O bispo da Diocese de Leiria-Fátima, cardeal António Marto, disse esta quarta-feira não ser aceitável que a distribuição de vacinas contra a Covid-19 se transforme numa arma geopolítica.

“A imunização extensiva deveria considerar-se um bem comum universal e, por isso, a distribuição das vacinas não pode obedecer a outro critério que não seja o de saúde pública. Não é aceitável, nem compreensível que se transforme numa arma geopolítica”, afirmou António Marto na conferência de imprensa que antecedeu a peregrinação internacional de maio ao Santuário de Fátima, que começou esta quarta-feira.

António Marto congratulou-se ainda com o facto de se caminhar “a passos largos para a imunidade de grupo”.

“Parece que, finalmente, podemos ver uma luz ao fundo do túnel, mas todo o cuidado é pouco”, avisou, considerando que “a pandemia ainda não passou e é preciso prosseguir a vacinação”.

Para o bispo de Leiria-Fátima, “todos devem ter acesso à vacina em Portugal, na Europa e no mundo”.

António Marto abordou também a crise económica e social decorrente da pandemia, considerando que exige “uma atenção própria, sobretudo com respeito pela dignidade das pessoas e, por conseguinte, também, pelo direito ao trabalho e ao trabalho digno”.

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O cardeal citou depois o papa Francisco, dizendo que “enquanto a economia real que cria emprego está em crise — quantas pessoas estão sem trabalho —, os mercados financeiros nunca estiveram tão excessivamente aumentados como agora”.

Repetindo as palavras de Francisco, António Marto referiu ainda que “as finanças, se não forem regulamentadas, tornam-se pura especulação animada por políticas monetárias”, situação que é insustentável e perigosa, mas que ainda há tempo de iniciar um processo de mudança global para “colocar em prática uma economia diferente, mais justa, inclusiva, sustentável”.

Cardeal Tolentino Mendonça pede que crise sanitária não seja crise de esperança

O cardeal Tolentino Mendonça alertou também para as outras crises decorrentes da pandemia de Covid-19, como a precarização do trabalho e a pobreza, e pediu para que esta não seja uma crise da esperança.

A crise sanitária ativou outras crises, no campo social, na precarização do trabalho, no agravamento das dificuldades económicas, na pobreza que cresce e não só entre os segmentos considerados mais frágeis, na debilitação do campo escolar, na diminuição de presenças nas comunidades cristãs e na incerteza que pesa sobre a vida de tantos”, afirmou Tolentino Mendonça.

O cardeal, que preside à peregrinação internacional aniversária de maio ao Santuário de Fátima, lembrou que a pandemia “ceifou vidas e alastrou lutos” e recuou aos acontecimentos na Cova da Iria, em 1917.

“De repente, sentimo-nos reportados à época dos santos pastorinhos Francisco e Jacinta Marto, quando a pandemia da febre espanhola fazia milhões de vítimas”, referiu na homilia que se seguiu à procissão das velas, pedindo à Virgem de Fátima para “iluminar a dor de todos, sem fronteiras nem distinções”, de próximos e distantes, de crentes e não crentes, “como se fosse uma só”.

“Que escutes, no silêncio desta noite, a fadiga e o esforço, a solidão e as lágrimas, o cansaço e as necessidades de todos, que veles pela grande família humana ferida e nos mobilizes a todos para o desafio urgente de consolar, de cuidar e de reconstruir”, continuou o arquivista e bibliotecário do Vaticano.

À Virgem de Fátima pediu também para que a atual crise “não se torne numa crise da esperança”, pois esta é precisa para “olhar mais para diante, para ganhar confiança e repartir”.

Precisamos da esperança para transformar os obstáculos em caminhos e os caminhos em novas oportunidades”, frisou.

Assinalando que a presença em Fátima não é apenas para pedir, mas também para agradecer, o cardeal salientou que, se cada pessoa “tem uma história de sofrimento para contar, tem também histórias de amor, de reencontro, de interajuda e solidariedade e essas histórias constituem um património” que não se pode esquecer, assim como “o testemunho de quantos colocaram o bem dos outros acima do seu próprio bem”.

Num recinto onde estiveram 7.500 pessoas, o máximo permitido devido à pandemia de covid-19, o cardeal realçou que “a turbulência da pandemia” ajudou a “identificar o essencial com maior clareza”, recorrendo de novo à Virgem, para solicitar que “esta dor sirva para alguma coisa”.

“Que todo este sofrimento nos torne melhores, mais espirituais, mais humanos e mais fraternos”, acrescentou.