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Marco Franco e as infinitas possibilidades da solidão ao piano

Este artigo tem mais de 2 anos

Há quatro anos Marco Franco surpreendeu com “Mudra” e a sua abordagem ao piano. “Arcos”, editado esta sexta-feira, eleva a fasquia. O álbum é apresentado ao vivo na Culturgest, em Lisboa.

"Mudra" foi o seu primeiro álbum a solo e também podemos ouvir o piano de Marco Franco em Montanhas Azuis (com Norberto Lobo e Bruno Pernadas) ou no projeto que tem com Joana Gama e Tiago Sousa
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"Mudra" foi o seu primeiro álbum a solo e também podemos ouvir o piano de Marco Franco em Montanhas Azuis (com Norberto Lobo e Bruno Pernadas) ou no projeto que tem com Joana Gama e Tiago Sousa

Vera Marmelo

"Mudra" foi o seu primeiro álbum a solo e também podemos ouvir o piano de Marco Franco em Montanhas Azuis (com Norberto Lobo e Bruno Pernadas) ou no projeto que tem com Joana Gama e Tiago Sousa

Vera Marmelo

Marco Franco percebeu-o há algum tempo: quando já se tem uma longa carreira musical, é sempre possível dizer que o piano é algo novo. Antes do piano, foi baterista (e também é artista visual) numa série de projetos. Há cerca de seis anos resolveu aprender, estudar e explorar o piano. Mudra foi o seu primeiro álbum a solo e podemos ouvir o seu piano em Montanhas Azuis (com Norberto Lobo e Bruno Pernadas) ou no projeto que tem com Joana Gama e Tiago Sousa. Arcos, lançado esta sexta-feira digitalmente pela Revolve, é um álbum que tem tanto de delicado como de preocupação obsessiva com o som.

Essa obsessão – saudável, diga-se – coloca o ouvinte ao lado de Marco Franco e do piano vertical que usou para gravar Arcos. Absolutamente sereno ao longo dos seus 33 minutos, separados por oito temas, seis deles originais e duas reinterpretações, uma de “Anecóica”, de Norberto Lobo, e outra de “Coração Pneumático”, de Mikado Lab, onde Marco Franco toca.

Falámos com o músico há uns dias sobre o processo de gravação de um álbum que esteve para ser outro e cuja criação reflete as incertezas e as dúvidas de um artista ao longo do último ano. A dado momento na entrevista, Marco Franco diz que “gostaria de fazer música à qual ainda não chegou.” Mais do que ambição, é uma reflexão pura sobre o estado constante de procurar replicar o que lhe vai na alma e na cabeça. Todos pensamos no que não podemos alcançar, mas alguns, poucos, chegam lá e executam.

Arcos não tem pandemia. Dúvidas, incertezas, mal-estar, tudo fora. Tem o resultado de uma procura. Do descartar e avançar para algo novo. Ouve-se um álbum puro, cristalino, de uma delicadeza para nos salvar dos últimos meses. E a salvação pode acontecer já esta sexta-feira, pelas 21h00, na Culturgest, em Lisboa, onde Marco Franco apresenta Arcos pela primeira vez, tocando num piano configurado da mesma forma que gravou o seu álbum.

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A capa de “Arcos”, novo álbum de Marco Franco (edição da Revolve)

Até que ponto o álbum é influenciado pela pandemia?
O álbum parece um bocado afastado disso tudo…

Pergunto mais pela circunstância em que foi criado…
Tem sido um processo de muitos meses. O convite do Pedro Santos [programador da Culturgest] impulsionou-me a fazer o disco. Ele lançou-me esta ideia, para depois o apresentar ao vivo. Este álbum passou por várias transformações. Abandonei música que fiz durante o processo, mais “sombria”, influenciada por esta situação negra e pesada e de pôr em causa tudo: o que vai acontecer, será que vale a pena fazer? Até a falta de vontade em expressar-me, em tocar ou fazer desenhos… fiquei sem vontade de criar o continuar a fazer a minha rotina. Eu até sou ativo…

Foi bastante afetado pelo primeiro confinamento, por exemplo, tinha uma exposição a inaugurar na Galeria Zé dos Bois…
Sim, era para inaugurar dia 13 de março. E no dia 12…

Exato, lembro-me de ter sido das primeiras exposições que vi a serem canceladas.
É engraçado que fales nisso, porque os dois meses, quase três meses do primeiro desconfinamento, não passei bem, aí. De repente, a realidade alterou-se abruptamente e era estranho encaixares a nova realidade com o recente passado. Uma ameaça sanitária que não se sabe bem o que poderá produzir… foi assustador. E comecei a imaginar a sala da ZDB fechada e perguntei-me se algum dia iria voltar lá.

Já estava tudo montado?
Tudo afinado. E aquilo permaneceu fechado. Quando abriu, só se teve que limpar o pó a algumas coisas e, de resto, estava tudo exatamente igual. Não houve alterações, nada. Permaneceu idêntico ao que fora planeado.

Voltando ao Arcos
Estive muitos meses sem querer tocar, nem ouvir música. Estive alerta, a querer estar informado. Quando tens filhos, ficas preocupado com o que vai acontecer, perderes a tua fonte de rendimento, essencial para pagares a renda e a tua comida. Tivemos de gerir uma logística demasiado apertada e exigente. A certa altura comecei a pensar que tinha de voltar à minha rotina, senão perdia o ritmo. Quando paramos… depois no regresso é preciso praticar de novo, como em qualquer matéria. Para chegar ao álbum fui colecionando uma série de música. Gosto de fazer música e tentei conceptualizar certas coisas, acabei por desistir delas. E vim dar a um álbum assim, que tem originais, tem um tema do Norberto Lobo, tem outro escrito por mim, que tocava em Mikado Lab…

[“Crisálida”:]

Gravou o disco em casa?
Não, mas parece que foi em casa. A dado momento, mudei a abordagem, porque escolhi um piano vertical para gravar e usei uma coisa que os pianos verticais têm, os mais recentes, que é uma surdina, um abafador.

Um abafador?
É uma barra que se pode acionar através de um pedal. Os martelos antes de tocar nas cordas tocam nesta barra para reduzir o volume do instrumento. Não é uma opção habitual, mas conhecia este som e sempre me atraiu. Torna o piano mais fechado e menos límpido. O som deixa de ser transparente, se quisermos, e fica mais áspero. Ouve-se a engrenagem do piano também. Coloquei os microfones mais próximos também, para isso.

Isso preocupa-o muito, esse lado mais técnico, talvez?
Sim, associo muito o som com o conteúdo, não consigo separar as duas coisas. Se não for um som que acho agradável, tenho muito mais dificuldade em expressar-me musicalmente.

Perguntei isso porque o som de Arcos é muito delicado, no sentido de ser muito fino, sensível ao toque.
Tenho procurado uma abordagem que se situa entre o piano e o pianíssimo. A dinâmica move-se muito entre… não há fortíssimos, nem forte… ou há um forte, mas é um forte de piano. O delicado que se sente é isso. Para tocar assim tenho de me esforçar bastante para controlar a ação do instrumento. É como numa bateria, não é preciso gerir tanto a qualidade de som, aquilo soa e pronto. Quando queremos fazer a coisa num determinado tipo de volume, é preciso ser mais emocional para conseguir operar e agarrar o timbre, sacar o som da maneira certa.

Tentou muitas vezes até chegar a esse som?
Tentei. Fiz uma gravação na Culturgest, num piano deles, que é incrível. E não fiquei agradado com parte da música. Julguei que tinha o álbum feito, mas após uns 4, 5 dias, achei que não, que o teria de regravar.

"Sempre gostei de distorcer o som puro das coisas e viajar na hipótese de preparar o instrumento", diz-nos Marco Franco

Vera Marmelo

E onde o gravou?
No estúdio do Marcelo Camelo e da Mallu Magalhães. O estúdio tem um Yamaha vertical, chamei o Paulo Pimentel para ajustar o piano e corrigirmos toda a questão da barra, para os harmónicos estarem bem e estar tudo equilibrado. E num dia fiz a gravação.

Com o mesmo material?
Não, com outro material. Mas este que abandonei e que agora gravei, não tem uma cronologia. São coisas que vou compondo. Nesse dia até gravei onze faixas e escolhi estas oito. Não gosto de fazer álbuns grandes, e a duração do Mudra e este, são justas, no sentido de não ocuparem muito o ouvinte. Este tempo de trinta minutos… gosto de álbuns assim.

Procura sons muito específicos no piano. O que o leva a essa procura?
Sempre gostei de, já na altura das cassetes, ouvir coisas mais rápidas ou estar a fazer gravações e acelerar, ou ouvir para trás, ou bem mais lento. Nos computadores, em programas de música, também comecei a fazer o mesmo. Sempre gostei de distorcer o som puro das coisas e viajar na hipótese de preparar o instrumento. Seja o piano, a bateria, que é muito versátil nisso, para desafinar (e já está exploradíssimo). Aliás, o piano está explorado há muito tempo, pelo John Cage, pelas peças para piano preparado. No meu caso, especialmente destes temas, que fazem parte de um universo tonal e não atonal, encontro aqui um conforto maior para tocar assim agora, desta maneira.

Ao vivo, consegue recriar o som que gravou em estúdio?
Sim, não tenho dúvidas. É igualmente captado. Até é possível que o som fique mais envolvente, por causa do próprio fenómeno acústico da caixa dos pianos de concerto.

O que mudou no processo de criação de Mudra para Arcos?
Estive muito focado no processo de fechar uma gravação, entre o grava e regrava, volta a rescrever, abandona temas e vai recuperar outros, passei um bocadinho mal com isso. Ao mesmo tempo que estou a decidir, tenho de consolidar os temas para os conseguir executar. Há temas que abandonei e estive a estudá-los muito tempo, é como se não servisse para nada. Não quer dizer que não possa pegar neles… mas há um tempo perdido que é inerente ao processo. Mas não há nada a fazer.

[ouça “Arcos” através do Bandcamp:]

Isso atrapalha um processo de criação contínuo?
Quase nunca estou satisfeito. Logo após gravar este álbum, fui invadido por uma onda e estou a trabalhar coisas novas. Estou nesse processo, com outras ideias. Se calhar preocupo-me demasiado com uma coisa que ainda não conheço…

Como assim?
Gostaria de fazer música à qual ainda não cheguei. Isso não é fácil. Abordo algumas coisas, mas ainda não é tudo.

Porquê Arcos?
Tive vários títulos e veio-me à cabeça Arcos. Pensei em tudo. E pensei nos Arcos, no início da pandemia, que víamos nos arco-íris que as famílias punham nas janelas, pensei em arcos, puramente gráficos, em suspensão, que terminam aqui e acabam noutro sítio. É um título…

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