para as cerimónias fúnebres, em que um dos mortos era um bebé de cinco dias que morreu de Covid-19.
Uma outra publicação feita em abril revela as piras a céu aberto espalhadas pelos passeios para cremar corpos que não tiveram espaço nos fornos adequados; e as famílias em pranto durante as cerimónias. Jyot Jeet considera que, “se o governo quisesse, estas vidas poderiam ter sido salvas”, escreveu o próprio numa publicação no Facebook antes de se ter retirado por ter adoecido.
Jyot Jeet compara a situação na Índia a um “extermínio em massa”, com doentes a morrer “desnecessariamente” nos hospitais ou até mesmo antes de dar entrada num, por não haver espaços para mais pacientes. “Não aguentamos mais. Os corpos estão a amontoar-se. Muitos morreram de pneumonia antes de poderem ir a um hospital e serem testados”, descreveu o coveiro.