“Está difícil mas os jogadores têm fibra… São todos jogadores de fibra, com uma vontade enorme de ganhar. Para nós ficar em segundo ou terceiro é pouco relevante. Sabemos que está muita coisa em jogo, é verdade. O dinheiro da Champions, a qualificação direta. Mas, para nós, é pouco importante ficar em segundo ou terceiro. Este clube, por tradição, tem por hábito ganhar. Agora ficou mais difícil, é óbvio e não o negamos, mas enquanto houver jogo vamos até ao fim”. Sérgio Conceição foi para o banco no clássico da Luz mas Vítor Bruno voltou a assumir o papel de treinador na zona de entrevistas rápidas. Numa intervenção, disse tudo. Numa intervenção, lançou o jogo com o Farense. Numa intervenção, resumiu aquela que foi uma das maiores conquistas do FC Porto.

Depois da vitória do Sporting em Vila do Conde, e embora continuasse a ser possível chegar ao título, o contexto do clássico com o Benfica tinha mudado. Um empate, por exemplo, colocaria os dragões em posição reforçada na luta pelo acesso direto à Champions. Todavia, Sérgio Conceição queria mais e, mesmo depois de ter recuperado da desvantagem na primeira parte, lançou Francisco Conceição e Evanilson correndo o risco de perder o jogo e ficar só com um ponto de avanço na segunda posição para conseguir ainda chegar à vitória. As palavras de Vítor Bruno foram, no fundo, um prolongamento daquilo que se tinha passado em campo. E que acabou por ser alvo de uma palavra de conforto pelo técnico principal na análise à partida, feita neste caso em termos internos.

Por forma a manter o foco da equipa para as últimas três jornadas, e também como reconhecimento daquilo que foi a reação da equipa à adversidade, Sérgio Conceição passou essa palavra de confiança à equipa, numa semana atípica onde foi conhecida a saída no final da temporada de Marega, a provável venda de Jesús Corona caso não venha a acertar a renovação com o clube e até a possibilidade que parece ganhar cada vez mais força de um fim de ciclo também no plano técnico, perante as propostas e o interesse de clubes italianos e pelo menos um da Ligue 1 no treinador dos dragões. Com o Sporting apenas a dois pontos de quebrar o jejum de títulos, a meta única na receção ao Farense passava por adiar a festa e consolidar de forma quase decisiva o segundo lugar.

Esse agrado pela reação na segunda parte do jogo com o Benfica acabou por ter reflexos nas opções iniciais de Sérgio Conceição, com a aposta em João Mário como lateral direito, depois de uma entrada muito importante e com a assistência para o golo de Uribe, a passagem de Wilson Manafá para o lado esquerdo em vez de Zaidu, a opção de Grujic em vez do castigado Sérgio Oliveira e na titularidade de Toni Martínez em vez de Marega, que voltava a começar o encontro no banco depois de ter sido escolhido na Luz para fazer dupla com Taremi. Do lado do Farense, e apesar do último empate caseiro com o V. Guimarães, Jorge Costa fez apenas uma mexida e por questões físicas, com André Pinto a não recuperar de lesão e a dar lugar no eixo recuado a Cássio Scheid.

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Em condições normais, e até pela competitividade dos algarvios desde que o novo treinador assumiu a equipa, o encontro seria aberto, com qualidade e abrindo margem para alguma surpresa. Na verdade, acabou por ser um jogo que acabou antes de começar. Pelos erros do Farense, pelo mérito de – e como quem não quer a coisa, o iraniano que não sabe o que é falhar um penálti é o melhor marcador do FC Porto, o terceiro melhor marcador do Campeonato e o jogador com mais assistências. Tudo na primeira época (segunda a jogar na Europa, onde chegou abdicando de grande parte do ordenado que tinha no Irão) e assumindo cada vez melhor o ADN dos dragões, onde o segundo é o primeiro dos últimos e onde há valores inalienáveis como a honra e o carácter.

A partida começou torta para os visitantes, com Cássio Scheid a ver aquele que terá sido o cartão amarelo mais rápido da Primeira Liga por uma entrada desnecessária ou no mínimo imprudente sobre Grujic com apenas 25 segundos de jogo. Má entrada? Não, o início de um verdadeiro pesadelo. Num lance com revisão de VAR onde a mão de Licá é bem visível mas onde estava em causa a intencionalidade do lance, Tiago Martins assinalou grande penalidade, Taremi inaugurou o marcador e houve mais dois jogadores a ficarem tapados com amarelo por protestos, neste caso Tomás Tavares e Jonathan Lucca (6′). Mas o pior estava ainda para vir, neste caso com muita arte de Taremi à mistura: em duas jogadas em que conseguiu receber entre linhas, virar-se sem pressão sobre o portador e olhar de frente para o jogo, o iraniano assistiu Toni Martínez para o 2-0 (14′) e fez mais um passe para golo para Luis Díaz apontar o terceiro, sempre solicitando as costas de Tomás Tavares (20′).

Beto pedia calma à equipa enquanto manifestava a sua frustração agarrando a camisola, depois de se ter virado para o repórter da SportTV antes da marcação da grande penalidade com o desabafo “O futebol português é isto”. E do banco chegavam redobrados pedidos para essa serenidade, tendo em conta também as duas “finais” que ficarão a faltar na luta pela permanência. No entanto, o Farense estava mesmo mergulhado numa autêntica lei de Murphy, vendo Bilel ser expulso pela primeira vez na carreira por uma entrada duríssima sobre Wilson Manafá por trás na zona do calcanhar de Aquiles que foi revista pelo VAR (32′) e um golo anulado em período de descontos a Pedro Henrique num lance em que Mbemba se alheou por completo de uma bola nas costas, acabou por perder o controlo da jogada, viu ainda Marchesín fazer uma grande defesa mas tudo ficou sem efeito.

Ao intervalo, os próprios treinadores assumiram com as opções que tomaram que o encontro tinha chegado ao fim, naquele que foi o primeiro jogo do FC Porto na presente temporada em que os dragões conseguiram marcar três golos. Sérgio Conceição, que tinha como principal desafio para os restantes 45 minutos manter a equipa com os mesmos índices de intensidade e agressividade, tirou Mbemba (que apesar de tudo teve uma “paragem” no golo que seria depois anulado) e lançou Diogo Leite; Jorge Costa, a pensar nos próximos encontros, abdicou de jogadores com amarelo ou em risco de exclusão como Tomás Tavares, Jonathan Lucca, Ryan Gauld e Pedro Henrique e lançou Alex Pinto, Falcão, Madi Queta e Fabrício Isidoro, naquela que foi a primeira ocasião em que um treinador fez quatro substituições ao intervalo na Primeira Liga. O resto do jogo era fácil de perceber.

Com os dragões a controlarem melhor mesmo que sem imprimirem a mesma velocidade e intensidade nas saídas, um aspeto determinante para desmontar a defesa algarvia com exploração dos espaços nas costas dos médios e as desmarcações de rutura, e um Farense mais resignado a uma noite onde tudo corria mal, o jogo teve menos oportunidades mas nem por isso deixou de adensar a superioridade dos azuis e brancos: Toni Martínez apareceu em posição privilegiada na área após boa combinação ofensiva para rematar ao lado (53′), Taremi aumentou a vantagem para 4-0 num lance com tanto de simples como eficaz que começou numa interceção de Uribe e teve ainda uma grande assistência de Otávio para a diagonal do iraniano (59′), Fábio Vieira e Evanilson obrigaram Beto a defesas complicada para canto (68′ e 73′). Ainda assim, e já a fechar, João Mário aumentou para 5-0 após assistência de Marchesín numa saída rápida (84′) e Licá reduziu a um minuto dos 90′ aproveitando um falha entre Diogo Leite e o guarda-redes argentino que permitiu ao ex-dragão fazer o golo de honra.