Mais do que um empreendedor, um “inovador”, cujo nome fica associado a uma sola icónica mas sobretudo a um dress code que marcaria a cultura do surf, do skate, ou do snowboard — e o estilo de vida de todos aqueles em geral que sonham com um eterno verão e uma praia sempre ao virar da esquina. É assim que a empresa que a ajudou a fundar recordou esta sexta-feira Paul Van Doren, que morreu aos 90 anos, de causa não divulgada.
Corria 1966 quando Paul, um nativo de Boston que trabalhara antes numa fábrica de ténis, e o irmão Jim Van Doren (que morreu em 2011, aos 72 anos) lançaram a Van Doren Rubber Company. Misto de fábrica e loja situada em Anaheim, na Califórnia, contou ainda com a parceria de Gordon Lee e Serge Delia, o investidor que entrou com 250 mil dólares. Os primeiros pedidos dos clientes foram manufaturados no local e entregues no próprio dia, com o preço a situar-se então nos 2.49 dólares, recorda a NBC News. Mais tarde, os retalhistas viriam a ser conhecidos como House of Vans, dando fôlego ao culto que sobrevive até hoje.
It's with a heavy heart that Vans announces the passing of our co-founder, Paul Van Doren. Paul was not just an entrepreneur; he was an innovator. We send our love and strength to the Van Doren family and the countless Vans Family members who have brought Paul’s legacy to life. pic.twitter.com/5pDEo6RNhj
— Vans (@VANS_66) May 7, 2021
“Ajudava o facto de conhecermos os nossos clientes, especialmente os skaters, os surfistas e as mães”, escreveu Paul Van Doren em “Authentic: A Memoir by the Founder of Vans”, lançado no passado mês de abril, no qual o antigo miúdo que abandonou o liceu para trabalhar aos 16 anos garantia que se considerava alguém que resolve problemas, e não tanto um visionário. “Sapatos de lona para toda a família” era o slogan impresso nas primeiras caixas de ténis.
Pelas suas características, os ténis foram adotados por alguns dos skaters mais destacados nos anos 70. Planos, com o nível de aderência ideal e “construídos como um tanque”, foi ainda esta década que assistiu ao rebranding do logo, que passou a incluir a expressão “off the wall” e um skate cujo design evidenciava a relação do calçado com os movimentos verticais naquela modalidade. Mas estávamos ainda no verão de 1964 quando Paul, que à época trabalhava na Randy’s, conseguiu fazer a ponte com as ondas. Para promover a marca, apresentou os respetivos ténis no US Open de Surf, onde conheceu o lendário havaiano Duke Kahanamoku, a quem ofereceu um par a condizer com a sua camisa com flores. Não demorou muito até que a comunidade de surf se rendesse às solas de borracha em que Van Doren haveria de continuar a apostar na sua própria marca, dois anos mais tarde.
[Um momento de “Viver Depressa”, de 1982, dirigido por Amy Heckerling]
Mas nada se comparou a um dos momentos mais vibrantes da cultura pop no começo dos anos 80, quando a Vans vendeu “milhões” do seu modelo com padrão de xadrez. “Não fazíamos ideia” que o filme teria este impacto na empresa, recordou anos mais tarde no livro “Sneaker Freaker: The Ultimate Sneaker Book.” Steven Van Doren, sobre os famosoas quadradinhos pretos e brancos, inpirados nos desenhos que os miúdos do liceu de Huntington Beach andavam a desenhar nos seus ténis.
O filho de Paul Van Doren referia-se ao fenómeno provocado por “Fast Times at Ridgemont High” (“Viver Depressa”), o título em que o surfista Jeff Spicoli, papel desempenhado pelo Sean Penn, surge a usar uns destes ténis — depois de Penn ter comprado um par na loja de Santa Monica, a marca enviara uma caixa com Vans para a produção e acabou por ficar surpreendida com o resultado. Paul começou a trabalhar na marca do pai ainda miúdo, desde o ano da sua fundação, distribuindo panfletos, como recordou em entrevista à edição brasileira da GQ em 2018.
Na mesma década, a marca expandia o seu raio de influência, conquistando terreno em modalidades como o basquetebol e o breakdance, ao mesmo tempo que mergulhava num conturbado período de reorganização da empresa que durou três anos e viu a falência muito próxima, contexto que motivou a interrupção da reforma de Paul Van Doren — em 1987 assumiria o lugar que estava a ser desempenhado pelo irmão Jim e conseguiu resgatar a empresa, que acabaria por vender no ano seguinte, por 75 milhões de dólares (cerca de 62 milhões de euros).
A empresa abriu mais uma fábrica em San Diego mas acabaria por estender a sua produção à Ásia durante os anos 90, a mesma década em que investiu em algumas das mais prestigiadas provas de surf e patrocinou concertos de rock. O novo milénio trouxe consigo o regresso de inúmeros modelos retro, ressuscitando algumas das criações saídas dos anos 60. A marca é atualmente detida pela VF, que detém ainda referências como a Dickies, Supreme ou The North Face.
Há poucas semanas, a propósito do lançamento da sua biografia, Paul recordava à WWD algumas lições sobre o negócio do streetwear. Falou das tribos mais leais na trajetória da marca, do peso que a costumização tem na casa, dos vários lançamentos especiais e parcerias com diferentes estrelas, e ainda sobre a primeira coisa que fazia quando conduzia entrevistas de emprego: atirava o curriculum dos candidatos para o lixo. “Aquilo não me interessava para nada, o que me interessava era a pessoa. Se a pessoa fosse a certa, o curriculum seria bom”.