O dia de Marcelo em Arcos de Valdevez começou com um reparo à noite dos Sportinguistas em Lisboa: “Se toda a gente começa, no plano político, religioso, futebolístico, desportivo em geral, cultural a entender que desconfinamento significa não observar regras nenhumas isso pode levar a situações que não são boas para ninguém”. O Presidente da República tem medo que os festejos do título possam provocar um aumento do número de casos “daqui a duas ou três semanas”.

As palavras de preocupação de Marcelo Rebelo de Sousa são libertadas de forma estratégica antes de começar uma visita à Santa Casa da Misericórdia de Arcos de Valdevez. Por esta hora não aceita falar sobre mais nada e com o recado dado, segue para dentro das instalações onde vai cumprimentar cada um dos utentes que estão interior. Não há beijos e os abraços são raros, mas os afetos continuam com “murrinhos” e “cotoveladas”.

A visita segue na direção da creche desta instituição e à espera Marcelo tem um grupo de crianças que gritam o seu nome de forma efusiva e sem interrupções: “Marcelo, Marcelo, Marcelo!” e alguns dão-lhe desenhos que fizerem a contar com esta visita. Frenético, é o próprio que começa a saltar e a pedir às crianças que saltem com ele.

Quer seja dentro do Jardim da Santa Casa da Misericórdia ou nas ruas de Arcos de Valdevez, nunca deixa uma fotografia por tirar e mesmo quando não são as pessoas por quem passa a pedirem-lhe o auto-retrato, é Marcelo que pede o telemóvel. Habituado que está a este procedimento já está habilitado a dar instruções sobre a melhor pose para uma fotografia bem enquadrada: “Cheguem-se para trás, é a melhor forma de ficarmos todos no plano”, pede a um grupo de cozinheiras a quem diz que “estão com bom aspeto, na verdade ver cozinheiras magrinhas nunca é bom sinal”, diz dando origem a uma gargalhada geral.

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Este gesto repetiu-se dezenas de vezes ao longo do dia e o levantamento do telemóvel por Marcelo teve o ponto alto na Escola Básica e Secundária da vila. As aulas pararam para que todos os alunos pudessem cumprimentar o visitante e assim foi. Praticamente todos quiseram uma fotografia naquilo que parecia ser um regresso à vida normal. Não fossem as máscaras e ninguém percebia que o tempo ainda era de pandemia e que uma das preocupações do dia do chefe de estado estavam agarradas à aglomeração do dia anterior a mais de 400 quilómetros dali, na capital.

[Pode ouvir aqui a reportagem da Rádio Observador]

Marcelo tira dezenas de selfies no último dia no Minho

PR defende “colaboração permanente” entre Estado e setor social para enfrentar “desafios” do envelhecimento

Já em Arcos de Valdevez, o Presidente defendeu que “tem de haver uma colaboração permanente entre os poderes públicos, o Estado, os poderes regionais, locais e sociais” para responder aos “desafios” do envelhecimento.

“É preciso que poderes públicos e instituições sociais trabalhem em conjunto e que os poderes públicos, onde e quando não podem ir lá cumprir a missão e têm de recorrer a instituições sociais, entendam que têm de ajudar aquelas instituições sociais. Se há obrigações sociais a cumprir para portugueses e portuguesas cada vez mais idosos, mais dependentes, mais carenciados e se não queremos que a pobreza cresça e as desigualdades aumentem, tem de haver colaboração permanente entre os poderes públicos, o Estado, os poderes regionais e locais e sociais”, disse Marcelo Rebelo de Sousa.

O chefe de Estado — que discursava no final de uma visita à Santa Casa da Misericórdia de Arcos de Valdevez, no distrito de Viana do Castelo — referiu que “para que o setor social possa responder aos desafios que se colocam é preciso ter meios”.

“Nós não somos, infelizmente, um país onde haja muitos mecenas sociais, muitos grandes empresários que doem, durante a vida e depois da morte, fortunas significativas ao setor social. Que criem fundações em largo numero para ajudar no domínio social. Há espaço para o setor privado, mas o setor privado é lucrativo. Nós estamos a pensar nas muitas que não conseguem pagar nem por si próprios, nem por seguros e outros, prestações sociais básicas”, adiantou.

Para o Presidente da República, “não é possível ter justiça social, coesão social, territorial, ou seja, maior igualdade entre os portugueses, apoiando-os na saúde, como na solidariedade social, como na educação, formação, qualificação, sem o setor social”.

“O Estado não consegue substituir o vosso papel, é uma realidade. Aquilo que faz esta Misericórdia [referindo-se à Santa Casa de Arcos de Valdevez] , o que fazem as Misericórdias, as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), o Estado não conseguiria fazer, mesmo que tivesse todo o dinheiro do mundo, mesmo que tivesse estruturas em todos os pontos do território”, sustentou.

“Essa é uma mensagem muito clara, nem é ideológica, nem doutrinária. Não vale a pena discutir se é mais Estado ou menos Estado. É o que é. Com qualquer Governo, com qualquer Presidente, com qualquer parlamento não é possível prescindir, substituir, fazer de conta que o vosso papel não é fundamental”, reforçou.

Marcelo Rebelo de Sousa disse que, tal como as sociedades, “o envelhecimento muda” e Portugal é um país “envelhecido, que ainda não alterou, inverteu esse processo”.

“A natalidade não conseguiu equilibrar essa balança desequilibrada no sentido do envelhecimento, a emigração que é necessária não conseguiu alterar essa tendência e numa sociedade envelhecida em que há mais pessoas idosas do que crianças e jovens é preciso acompanhar o envelhecimento porque é diferente do que era há 5, 10 ou 20 anos. Chamou-se, a certa altura, envelhecimento ativo, um envelhecimento exige políticas de resposta e por isso agradeço à União das Misericórdias de Portugal ter refletido sobre o que é preciso mudar nas políticas para o envelhecimento”, referiu.

Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, uma das soluções passa por “apoiar cada vez mais em casa e não apenas em instituição”.

“Eu digo, em muitos casos sim. Mas a pergunta é se o Estado está em condições de dar essa resposta ou têm de ser instituições da sociedade civil, em conjunto com os municípios e as freguesias e em conjunto com o Estado a dar essa resposta. Não tenho a mínima dúvida que é um desafio vai ter de ser travado por todos”, observou.

O Presidente da República destacou o trabalho de “excelência”, realizado pela Santa Casa da Misericórdia de Arcos de Valdevez durante “um ano e mais de dois meses muito longo, doloroso, desafiante e que mudou a vida de tantos portugueses e tantas portuguesas”.

“Quero agradecer, na pessoa do provedor da Santa Casa da Misericórdia de Arcos de Valdevez, Francisco Araújo, o trabalho de excelência realizada pela instituição a celebrar 425 anos. O que impressiona nesta casa é o passado que teve, o presente que mostrou que tem e o estar virada para o futuro. Na hora de responder a uma gravíssima crise respondeu com excelência, foi verdadeiramente excecional. Fez um pouco de tudo, das crianças aos idosos, dos portadores de deficiência ao apoio domiciliário”, disse.

Francisco Araújo, provedor e presidente da Assembleia Municipal de Arcos de Valdevez, está entre as 33 pessoas a quem o Ministério Público instaurou inquéritos relacionados com irregularidades na vacinação contra a covid-19. Marcelo Rebelo de Sousa justificou a visita à instituição por esta estar entre as cerca de “duas dezenas de maiores, mais importantes e influentes Misericórdias de Portugal”.

“Tem uma grande história , mas estão a fazer uma grande história hoje a pensar no amanhã”, disse, após o apelo do provedor Francisco Araújo que pediu um “acesso mais facilitado” destas instituições aos fundos comunitário para obras de ampliação e modernização, atualmente “insuficiente ou inexistente”. Por ser Dia do Enfermeiro, o Presidente da República pediu “melhores” condições para um dos “heróis” no combate à pandemia de covid-19.

“Que lhes deem melhores condições para serem enfermeiros. Aplica-se ao pessoal de saúde em geral, mas também aos enfermeiros. É a melhor a medalha que se lhes podem dar é de pensar neles, permanentemente, e no seu estatuto, nas suas condições de trabalho. Isso sim é agradecer. Eu sei que não temos dinheiro ilimitado em Portugal, mas dentro do que temos que se pense nos enfermeiros, se pense na saúde, na solidariedade social, no que foi posto á prova durante um anos e mais de dois meses e que fez o que podia e não podia, de improviso”, afirmou.