O embaixador da Índia junto da UE considera Portugal um “parceiro muito especial” e realça que a reunião de líderes UE–Índia irá “definir, mais uma vez, a importância de Portugal na promoção” das relações com a UE.

“Acho que os resultados do Porto [cidade onde estarão presentes os 27 chefes de Estado e de Governo da UE durante a cimeira] irão definir, mais uma vez, quão importante Portugal tem sido para a promoção das relações UE–Índia ao longo dos anos”, aponta o embaixador.

Em entrevista à Lusa no quadro da reunião virtual de líderes UE–Índia em 8 de maio, organizada pela presidência portuguesa do Conselho da UE, Santosh Jha destaca que, tanto o facto de Portugal ter sido o primeiro o país a organizar uma cimeira UE–Índia — em 28 de junho de 2000 em Lisboa, durante a segunda presidência portuguesa do Conselho da UE —, como de ter sido o país ao leme da UE quando, em 2007, foi anunciado o lançamento das negociações de um acordo de comércio livre — que, entretanto, se encontra bloqueado desde 2013 —, são “indicadores da relação muito especial” que os dois países mantêm. “Ter tantos marcos [relativos à parceria entre a UE e a Índia] durante as suas presidências mostra que Portugal é um país especial entre os vários parceiros fortes da Índia na UE”, destaca Santosh Jha.

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O embaixador frisa assim que os esforços de Portugal são “muito apreciados” pela Índia e aborda ainda “a ligação histórica de 500 anos” entre as duas culturas e o número significativo de “indianos que vivem em Portugal”, para reiterar a “parceria muito especial” entre os dois países.

Nesse sentido, e apesar de estar inicialmente previsto um encontro bilateral entre o primeiro-ministro português, António Costa, e o seu homólogo indiano, Narendra Modi, no Porto — que foi cancelado devido ao facto de a reunião de líderes ter passado para o formato virtual —, o embaixador informa que “foi decidido que, a um dado momento no futuro, a reunião presencial terá lugar” no âmbito de uma deslocação do chefe do executivo indiano a Portugal. “O encontro não irá acontecer muito tarde no futuro, mas no curto prazo: assim que for possível, consoante a situação pandémica”, frisa.

A reunião de líderes UE–Índia, organizada pela presidência portuguesa do Conselho da UE, foi qualificada pelo primeiro-ministro, António Costa, como sendo a “joia da coroa” do semestre português no que se refere à política externa da UE.

“A Índia é a maior democracia à escala global e nós temos de valorizar, tendo um relacionamento cada vez mais estreito, designadamente pelo contributo que poderemos dar em conjunto para componentes fundamentais dos processos de transição climática e digital. Falo aqui do desenvolvimento da inteligência artificial ou da ciência de dados. Europa e Índia podem desenvolver uma aliança estreita para o futuro”, considerou António Costa durante uma conferência na Universidade Católica em novembro.

Cimeira demonstrará que “as duas maiores democracias do mundo” querem “dançar juntas”

O embaixador da Índia junto da UE considera que a reunião de líderes UE–Índia, que decorre neste sábado, servirá para demonstrar ao mundo que “as duas maiores democracias” estão prontas para “dançar juntas”.

Haverá a mensagem maior que é a UE e a Índia estão prontas para trabalhar juntas. Esta é a primeira reunião de líderes, nunca aconteceu antes, e isso, já de si, é uma mensagem para o mundo. (…) A Índia e a UE são as duas maiores democracias do mundo: quando dançam juntas, enviam uma mensagem”, diz o embaixador.

Santosh Jha destaca que os dois blocos “são parceiros naturais”, existindo “muitas convergências” entre ambos, não só em “termos bilaterais” mas também no cenário internacional. “É uma parceria muito abrangente, baseada nos nossos valores partilhados, que são a democracia, o Estado de direito, as liberdades fundamentais… São vários tipos de princípios políticos, quer seja dentro dos nossos sistemas e dos nossos países, quer seja ao nível internacional”, salienta.

Perante o que qualifica de “crise sem precedentes” e que “ocorre apenas uma vez num século” — em referência à atual pandemia de covid-19 — Jha nota “um novo impulso” nas relações entre os dois parceiros. Munindo-se de uma “memória de dez anos” relativa à parceria entre a UE e a Índia — antes de ser embaixador junto da UE, Jha trabalhou, entre 2010 e 2013, enquanto chefe de missão adjunto na mesma embaixada —, o responsável diz que “nunca viu um nível de intensidade tão grande” nas relações entre os dois parceiros.

“Acho que o elemento mais importante é o desejo de trabalharmos juntos, de nos aproximarmos, de providenciarmos melhores benefícios aos nossos cidadãos, tanto na Índia como na Europa, de trabalharmos para a estabilidade ao nível global, mas também para a prosperidade e bem-estar económico da população de ambos os lados”, sublinha.

Interrogado se, além da pandemia, a ascensão da China é também um elemento implícito que está a motivar a reaproximação entre os dois parceiros, Jha diz que “não gostaria de ver as relações entre a UE e a Índia como sendo ‘motorizadas’ por fatores externos”.

Não acho que haja apenas um único fator a explicar porque é que nos estamos a aproximar e a trabalhar juntos, e certamente não uma abordagem negativa relativa a outro país qualquer. As relações entre a UE e a Índia são sobre nós próprios, são sobre as nossas pessoas, e não são direcionadas a nenhum país”, aponta.

Insistindo sobre o caráter “mutuamente benéfico” da parceria, o embaixador realça o seu caráter “multifacetado” e “multidimensional”, tal como explicitado num documento que visa projetar as relações entre os dois parceiros, elaborado após uma cimeira virtual, em julho de 2020, entre a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, e o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi. No texto, intitulado “Parceria Estratégica UE–Índia: Roteiro para 2025”, a UE e a Índia comprometem-se a trabalhar em áreas tão vastas e distintas como a saúde, o clima, a segurança e política externa, inteligência artificial e conectividade ou desenvolvimento urbano e migrações.

Reconhecendo que “talvez não seja possível” trabalhar sobre todos estes temas “ao mesmo tempo e à mesma velocidade”, Jha frisa que eles “estão interligados” e que “assim que se empurrar um para a frente, os outros, por inerência, irão também avançar”.

“Não acho que uma relação tão grande — que abarca 1,3 mil milhões de pessoas para a Índia, e 450 milhões para a Europa — possa ser definida em termos estreitos. Se se observar qualquer outra relação entre dois países, também se vê que são igualmente multifacetadas e multidimensionais: não é algo único à relação UE–Índia”, refere.

Questionado sobre se o facto de a reunião de líderes UE–Índia ser virtual — estava inicialmente previsto que tivesse lugar fisicamente, com Narendra Modi a juntar-se aos 27 chefes de Estado e de governo da UE no Porto — reduz as ambições ou a margem para progresso na cimeira, Jha reconhece que “ficou um bocadinho dececionado” com a mudança, mas “ao mesmo tempo feliz” porque os líderes “decidiram, mesmo no formato virtual, manter o foco na reunião”, estando os dois lados “muito determinados” a alcançar resultados. “Não baixámos as expectativas, até as aumentámos: (…) temos a esperança de que, quando os dois lados se reunirem a 08 de maio, iremos ver resultados muito, muito significativos”, salienta.

Índia tem “muita vontade” de retomar negociações de comércio e investimento

O embaixador da Índia junto da UE afirma que o país tem “muita vontade” de retomar as negociações para um acordo comercial e de investimento com a UE, que se encontram bloqueadas desde 2013.

“A Índia tem muita vontade de retomar as negociações relativas a acordos comerciais e de investimentos com a UE. Achamos que há todas as razões para o fazer: a atual pandemia desafiou-nos, há a necessidade de uma recuperação económica nas duas regiões, e concluir um acordo comercial e de investimentos, onde as nossas relações são tão complementares e o nosso comércio tão equilibrado, faz todo o sentido”, frisa o embaixador.

Em entrevista na embaixada da Índia em Bruxelas, Jha diz que “se se observar a trajetória económica da Índia”, vê-se que o país “será a terceira economia do mundo” em 2030, sendo “muito possível” que, mais tarde, “se torne na segunda ou na primeira”.

“Dadas as futuras perspetivas económicas da Índia — tornando-se num mercado maior e mais atrativo tanto para o comércio como para o investimento — faz sentido [concluir um acordo comercial]. É uma parceria mutuamente benéfica”, destaca o responsável.

Nesse sentido, o embaixador destaca que a negociação de um acordo comercial e outro de investimentos deve ser feita em simultâneo, dado que “os dois estão ligados” e que “há claramente valor em concluir ambos”. “Para mim, não faz grande sentido compartimentalizá-los e deixá-los separados um do outro. Acho que a nossa preferência deve ser de concluir os dois e espero que esse seja o resultado do Porto: que sejamos capazes de retomar as negociações tanto do acordo comercial como do acordo de investimentos”, aponta.

Abordando assim a política de “auto resiliência” da Índia, que foi introduzida pelo primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, durante a pandemia, e que alguns analistas caracterizaram como sendo protecionista, o embaixador considera que, pelo contrário, a política em questão serve para “abrir a Índia ao mundo”, comparando-a ao conceito de “autonomia estratégica” da UE. “Não se trata de fazer com que a Índia se dobre sobre ela mesma, que se torne mais autárquica [conceito económico que significa ser autossuficiente], mas de abrir-se mais para o mundo, criar mais capacidades em casa ao atrair colaborações do exterior: criar capacidades tanto nas cadeias de valor, como na manufaturação. Porque, a partir daí, pode ser-se mais integrado, contribuir mais para a economia, a prosperidade e as ligações globais”, destaca.

Interrogado sobre se o fracasso das negociações relativas ao precedente acordo de livre comércio — cujas conversas tinham sido iniciadas em 2007, mas que foram interrompidas em 2013 por divergências entre os dois lados — não criam um “trauma” entre os dois parceiros e dificultam “progressos” nesta matéria, Jha reconhece que foi “bastante infeliz” que as duas partes não tivessem chegado a acordo na altura, mas realça que “as circunstâncias mudaram”. “Se nos deixarmos ser determinados pelo que aconteceu no passado, então o futuro será uma réplica exata do que aconteceu. Mas não é isso que acontece na vida real: as coisas mudam, as circunstâncias mudam. A geopolítica global mudou, o contexto na Índia e na UE mudou”, sublinha.

Considerando assim que a UE e a Índia “terão de procurar maneiras de trabalhar e de navegar” para chegar a acordo, Jha reitera que “é muito importante que as negociações sobre um acordo comercial e de investimentos retomem”. “Estou muito otimista de que, se o fizermos, seremos capazes de chegar a acordo num curto período de tempo”, aponta o embaixador.

A UE e a Índia iniciaram, em 2007, negociações para um acordo comercial, tendo o anúncio sido feito, na altura, durante a terceira presidência portuguesa do Conselho da UE. No entanto, em 2013, as conversas foram abandonadas, devido a divergências entre as duas partes nomeadamente no que é relativo à exportação de partes de automóveis do mercado europeu para a Índia, e também devido à intransigência da UE no que se refere a um regime de vistos menos robusto, que permitiria o acesso mais fácil de profissionais indianos ao mercado de trabalho europeu.

Índia aprecia apoio da União Europeia durante segunda vaga pandémica

O embaixador da Índia junto da UE afirma que a “solidariedade e a cooperação são chave” para o combate à pandemia, “apreciando” o apoio dado pela UE durante surto pandémico que assola atualmente a Índia.

Apreciamos o apoio que a UE nos deu. Também há outros países no mundo que avançaram com o seu próprio apoio para a Índia. E pode-se observar que, em todos os casos, [os países que forneceram o apoio] reconheceram que a Índia foi muito solidária com os outros” quando passaram pela mesma situação, aponta o embaixador.

Numa entrevista numa altura em que a Índia atravessa uma segunda vaga que tem batido os recordes diários mundiais de mortes e infeções de Covid-19 — neste sábado, a Índia tornou-se no primeiro país a ultrapassar as 400 mil infeções diárias —, Jha relembra que, “em todas as lutas desta natureza”, a “solidariedade” e a “cooperação” são “chave”.

Nós demonstrámos, desde o início, que estamos empenhados nesses princípios. Desempenhámos o nosso papel quando outras nações, incluindo na Europa, estavam a enfrentar uma situação muito difícil, ao mantermos o fornecimento de equipamento médico durante a fase inicial da primeira e da segunda vaga”, diz o embaixador.

Frisando assim que, à semelhança do que a Índia fez com os outros países do mundo noutras alturas, os seus parceiros devem agora “também apoiar a Índia”, o embaixador refere que a entreajuda faz parte da “natureza das relações internacionais” e da “natureza do desafio” pandémico, reiterando que “ninguém está seguro até que todos estejam seguros”. “Pensar que me posso vacinar a mim, ou colocar-me numa espécie de zona segura, não é possível numa situação pandémica. Há novas variantes a emergirem todos os dias, que são potencialmente mais virulentas e mais danosas”, refere.

Apesar disso, Jha reconhece que a atual situação pandémica na Índia “terá de ser resolvida com os recursos próprios” do seu país. “É também uma questão de conseguir estabelecer todos os mecanismos de distribuição de maneira a conseguir mobilizar as diferentes capacidades que existem no país. Mas, em simultâneo, as respostas rápidas da União Europeia, e de vários Estados-membros da UE, são absolutamente apreciadas na Índia”, frisa o embaixador.

Interrogado sobre como reage às restrições que estão a ser impostas à Índia por países europeus — a Alemanha, a Bélgica ou a Itália, por exemplo, proibiram viagens provenientes do país —, Jha diz que essas restrições são “naturais” no momento atual. “A Índia também proíbe viagens de outros países e tem várias restrições em vigor. Por isso, fazem parte da maneira como somos desafiados por esta pandemia e não acho que sejam medidas permanentes. Toda a gente quer viajar, interagir e encontrar-se com outras pessoas: quanto mais rápido esse tempo chegar, melhor”, afirma.

Com uma população de 1,3 mil milhões de habitantes, a Índia está a braços com um surto devastador, que já levou vários países a oferecerem ajuda ao gigante asiático, incluindo Portugal. A explosão do número de casos, atribuída a uma variante do vírus detetada naquele país asiático e a comícios eleitorais e festivais religiosos em grande escala, sobrecarregou os hospitais, onde faltam camas, medicamentos e oxigénio. Na terça-feira, a Índia ultrapassou a barra dos 20 milhões de infetados desde o início da pandemia. Nas últimas 24 horas, registaram-se 357 mil casos de Covid-19 e 3.449 mortes.

Tiago Almeida, da agência Lusa