Marcelo Rebelo de Sousa foi durante cinco anos comentador na RTP e, como sempre em entrevistas, não perdeu o lado de comentador político na entrevista dada à estação televisiva esta quinta-feira à noite. Mas não se limitou dar notas ou fazer comentários e, como chefe de Estado teve de fazer escolhas — nome do programa que tinha na estação pública — que foram: segurar o ministro Eduardo Cabrita, culpabilizar os adeptos pelos abusos nos festejos do título do Sporting e defender um Governo até 2023. Já as previsões na bola de Cristal da política também foram reveladoras: está confiante que o Orçamento passa com o apoio do PCP, é possível que haja “tropeções” e PSD e CDS mudem de líderes em 2022 e que depois das autárquicas haja uma remodelação governamental. Palavra de quem fala como primeiro-ministro “quase todos os dias”.

Festejos do Sporting. Adeptos são mais culpados que as autoridades

Marcelo Rebelo de Sousa mudou o tom do que tinha dito na quarta-feira, quando disse que “quem devia prevenir não preveniu” para que as regras fossem cumpridas nos festejos do título do Sporting. Parecia um apontar de dedo às autoridades, mas o Presidente foi agora ouvir os vários especialistas e intervenientes e acabou por desvalorizar as falhas das autoridades: “Foi-me explicado por muita prevenção que pudesse haver, os diques iam romper naquele tipo de fenómeno“.

O chefe de Estado disse que houve “uma certa hesitação” sobre como intervir que era comum às forças de segurança e à direção do Sporting. Mas é aos adeptos que o Presidente aponta, já que “olhando as imagens de disciplina em Fátima” no 12 e 13 de maio e o que tem “visto em espetáculos” culturais, o que destoou foram os sportinguistas. “Há um somatório de fatores e há também o comportamento das pessoas: são 20 anos de espera, mas que diabo. Eu percebo isso, mas houve ali um efeito que não é positivo e não pode ser replicado num futuro próximo.”

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A novidade é que Marcelo não costuma responsabilizar os portugueses pelos avanços da pandemia. É verdade isso com os jovens no verão de 2020 quando estariam a aumentar os casos de Covid entre os mais novos devido ao relaxamento, mas ralhetes como os que faz agora ao Sporting não são habituais.

Às autoridades fica mais um aviso, de que isto foi “uma lição” para as autoridades “porque temos ainda jogos de futebol, há ainda o final da Taça [de Portugal, a Champions e outras celebrações”. O Presidente criticou ainda a “leveza na ponderação das soluções alternativas ao Marquês de Pombal” e os “problemas de organização e de funcionamento”.

Eduardo Cabrita. Ministro poupado, mas não é excelente

O Presidente optou por poupar Eduardo Cabrita. Questionado sobre se havia responsabilidade política, Marcelo Rebelo de Sousa começou por desviar o tiro: “Responsabilidade política no sentido do comportamento das pessoas ser pouco cívico? Responsabilidade das entidades que planearam, umas públicas outras privadas, que conceberam uma solução, essa há sempre. Porque o juízo político pessoal esse existe no sentido de dizer: isto não correu bem, vamos tirar lições para o futuro”.

O chefe de Estado explicou ainda que, embora “alguns amigos” lhe tenham dito que “tinha sido um pouco duro de mais” a reagir aos festejos, Marcelo explica que não queria ser “duro com nenhuma das pessoas em questão”, mas avaliar o resultado geral. Sem escape, questionado diretamente sobre o uma falha imputada ao ministro, Marcelo protegeu Cabrita: “Não sei se verdadeiramente ali no caso houve intervenção do ministro da Administração Interna ou se isso não foi tratado a nível de outras estruturas”. O Presidente disse mesmo que “não tem dados” que tenha “havido intervenção do ministro nesta matéria”.

Ainda assim, ajudar segurar o ministro não é elogiar Cabrita, nem tão pouco dar-lhe força. Questionado sobre se subscreveria a afirmação de que Eduardo Cabrita é um “excelente ministro”, Marcelo recusa-se a fazê-lo: “Não sou primeiro-ministro, não tenho de subscrever opiniões sobre o Governo”.

Orçamento para 2022. Vai passar, acredita o Presidente.

O Presidente  da República está confiante na aprovação do Orçamento para 2022, com a ajuda dos comunistas: “Estou convencido que o Orçamento passa. E para passar tem de haver negociação, mas com uma base de apoio similar ao último orçamento”. Marcelo admite que este apoio até seja mais alargado (leia-se Bloco de Esquerda), mas aposta mais num orçamento com os mesmos moldes do anterior, que foi viabilizado com a ajuda de PCP, PAN, PEV e deputadas não-inscritas. Acrescenta ainda que não está convencido que “haja risco grande de o orçamento não passar”.

Marcelo Rebelo de Sousa acrescenta ainda que “o português gosta” que PS e PSD cheguem a acordo mesmo em matérias orçamentais, mas o Presidente destaca que “isso é dificílimo” e acrescenta que não seria bom “para o regime”. O Presidente da República lembrou que desde o primeiro mandato que “procura uma alternativa política” e que se o PSD desse a mão ao PS no Governo não conseguiria afirmar essa alternativa. Marcelo recorda ainda que “uma lição de 2015” é que cada bloco “à esquerda ou à direita tem de atingir 44/45%” para conseguir governar.

Direita. Possível crise para depois das autárquicas

Marcelo Rebelo de Sousa admite poderá haver “tropeções pelo meio” na estabilidade das lideranças políticas, já que as “forças políticas farão um balanço da sua situação após as autárquicas e destaca que “algumas delas têm congresso. PSD e CDS terão congresso”.

O Presidente espera para 2022 mudanças nos partidos, reitera que não se refere ao PS, mas que haverá uma “decisão essencial” do PSD na definição de “quem será o futuro candidato” a primeiro-ministro em 2023, seja “o atual líder ou não”. Diz, no entanto, que “neste momento o plausível” é que seja Rui Rio o líder.

Apesar de não acreditar na instabilidade da governação do PS, o Presidente admite uma leitura nacional (que até pode favorecer os socialistas): “As eleições autárquicas, como todas as eleições em Portugal são nacionais”.

Estabilidade. Governo até 2023, mas com recados

O Presidente da República diz que vêm aí dois anos essenciais na utilização de fundos e que também por isso é fundamental haver estabilidade política até ao fim e o Governo concluir o mandato, que termina em 2023.  Apesar disso, Marcelo Rebelo de Sousa admite “percalços” na estabilidade perto de 2023 e “coligações negativas” que desgastem o Governo quando se aproximar o período eleitoral das legislativas desse ano. Lembra até que “a campanha de 2019, começou em 2018”.

Sobre o facto de haver uma sondagem da Católica para a RTP que aponta que 46% dos portugueses querem que seja mais exigente com o Governo, Marcelo compreende que os portugueses “não querem brincar em serviço, querem a legislatura até ao fim e querem que o Governo vá governando melhor”.

No braço de ferro sobre os apoios sociais, Marcelo diz ainda que não irá perder se o Tribunal Constitucional considerar inconstitucionais as normas de apoios sociais que promulgou já que o Presidente ganha sempre “se as instituições funcionarem, se a democracia funcionar”. Ainda assim, diz que já ganhou porque o “Governo apresentou um novo diploma com parte do conteúdo dos apoios sociais enviados para o TC”. Fica dado o recado.

Sobre a situação dos migrantes no Alentejo, Marcelo diz que “há muitas situações dessas [como Odemira] pelo país” e que, para a próxima, exige-se que o Governo atue por “antecipação” nos problemas sanitários e de habitação, ao contrário do que aconteceu neste caso.