Uma ida de supetão a Odemira serviu ao primeiro-ministro para esvaziar o caso mais delicado das duas últimas semanas mesmo à porta do debate parlamentar bimensal. Mal soube que o delegado de saúde local defendia o fim da cerca sanitária nas duas freguesias de Odemira, António Costa virou ao contrário a agenda que passou a incluir uma ida de última hora ao concelho para assinar protocolos de habitação. “Era altura de não falarmos mais por telemóvel e vir cá”, afirmou Costa, dirigindo-se às autoridades locais.

Antes disso tinha reunido o Conselho de Ministros, por via eletrónica, para aprovar a resolução que levantou a cerca sanitária nas freguesias de São Teotónio e Longueira/Almograve, no município de Odemira. No entanto, a notícia não havia de ser dada por António Costa, mas sim pelo Presidente da República que, momentos antes, no Minho, tinha dito: “Fui informado pelo primeiro-ministro de que seria levantada a cerca sanitária de imediato, hoje mesmo. O que significa que acabou por fazer caminho uma solução de que se falou há uns dias, que era uma situação que permitisse ultrapassar, por um lado, as questões jurídicas e, por outro lado, as questões pessoais e sociais”. Marcelo acabou por antecipar-se a António Costa que, nessa altura, ainda estava a chegar a Odemira.

O primeiro-ministro havia de confirmar isto mesmo pouco depois, na declaração já no concelho, na primeira vez que ali se deslocou desde que se verificaram os surtos de Covid-19 que impuseram a cerca sanitária em duas freguesias concretas, aquelas onde estão as explorações agrícolas e os estaleiros temporários, que servem de alojamento aos trabalhadores, e onde se verificaram os tais surtos.

A ida de supetão a Odemira não estava prevista na agenda de Costa onde constava antes uma sessão de apresentação das infraestruturas que fazem parte do Plano de Recuperação e Resiliência. O desvio para Odemira em dia de levantamento de cerca foi imediatamente aproveitado pelo primeiro-ministro para ser também aquele em que anunciou soluções para os problemas de alojamento dos trabalhadores das explorações agrícolas. Mesmo à porta do debate parlamentar onde o tema de Odemira e as situações-limite dos imigrantes que trabalham nas estufas serão incontornáveis.

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Foi a forma de António Costa ir ao Parlamento esta quarta-feira à tarde com um plano apresentado e prazos para as empresas cumprirem os acordos que ditou, à última hora, numa cerimónia de assinatura de protocolos em Odemira. Nas declarações que fez, o primeiro-ministro deixou ainda garantias de já ter conhecimento sobre aquela situação desde 2019. “Em outubro de 2019 foi aprovada uma resolução do Conselho de Ministros para desenhar uma solução para resolver situação específica de habitação neste concelho devido ao elevado número de trabalhadores sazonais relacionados com a atividade agrícola”, afirmou.

Quanto aos protocolos, ficou acordado entre o Ministério da Agricultura e as associações agrícolas AHSA, LusoMorango e PortugalFresh que os proprietários das explorações têm até março de 2022 para disponibilizar alojamento “condigno”, nas palavras de Costa, para os trabalhadores sazonais. Serão disponibilizadas verbas europeias para apoiar a criação dessas condições, explicou o primeiro-ministro em Odemira.

Foi ainda assinado um memorando de entendimento entre o Ministério das Infraestruturas e Habitação e a Câmara Municipal de Odemira para “encontrar soluções habitacionais dignas para algumas vulnerabilidades da população local, no quadro da respetiva estratégia local de habitação”. António Costa explicou que esta intervenção será feita no âmbito do programa de acesso à habitação 1º Direito e cujo financiamento é “assegurado a 100% pelo PRR, sem contrapartidas do Estado ou do município para a execução do programa”, disse Costa.

“São duas respostas habitacionais para situações distintas: os trabalhadores sazonais, que será a cargo dos proprietários, e para os residentes, que será a cargo dos municípios”. “Esta é a resposta estrutural para esta realidade que existe”, disse Costa que reconheceu em Odemira que este problema “existe noutras regiões deste país” e que é preciso “fazer este trabalho em todo o país”.

Quanto à controvérsia gerada pelo alojamento temporário dos trabalhadores necessitados no empreendimento turístico Zmar, António Costa disse pouco ou nada. Apenas disse que, perante os surtos locais, foi necessário “um realojamento de emergência” e que “em todo o país se têm encontrado soluções de retaguarda”, em equipamentos militares, pousadas de juventude mas também com o recurso “a outras soluções”. “Esta é uma terceira realidade”, referiu, apontado que “felizmente o isolamento profilático só dura 14 dias”.