A importante artista sérvia Marina Abramović, de 74 anos, é a vencedora da edição de 2021 do Prémio Princesa das Astúrias das Artes, foi anunciado esta quarta-feira em Oviedo, Espanha.

Para o júri, o trabalho da artista faz parte da “genealogia da performance”, com uma componente “sensorial e espiritual” anteriormente desconhecida e carregada de “uma vontade de mudança permanente”, com a busca de “linguagens originais com uma essência profundamente humana”. “A coragem do Abramovic na sua dedicação à arte absoluta e a sua adesão à avant-garde oferecem experiências comovedoras, que exigem um envolvimento intenso do espectador e fazem dela uma das artistas mais emocionantes do nosso tempo.”

Nome grande da performance artística, Marina Abramović nasceu em 1946 em Belgrado, na então Jugoslávia. Iniciou a sua carreira nos anos 70, com a série “Ritmos”, onde era já possível encontrar algumas das suas características fundamentais enquanto artista, nomeadamente o corpo enquanto parte integrante da obra de arte e enquanto arte em si.

Um dos seus trabalhos mais conhecidos é precisamente “Ritmo 0”, em que Abramović se colocou literalmente nas mãos do público, que podia usar nela uma série de objetos à sua disposição, desde uma pena a um batom, passando por uma arma de fogo. “No princípio, o público estava a brincar comigo. Mais tarde, ficou mais e mais agressivo. Foram seis horas de verdadeiro horror. Cortaram-me as roupas. Cortaram-me com a faca, perto do pescoço, e beberam o meu sangue, depois puseram gesso sobre a ferida. Carregaram comigo, meio despida, puseram-me sobre a mesa e espetaram a faca entre as minhas pernas na madeira”, lembrou a artista, anos depois.

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Formada pela Academia de Belas Artes de Belgrado e pós-graduada pela Academia de Belas de Zagreb, na Croácia, deu aulas na Academia de Belas Artes de Novi Sad, na Sérvia, entre 1973 e 1975, antes de se mudar para Amesterdão, onde conheceu o artista alemão Uwe Laysiepen, mais conhecido por Ulay, que se tornaria seu colaborador de longa data. Durante 12 anos, Ulay e Abramović trabalharam juntos, criando performances e explorando os limites do corpo, a resistência física e mental e também os conceitos de ego e identidade artística, as tradições dos seus respetivos países de origem e o desejo do indivíduo por rituais.

Uma dessas peças, e uma das mais conhecidas da carreira de Abramović, foi “Imponderabilia”. Durante sete horas, os dois artistas mantiveram-se frente a frente sem usar qualquer roupa, convidando os visitantes a passarem pelos seus corpos roçando-se ao de leve neles. A performance foi apresentada pela primeira vez em 1977 em Bolonha, na Galleria Comunale d’Arte Moderna, e interrompida pelas autoridades devido ao alegado comportamento indecente dos artistas.

Patrick McMullan Archives

Ulay e Mariana Abramović em 2010, na apresentação do documentário “The Artist is Present”, no MoMA (WILL RAGOZZINO/Patrick McMullan via Getty Images)

O último trabalho do duo foi apresentado em 1988: Abramović e Ulay caminharam ao longo da Grande Muralha da China para se encontarem no meio do monumento, de onde seguiram depois caminhos apostos após trocarem uma única palavra entre si, “adeus”.

Em 2010, Abramović apresentou no Museu de Arte Moderna (MoMA) de Nova Iorque uma das suas obras mais, “The Artist is the Present”, que consistia em sentar-se durante oito horas imóvel e em silêncio numa das salas do MoMA. Os visitantes eram convidados a sentar-se à sua frente e a olhá-la também em silêncio. Ao todo, a artista passou 716 horas no MoMa e levou às lágrimas alguns dos visitantes.

Inovadora e transgressora, Abramović encarna a imagem do artista total, que se coloca de corpo e alma nas suas obras. Figura altamente reconhecida no panorama artístico internacional, a artista entrou para o imaginário do século XXI, como lembra o El País.

A atribuição do galardão à artista foi anunciada após a reunião do júri, esta quarta-feira. Os jurados avaliaram candidaturas de 59 artistas de 24 países. O prémio distingue anualmente “o trabalho de criação e aperfeiçoamento da cinematografia, teatro, dança, música, fotografia, pintura, escultura, arquitetura e outras manifestações artísticas”.

Compositores Ennio Morricone e John Williams recebem Prémio Princesa das Astúrias das Artes

O Prémio Princesa das Astúrias das Artes reconheceu em anos recentes nomes como os do dramaturgo britânico Peter Brook (2019), do realizador norte-americano Martin Scorsese (2018), do arquiteto canadiano Frank Gehry (2014) e do realizador espanhol Pedro Almodóvar (2006). Em 2020, foi atribuído aos compositores Ennio Morricone e John Williams, “dois dos compositores vivos mais venerados do mundo”.

A iniciativa é da fundação espanhola com o mesmo nome (denominada Fundação Príncipe das Astúrias entre 1981 e 2014). Anualmente, distingue em várias categorias pessoas, entidades ou organizações que tenham alcançado feitos considerados notáveis. Os vencedores das restantes categorias serão anunciados ao longo deste mês de maio e junho.