A vice-presidente da Comissão Europeia Vera Jourová frisou esta terça-feira que a inteligência artificial deve ser usada de forma a “servir” os jornalistas e não o contrário, respeitando e promovendo a liberdade e o pluralismo dos média.

Intervindo na abertura de uma conferência virtual sobre inteligência artificial (IA) e o futuro do jornalismo, a comissária responsável pelos Valores e Transparência no executivo comunitário defendeu a ideia de que “as tecnologias devem servir as pessoas e não o contrário”.

Vera Jourová apontou, nesse sentido, que “é exatamente” isso que deve ser feito com a IA e o jornalismo: usar as tecnologias de forma a apoiar os jornalistas no seu trabalho “de forma a respeitar e a promover a liberdade e o pluralismo dos ‘media'”.

A responsável lembrou que a União Europeia (UE) “está a tomar a liderança na frente regulamentar” quando, em abril passado, a Comissão propôs o primeiro enquadramento legal de sempre sobre a IA.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

As novas regras seguem uma abordagem com base no risco, protegendo a segurança e os direitos fundamentais dos cidadãos da UE”, explicou.

Entre as várias aplicações da IA para o jornalismo, a comissária destacou os programas de literacia, a identificação de falsificações, a análise de ameaças potenciais e o auxílio aos média e às autoridades no desmascarar de campanhas de desinformação.

Na área do jornalismo, Vera Jourová recordou o plano de ação para a Democracia Europeia, apresentado pela Comissão em dezembro de 2020, que coloca os “media” “onde devem estar”, isto é, “no centro da democracia”.

Procurando “ajudar o setor dos ‘media’ a aproveitar ao máximo as oportunidades oferecidas pela transformação digital” — o que só pode ser feito “com uma estreita cooperação com o próprio setor” —, o reforço da liberdade e o pluralismo é um “objetivo fundamental” do plano de ação, juntamente com “eleições livres e justas” e o “combate à desinformação”, apontou.

A vice-presidente da Comissão sublinhou também que é preciso “prestar especial atenção” à viabilidade económica deste setor, uma “crise que começou muito antes da pandemia, com a maior parte das receitas de publicidade a irem para as plataformas online”.

Por isso, o plano de ação para a Democracia Europeia, em conjunto com o plano de ação dos Media e Meios Audiovisuais, servem de “roteiro para a recuperação, transformação e resiliência” do setor, assinalou.

Este último, segundo Vera Jourová, inclui uma iniciativa que “juntará todas as oportunidades de financiamento relevantes e ações para o setor de notícias da comunicação social”.

Sob o programa Europa Criativa 2021-2027, os meios de comunicação da UE terão um “envelope de financiamento dedicado ao pluralismo dos ‘media'”, que irá “dar apoio às parcerias jornalísticas na forma de subsídios”, disse.

Inteligência artificial é “uma inevitabilidade”, diz secretário de estado

O secretário de Estado do Cinema, Audiovisual e Media considerou que a inteligência artificial é uma “inevitabilidade” e que o desafio é saber como usá-la para que seja um degrau e não uma parede.

Nuno Artur Silva falava também na abertura da conferência “online” de alto nível “Inteligência Artificial e o futuro do jornalismo – A IA tomará posse do 4.º poder?”.

A pergunta que associamos ao título desta conferência parece remeter para um futuro distópico, na linha da visão tecno-pessimista que vaticina que a inteligência artificial um dia suplantará a inteligência humana” e “submeterá a humanidade a uma condição de servidão”, começou por dizer o governante.

“Mas tal não poderia estar mais longe da nossa convicção. Com efeito, entendemos que a inteligência artificial pode incrementar a inteligência humana, permitindo que nos suplantemos em todos os domínios”, considerou.

“É certo que esta mudança, como todas as mudanças, traz custos e coloca riscos, podendo neste caso os riscos serem mesmo riscos existenciais, mas nem vale a pena perdermos tempo a pensar se o futuro seria melhor ou pior sem a inteligência artificial, pois ela é uma inevitabilidade”, considerou.

Nesse sentido, a pergunta à qual é preciso dar resposta é: “Como usá-la para que seja o degrau que nos ajuda a subir em vez de ser a parede contra a qual esbarramos”, apontou.

Nuno Artur Silva sublinhou ter presente “vários episódios recentes” que levantam preocupações relativamente ao papel que a inteligência artificial “pode ser na potenciação da desinformação, na polarização das sociedades” e, “por consequência, na corrosão da democracia, das sociedades livres e abertas”.

Admitindo a existência desse risco, o secretário de Estado defendeu que é preciso “atuar no sentido de prevenir a sua concretização”, mas a sua verificação é algo inevitável.

“Lembremo-nos a este propósito de um outro desenvolvimento tecnológico que abalou o mundo — a invenção da imprensa de Gutenberg”, apontou o governante.

“Não há dúvida que”, no que diz respeito ao mundo ocidental, “tal desenvolvimento iniciou uma das forças motrizes que levou ao fim de uma visão do mundo fechada e encaminhando as sociedades para uma nova era mais aberta e consolidando o caminho para o iluminismo que viria a abrir caminho, por sua vez, às sociedades de construção democrática modernas”, prosseguiu.

“Creio que ninguém hoje, se pudesse, voltaria ao tempo pré-imprensa”, comentou.

Nuno Artur Silva apontou, a propósito da invenção da imprensa, que este ano é celebrado em Portugal os 200 anos da primeira lei que contempla a proteção da liberdade de imprensa.

“Decorreram vários séculos entre a introdução da invenção de Gutenberg e a aprovação da lei”, sendo que o hiato temporal é explicado historicamente “pelo facto dos poderes instituídos naquela época temerem os impactos da democratização do conhecimento e o escrutínio que a liberdade de opinião implica”.

O governante salientou que este relato serve como uma “metáfora” para o modo como se tem de lidar com a inteligência artificial.

“Não procuremos parar ou atrasar a sua adoção pelo receio da disrupção, esforcemo-nos antes por liderar esse processo, conduzindo segundo os valores estruturantes da imprensa como a verdade, o rigor e o pluralismo”, sublinhou.

“A democracia depende do jornalismo, ele é o sistema imunológico da democracia, nas palavras de Al Gore”, referiu, questionando o que fará a inteligência artificial a esse sistema e o que pode ser feito para que o fortaleça.

Procurando estimular a reflexão tendo em vista a resposta à questão de partida para esta conferência (…) não acredite que a inteligência artificial vá retirar o ser humano da equação, mas pode desviar a imprensa daqueles valores. Será assim necessário sermos proativos, não deixando que se desenvolva ao acaso, ou pior, que se desenvolva segundo agendas que não são as das sociedades abertas e democráticas”, afirmou.

Esta conferência decorre em cinco sessões, começando com exemplos concretos da adoção de tecnologias baseadas em inteligência artificial nas redações.

A conferência é bilingue (português/inglês) e tem também interpretação para língua gestual portuguesa e gestos internacionais.