Uma vida independente é mais do que assistência pessoal, é uma questão de direitos humanos, defendeu o presidente da CVI — Centro de Vida Independente, segundo o qual as pessoas com deficiência querem condições para viver como toda a gente.

No dia em se assinala o Dia Europeu da Vida Independente, Jorge Falcato defendeu que um modelo de vida independente não se resume ao facto de as pessoas com deficiência terem acesso a um assistente pessoal, mas quer dizer que estas pessoas são donas das suas vidas e têm poder de decisão.

Uma pessoa numa cidade em que não pode mover-se, não pode decidir sobre a sua vida, se vai ao teatro se não vai, se consegue ter acesso à educação, se tem acesso à cultura, aos serviços de saúde, de maneira que há uma série de condicionantes que permitem ou não exercer esta autonomia e este poder sobre a sua vida”, explicou o dirigente.

Para assinalar a data, a Associação CVI — Centro de Vida Independente, em Lisboa, tem uma série de iniciativas agendadas, que começaram logo a 25 de abril, “para que o dia da Liberdade se cumpra também para as pessoas com deficiência”, passando pelo 1.º de Maio, onde destacaram as questões do emprego e terminando no dia 5 de maio com três concentrações em Lisboa, Porto e Vila Real.

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Além das manifestações, esta quarta-feira haverá uma emissão em direto, a partir da página de Facebook do CVI, pelas 16h00, em que será lido um manifesto, e às 21h00 haverá a exibição “online”, em estreia, do documentário “Deficiência e Vida Independente em Portugal”, da autoria do CES — Universidade de Coimbra, seguido de debate.

Em declarações à Lusa, Jorge Falcato assumiu que a assistência pessoal, materializada através dos projetos-piloto criados pelo governo, é uma ferramenta importante porque é o que permite exercer algumas tarefas que as incapacidades não permitem que as pessoas com deficiência façam de forma autónoma.

Por outro lado, no entanto, lembrou os aspetos negativos com os quais não concordaram logo no arranque dos projetos, nomeadamente o facto de a gestão ter de ser feita por Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), o pouco controlo que as pessoas com deficiência têm sobre os projetos e o facto de apenas 10% das pessoas que integrariam os projetos terem direito a mais de 40 horas semanais de assistência pessoal, apesar desse valor ter depois aumentado para 30%.

Em relação a este último ponto, o responsável salientou que não é possível cumprir, explicando que caso o CVI tivesse 30% dos utentes dos seus quatro projetos-piloto com 12h, 16h ou 20h por dia de assistência pessoal isso “inviabilizaria completamente a assistência pessoal do resto das pessoas”.

Jorge Falcato sublinhou que não sabe o que se passa a nível nacional, com exceção para algumas queixas que vão chegando à associação, mas admitiu que estes projetos piloto estejam a ser “para muitas pessoas uma experiência extraordinária” porque “nunca tiveram este tipo de apoio e têm acesso a uma parte de algum poder de decidir sobre a sua vida”.

O que acontece é que havendo uma insuficiência de horas, continua a recair sobre a família o restante tempo que não é coberto pela assistência pessoal”, apontou.

Acrescentou que, tendo por base os relatórios publicados pelo Instituto Nacional de Reabilitação (INR), é possível constatar que entre março de 2020 e março de 2021, e tendo em conta todos os projetos-piloto, cada utente teve direito a uma média de cerca de três horas por dia de assistência pessoal.

“21h semanais quando o que estava previsto era até 40 horas semanais e 30% teriam até 24 horas diárias”, criticou.

Relativamente aos projetos-piloto que são geridos pelo CVI, Jorge Falcato referiu que há pessoas com assistência pessoal durante 16 horas por dia, o que muitas vezes se revela ainda insuficiente.

Quando num projeto de vida independente o que queremos é que a pessoa se torne completamente independente da família e que não dependa dela para realizar as suas tarefas, isto é uma perversão daquilo que é a vida independente e que leva a outra questão importante: um projeto piloto baseado nestas condições, a avaliação deste projeto nunca poderá resultar numa lei que satisfaça as verdadeiras necessidades das pessoas”, defendeu.

Criticou também que nestes projetos-piloto as pessoas com deficiência acabem por estar sujeitas a imposições que não são estabelecidas por elas, faltando o poder de decidir sobre a sua vida, uma vez que se não têm assistência pessoal no número de horas que necessitam ficam limitadas nas suas escolhas, havendo também casos de quem não tenha podido escolher o seu assistente pessoal.

A vida independente não é só a prestação de assistência social, é preciso criar as condições, desde económicas, sociais, ambientais, que possibilitem o exercício desse poder”, referiu.

Jorge Falcato disse ainda que é possível mudar esta realidade desde que haja investimento, sem que muitas pessoas com deficiência estejam institucionalizadas, desde que deem condições de vida para que as pessoas com deficiência vivam como toda a gente.