Cerca de 562 mil angolanos enfrentaram em 2020 situações de crise ou emergência alimentar, indica um relatório publicado esta quarta-feira, com previsões de “riscos significativos” para a população e considerando as condições climáticas extremas como principais causas.

O relatório em causa foi apresentado esta quarta-feira na ONU e foi realizado pela Rede Global Contra as Crises Alimentares (GNAFC, na sigla em inglês), uma aliança da ONU com a União Europeia e agências governamentais e não governamentais.

Em Angola, entre outubro de 2019 e fevereiro de 2020, cerca de 562 mil pessoas encontravam-se em situação de crise ou pior, e mais de metade dessas, 290 mil pessoas, estavam já em fase de emergência.

A emergência alimentar — ou fase 4 na classificação universal da insegurança alimentar — é a segunda mais elevada da escala, sendo que a fase 5 representa situações de catástrofe.

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“Múltiplas formas de desnutrição continuam a ameaçar o bem-estar das crianças angolanas”, avisa o relatório, demonstrando prevalência “muito alta” de deficiências de crescimento das crianças, com 1,9 milhões de crianças menores de 5 anos nessa condição.

“As deficiências de micronutrientes são prevalecentes, com 65 por cento das crianças sofrendo de anemia”, acrescenta ainda o documento da GNAFC.

A Rede Global Contra as Crises Alimentares conclui que a fome em Angola foi, em grande parte, causada pela seca e que “as populações locais enfrentaram perda de bens, deslocamentos e meios de subsistência significativamente prejudicados”.

“As altas concentrações de pessoas com insegurança alimentar aguda nas províncias do sul refletem os efeitos da redução de colheitas devido à seca em 2019 e os altos preços dos alimentos básicos”, lê-se no estudo.

Os autores do estudo distinguem Cahama, Cuangar, Cunhama, Gambos (ex-Chiange), Ombadja e Quilengues como municípios de emergência alimentar.

A análise foi feita em 2019, ainda antes da pandemia de Covid-19, pelo que os dados não refletem o impacto da pandemia.

Ainda sem estimativas concretas para o ano de 2021, o relatório alerta que “riscos significativos permanecem para as populações com insegurança alimentar após a pior seca em 30 ano” e que as importações de alguns cereais poderão ser mais elevadas do que a média para satisfazer as necessidades de consumo nacionais.

Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), a inflação de preços será elevada (com estimativa de uma inflação acima dos 20% para este ano), “em parte por causa de moeda fraca” e maior pressão será exercida nos preços de alimentos por causa de “produção agrícola pobre”.

“De fevereiro de 2020 a 2021, a moeda nacional perdeu cerca de 30 por cento de seu valor em relação ao dólar americano”, acrescenta ainda o relatório, com dados do FMI.

Preveem-se ainda “riscos significativos” de infestação de gafanhotos migratórios africanos na produção agrícola e pecuária.

O relatório acrescenta que os cerca de 56 mil refugiados ou requerentes de asilo, maioritariamente da República Democrática do Congo, estão em níveis piores de insegurança alimentar: em maio de 2020, 41% dos refugiados consumiam quantidades inadequadas de comida.

“Angola tem feito progressos económicos e políticos substanciais desde o fim da guerra em 2002, mas grandes partes da população ainda vivem na pobreza e sem acesso adequado a serviços básicos”, descreve o relatório, citando a Universidade de Oxford.

Angola fez parte de um conjunto de 55 países estudados, “escolhidos por consenso” entre 16 parceiros do estudo, por serem países “tradicionais” em estudos de crises, onde já existiam problemas e já estavam instalados sistemas de dados, explicou Arif Husain, economista do Programa Alimentar Mundial.

A região do mundo mais afetada pela escassez de alimentos é a África, onde vivem 97,9 milhões de pessoas nesta situação.

Entre todos os afetados pela crise, 133.000 pessoas no mundo podem ser consideradas em situação de catástrofe alimentar ou fome, principalmente no Sudão do Sul (105.000), Iémen (16.500) e Burkina Faso (11.400).

Crise alimentar pode afetar três milhões de pessoas em Moçambique em 2021

Moçambique enfrenta uma crise alimentar “profundamente preocupante”, com uma estimativa de que o número de pessoas em fases de crise ou emergência alimentar chegue a três milhões durante este ano.

O documento da ONU indica que entre outubro e dezembro de 2020, já se contavam cerca de 2,4 milhões de pessoas em crise alimentar e 310 mil pessoas em emergência alimentar em Moçambique.

A emergência alimentar — ou fase 4 na classificação universal da insegurança alimentar aguda — é a segunda mais elevada da escala, sendo que a fase 5 representa situações de catástrofe.

As estimativas da GNAFC é que o número de pessoas em necessidade de assistência alimentar urgente em Moçambique aumente com mais 250 mil.

Segundo o estudo, durante 2020, a insegurança alimentar aguda foi pior nos distritos do leste da província de Cabo Delgado, províncias de Gaza e Inhambane, sul da província de Tete e um distrito na região de Maputo, todos classificados em situação de crise, ou fase 3 da escala universal de classificação da insegurança alimentar.

“A escalada do conflito em Cabo Delgado desde o início de 2020, assim como o conflito em Manica e Sofala, levaram a deslocamentos massivos, com os deslocados internos perdendo o acesso a alimentos típicos, fontes de rendimento e terras agrícolas”, lê-se no relatório.

Cabo Delgado foi assim, “de longe”, a província com maior número de pessoas em crise alimentar ou pior, acumulando quase 580 mil pessoas nessa situação e mais de metade do total nacional de 310 mil pessoas em fase de emergência alimentar.

As Nações Unidas estimam que a situação piore em Cabo Delgado durante 2021: “A situação vai continuar a deteriorar-se, estimando-se que 769 mil pessoas estejam em crise alimentar ou pior, principalmente devido ao conflito”.

“O impacto devastador de ciclones frequentes, juntamente com os efeitos da recente seca, conflito, acesso abaixo do ideal a cuidados de saúde e más condições de vida têm produzido vários desafios de nutrição e saúde”, descreveu a GNAFC.