Médicos angolanos alertaram esta quinta-feira para o “agravar da situação sanitária” em Luanda, que se reflete já nos hospitais primários e terciários, apontando a “malária e as doenças diarreicas” como as principais patologias nos bancos de urgência.

Para os profissionais de saúde, as chuvas e os enormes amontoados de lixo que se registam em quase toda a extensão da capital angolana estão a “concorrer negativamente para o deplorável” quadro sanitário, cuja pressão é refletiva nas unidades sanitárias.

O presidente do Sindicato Nacional dos Médicos de Angola (Sinmea), Adriano Manuel, lamenta a situação e fala mesmo em “mais de 20 mortes diárias por malária” nos hospitais de Luanda, considerando que o atual quadro “é complicado e não faltou aviso às autoridades”.

Estamos a viver atualmente uma situação extremamente complicada, se tivermos em conta que não faltou aviso ao Governo de Angola que nesse período de chuva temos tido muitas enchentes nos hospitais”, afirmou o médico à Lusa.

Adriano Manuel entende também que o atual quadro resulta de “alguma imprudência” da parte do Governo de Luanda “em não tratar o assunto do lixo com responsabilidade que se impunha”.

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“Uma vez que o casamento do lixo com a chuva devia desembocar nas enchentes que estamos a observar com 80% dos doentes com malária, diarreias e gastro enterite, febre tifoide ou dengue”, disse.

O médico pediatra referiu que “70% a 80% dos doentes que estão a ser operados nas urgências médicas são por perfuração da úlcera, em consequência da febre tifoide”, o que já se tinha sido “avisado”.

“As pessoas não ouviram o que os médicos foram abordando em fóruns próprios e na comunicação social e agora estamos a observar”, notou.

A preocupação de uma “crise sanitária” em Luanda, sobretudo em consequência das chuvas e do lixo, já foi manifestada anteriormente por vários cidadãos da capital angolana, que há meses “temiam pelo pior”.

Pelas redes sociais, várias imagens retratam enchentes nas urgências hospitalares, sobretudo nas unidades terciárias, inclusive de pacientes deitados no chão e outros clamando por assistência.

O presidente do Sinmea assegurou que esse quadro “é real” e explica que grande parte dos pacientes acorre aos hospitais terciários devido à “carência de medicamentos” nos hospitais primários. 

“Estamos a viver uma situação grave e se o Governo angolano não olhar para este cenário nos próximos tempos vamos ter uma situação insustentável com cólera”, alertou.

A “exiguidade” de profissionais, sobretudo a nível dos hospitais da periferia, “onde não há praticamente médicos e o único em serviço observa mais de 200 pacientes”, foi igualmente apontada como um problema que enferma o setor.

Não é possível fazer-se saúde assim, não há, na minha perspetiva, um comprometimento do Governo de Angola com a temática da saúde, porque o Governo está mais preocupado em construir hospitais grandes”, apontou.

O “problema”, insistiu Adriano Manuel, “não é construir grandes hospitais, mas sim com um sistema de saúde primário eficiente que não existe, porque as pessoas não querem que exista”.

A “pressão” a nível das unidades hospitalares de Luanda também foi confirmada pelo coordenador do Fórum de Concertação Social do Setor da Saúde (FCSSS) angolano, Francisco Matete, considerando que este cenário “já era previsível”. 

Sobretudo devido ao degradado saneamento do meio, agravado pelas chuvas e os amontoados de lixo, a nível de todos os hospitais é sabido que há enchentes de pacientes que acorrem nas unidades sobretudo com a malária”, disse à Lusa.

Para o médico Francisco Matete a atual procura nas urgências hospitalares em Luanda “está a sobrecarregar os poucos recursos humanos”, mas que “procuram sempre responder à pressão”, lamentando a “débil condição laboral e escassez de fármacos”.

“Acredito que depois de maio os casos vão baixar e como já há recolha de lixo acredito que os casos venham a diminuir”, frisou.

“Mas, a verdade é que há muitas enchentes sobretudo a nível da periferia e municípios”, apontou coordenador do FCSSS.

A Lusa procurou obter comentários sobre o assunto junto do Ministério da Saúde, mas tal ainda não foi possível.