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Florian Zeller: "Vi o Anthony Hopkins destruído à minha frente. Mas só me mudou uma linha do guião: queria beber chá em vez de café"

Este artigo tem mais de 2 anos

O Observador falou com o realizador francês, autor de “O Pai”, que venceu o Óscar de Melhor Argumento Adaptado. Uma chamada Zoom sobre o filme, o "melhor ator vivo" e o medo de envelhecer.

"Já tinha o Anthony na cabeça desde início, o desafio não foi pedir-lhe que fizesse algo pelo qual é conhecido ou que criasse uma personagem. O que queria era que fosse ele próprio à frente da câmara", disse-nos o realizador francês
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"Já tinha o Anthony na cabeça desde início, o desafio não foi pedir-lhe que fizesse algo pelo qual é conhecido ou que criasse uma personagem. O que queria era que fosse ele próprio à frente da câmara", disse-nos o realizador francês

SEAN GLEASON

"Já tinha o Anthony na cabeça desde início, o desafio não foi pedir-lhe que fizesse algo pelo qual é conhecido ou que criasse uma personagem. O que queria era que fosse ele próprio à frente da câmara", disse-nos o realizador francês

SEAN GLEASON

Florian Zeller, dramaturgo e escritor francês, resolveu pegar numa peça de teatro que o próprio escreveu, “O Pai”, e transformá-lo num drama cinematográfico, o seu primeiro filme (estreia-se em Portugal esta quinta-feira, dia 6 de maio), um labirinto sobre demência com 1h30 de duração, convidando Anthony Hopkins, cavaleiro do reino e — nas palavras do realizador — “o maior ator vivo”, no pico da sua forma aos 83 anos de idade, para  fazer, provavelmente, o papel da sua vida. Pelo menos, o papel que finalmente lhe deu um (surpreendente para uns, mais que merecido para outros) Óscar de Melhor Ator depois de Hannibal Lecter, a personagem de “O Silêncio dos Inocentes” que há de ser sempre de Hopkins.

Ao vermos o filme, mergulhamos de cabeça numa história que nos quer fazer perder a noção do tempo. Da mesma maneira, também o ator britânico foi puxado para um jogo doloroso, conhecendo um lugar vulnerável, que lhe exigiu a maior transparência possível diante das câmaras. Ou seja, “no acting required” (algo como “não é necessária representação) — essa foi, pelo menos, a citação que acompanhou todas as fases do filme, tal como confessou Zeller ao Observador. Uma mentira contada nos corredores da rodagem, porque toda a gente representa. Será? E até que ponto tal regra poderá bastar quando perdemos totalmente o controlo das nossas capacidades? O que é ou não verdade num trauma com infinitas possibilidades?

“Já tinha o Anthony na cabeça desde início, o desafio não foi pedir-lhe que fizesse algo pelo qual é conhecido ou que criasse uma personagem. O que queria era que fosse ele próprio à frente da câmara, que ele estivesse sobrecarregado de emoções, de medos e que se ligasse à ideia de mortalidade”, diz o realizador em conversa com o Observador. Ora, nesse processo, de colocar um ator no lugar de uma personagem que encara a fase final da vida, um confronto com uma doença que pode surgir sem pedir licença, Florian Zeller podia ter encontrado barreiras. Por ser demasiado doloroso, inquietante ou até contraprodutivo.

[o trailer de “O Pai”:]

Para o ator, talvez, mas para Zeller, trabalhar com Hopkins era um sonho que precisava de cumprir. A sua admiração face ao galês é visível em quase todos os discursos e entrevistas que dá. Durante a cerimónia dos Óscares, voltou a reforçar esse fascínio. “Por vezes somos nós que fechamos a porta ao que é possível ou impossível. Mas, em ‘O Pai’, resolvi não fechá-la, seguir a minha inspiração, o meu desejo e o meu sonho”, disse-nos via Zoom.

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O sonho podia chocar de frente com um homem que tinha tudo para revelar tiques de arrogância, mas que, pelo que se vai lendo, mantém a humildade. Basta olhar para aquilo que o ator britânico exigiu. Durante as filmagens, Anthony Hopkins teve um único pedido sobre o guião e nada teve a ver com o tema principal. Essa é, pelo menos, a garantia do realizador. Como não gosta de café, Hopkins não queria que a sua personagem — que tem o seu nome, tornado tudo ainda mais pessoal — o bebesse. “Ele seguiu o guião, alterou uma única frase: um dia pediu-me que pusesse a personagem a beber chá e não café, porque não gosta. Eu aceitei”, conta.

“The Father”, que conta também com a atriz Olivia Colman (“A Favorita”, “The Crown” ou “Broadchurch”) é, antes de mais, uma experiência. Porque toda a gente tem uma avó, um pai ou uma mãe. E porque o “dilema doloroso” de ver o outro esquecer-se de quem é surge perante qualquer um, mesmo à distância, mesmo que estranhamente, como algo familiar. Florian Zeller, ele próprio espectador da demência da sua avó, quando tinha apenas 15 anos, foi surpreendido quando escreveu a peça. “Fui criado pela minha avó, era a minha mãe, eu sabia o que era passar por isso, mas infelizmente muito mais gente também sabe. Quando comecei a escrever a peça não tinha noção de que estava a contar essa história. Tinha de escrever, para perceber o que diziam, para perceber onde estava, como um sonho. E isso também acontece no filme. Fui surpreendido, tal como o público, que explora esta desorientação”, diz.

Anthony Hopkins: um mestre contra o esquecimento e o caminho mais fácil

Essas surpresas que surgem dos lugares mais profundos podem contagiar toda uma rodagem. Numa das últimas cenas [atenção ao spoiler], Hopkins transforma-se numa criança, que chora, perdido, que chora pela mãe. Zeller pediu ao ator britânico para repetir a cena vezes sem conta. No fim, toda a equipa acabou a chorar. “Pedi que repetíssemos o take uma e outra vez, teve de passar pelas emoções várias vezes, foi doloroso. De repente, aconteceu um milagre: ele viu no set uns óculos parecidos aos do seu pai. Lembrou-se também de quando a mãe lhe cantava uma música de embalar. Isso destruiu-o à minha frente. Não foi representar como uma criança, tornou-se numa, a chorar pela mãe para o salvar. Penso que foi o momento mais intenso da minha vida, toda a gente chorou no final”, conta.

Por isto, e por tantas outras razões que o leitor poderá encontrar,”O Pai” pode também ser um filme de terror. Vivemo-lo no apartamento da família — nunca sabemos se estamos em casa de Anthony ou na morada da filha — num labirinto com a porta de saída cada vez mais pequena. O tempo é curto, o estado de negação vai crescendo, sente-se a claustrofobia no ar e a demência inflitra-se na história para nunca mais sair.

“Ele seguiu o guião, alterou uma única frase: um dia pediu-me que pusesse a personagem a beber chá e não café, porque não gosta. Eu aceitei”, lembrou Florian Zeller (ao centro, na foto, em conversa com Anthony Hopkins no set de "O Pai")

Por isso, Zeller, na sua estreia como realizador, queria o espectador a “fazer parte da narrativa”, usando o coração e o cérebro, para construir o puzzle. O objetivo não foi o de despertar consciências ou alertar para (mais uma) doença do foro mental. Foi tentar fazer cinema, criar uma “fraternidade dolorosa”, tal como aconteceu quando a peça se estreou em 2012. “É preciso jogar com todas as peças para dar significado”, afirma.

Anthony Hopkins faz, aos 83 anos, um dos grandes papéis da sua vida em “The Father”.O realizador francês inspirou-se em ‘Mulholland Drive’ de David Lynch, mas também foi beber a “Amour” de Michael Haneke ou a “Rosemary’s Baby” de Roman Polanski. Mesmo assim, nos seus próximos filmes, não Florian Zeller não quer ficar pelas histórias que acontecem entre quatro paredes. “Esta não foi uma decisão estética, queria criar um espaço mental, como um labirinto, de uma forma mais cinematográfica, para brincar com as proporções. Por isso é que gravamos num estúdio [em Londres]. Não é porque gosto, mas porque foi útil para a narrativa”. Portanto, as paredes, são para se deitar abaixo nas próximas aventuras cinematográficas.

Esta primeira aventura em Hollywood, aos 43 anos de idade, está a correr bem para Florian Zeller. Quanto à carreira no teatro e na escrita, tem mais do que provas dadas, tal como descreve o The New York Times. Basta olhar para os prémios e as críticas positivas que “O Pai” está a arrecadar — e para as notícias que dão conta do seu próximo projeto (“The Son”, “O Filho”), mais uma adaptação de um trabalho seu. Hugh Jackam e Laura Dern são alguns dos nomes que já coagitam nesta trilogia francesa sobre trauma familiar (a última peça, “The Mother”, também já esteve em palco) que se começa a montar. Afinal, o teatro, é, ao que parece, para ficar.

Florian Zeller só tem pena que, por causa da pandemia de Covid-19, tenha de passar por tudo sozinho. Aliás, atrás de um computador. Mas o que quer mesmo é a abertura dos cinemas. “Mal posso esperar, é do que sinto mais falta”, finaliza.

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