Tudo foi possível devido a um “cruzar de dois mundos”, como conta ao Observador João Pedro Rodrigues engenheiro físico e diretor de tecnologia da Loop Co. Esta startup está por detrás da plataforma digital que permitiu realizar, no final de abril, o primeiro espetáculo ao vivo pós-segundo confinamento nacional. E que contou com 400 espectadores presentes, todos com resultados negativo à Covid-19. E tudo graças a uma app. Antes da pandemia, a Loop Co. já trabalhava com a Cruz Vermelha Portuguesa e com a TicketLine, que abriram à empresa esta oportunidade de negócio “para voltarmos à normalidade”.

Desde o primeiro espetáculo piloto, que se realizou a 29 e 30 de abril, no Altice Forum Braga, a plataforma da Loop Co. foi utilizada para garantir a segurança em mais dois eventos, no passado fim de semana, um em Coimbra — onde é a sede da startup — e o outro em Lisboa. Este dois últimos receberam, ao todo, mil espectadores com um resultado negativo à Covid-19. Tudo com um processo que é “simples”, diz João Pedro Rodrigues. Além disso, graças aos primeiros eventos piloto, já foi melhorado.

Como contou o Observador em abril, o primeiro evento teve percalços devido ao processo e começou com 45 minutos de atraso. Agora, cada espetáculo ajuda a aprimorar a fórmula.

“Isto consegue fazer-se com segurança”. Entre os testes e as regras, como foi o primeiro espectáculo-piloto

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“Mostre o QR code do seu teste negativo”; “preciso do seu cartão do cidadão”; “posso medir-lhe a febre?”; “preciso de validar o seu bilhete”, ouviu-se no primeiro espetáculo, “numa fila que ia crescendo quando o sol se pôs, ao mesmo tempo que dividia casais cujos resultados dos testes chegavam à caixa de e-mail em tempos diferentes”. “Foi o primeiro teste”, explica João Pedro Rodrigues. Neste momento, com os aperfeiçoamentos, a solução que a empresa criou permite que o processo seja mais fluído e que, apresentando simplesmente o bilhete — “do bilhete nunca ninguém se esquece”, diz este responsável da empresa –, tudo seja validado sem grandes problemas e as pessoas possam entrar. Mas sempre com máscara, não esquecer.

A nossa solução permite que uma pessoa assim que compra o bilhete possa agendar o teste e receba por email o bilhete e o local onde vai fazer a análise”, explica João Pedro Rodrigues.

Para tudo funcionar há também um parceiro chave, ou um “dos mundos” que se cruzou com a Loop Co para criar este serviço: a Cruz Vermelha Portuguesa. A parceria vem desde 2019, quando ainda não havia pandemia. Por ser uma instituição de caráter social, a startup encara agora o trabalho que lhe faz — aplica-lhe um “preço ajustado” — como “um investimento no combate à pandemia”.

Ao chegar a um evento, basta mostrar um código no telemóvel que a organização confirma. Antes, a plataforma ajudou na marcação do teste à Covid que o espectador tem de fazer no próprio — e no qual tem de ter um resultado negativo — para poder assistir ao evento

Esta instituição tem vários postos para fazer análises à Covid-19 e, devido aos processos logísticos que tem implementado, garante a salubridade nestes testes para se tentar regressar à normalidade. A isto, junta-se a comunicação que a instituição faz com entidades governamentais, como a Direção-Geral da Saúde (DGS), o que permite poder responsabilizar-se por garantir a saúde pública nestes eventos.

Já em 2019, a Cruz Vermelha tinha “muita atividade de saúde pública”, e a Loop Co, por também trabalhar na área da medicina e da telemedicina, sabia que o tipo de serviços tecnológicos que cria podia ser úteis, só não sabia é que ia aplicá-los a uma pandemia.

O que estamos a falar neste momento é o cruzar destes dois mundos [parceria da empresa com a TicketLine e com a Cruz Vermelha] para um regressos à normalidade. Um processo para integrar todo o processo de testarem para eventos”, conta o responsável.

Antes de criar esta solução para eventos, que implica o envio de email, SMS para o espectador e a validação do bilhete com o teste negativo, os responsáveis encontraram dificuldades. “Podia haver quem quisesse forjar de testes”, por exemplo. Ou então, as pessoas não perceberem que o resultado “podia ter ido para a caixa email de spam” refere João Pedro. Por isso, não se podia confiar “só num PDF”, ou num outro passo único, sendo necessário contemplar “um canal seguro” que englobe tudo.

Daí a base ser a webapp — aplicação digital que funciona através de um navegador de internet — que a Loop Co criou para a Cruz Vermelha gerir os testes à Covid-19. Depois, o serviço faz a interligação com necessária para que, à entrada do evento, quem chegue, tendo já feito um teste (e tido um resultado negativo), mostre só o bilhete para poder entrar e desfrutar de evento.

O que esta solução garante é rapidez e segurança. Acreditamos que em eventos, particularmente, qualquer milissegundo pode comprometer o processo”, refere João Pedro quanto às preocupações que tiveram para criar esta tecnologia.

No futuro, está previsto que a tecnologia seja também usada no Rally de Portugal (não para público, mas para o staff, pilotos e equipas). Aqui entra o outro mundo que permitiu à Loop Co ter o conhecimento necessário para poder atuar neste mercado dos eventos. “Um dos nosso primeiros projetos fora foi com a Ticketline”, refere João Pedro. É esta parceria, que também já vem de antes da pandemia, que faz a empresa a olhar para este novo negócio de criar e manter plataformas que possam permitir a realização de eventos seguros, sejam eles concertos, corridas de carros ou “até jogos de futebol”.

Depois é tornar este sistema multioperador. Esta solução foi implementada neste cenário, mas nada impede que isto possa ser transversal”, diz João Pedro Rodrigues

Mesmo assim, e com quatro espetáculos piloto realizados — que levaram novamente aos palcos artistas como Pedro Abrunhosa ou Fernando Rocha, ainda há pontos a melhorar, refere João Pedro Rodrigues. “No caso dos eventos pode melhorar-se como são recolhidos dados pessoais para o agendamento do teste”, menciona. Isto porque “há pessoas que compram vários bilhetes com o mesmo nome, e depois no local de testagem é que isso é despistado”, mas não é nada que a Loop Co. não esteja a solucionar e que, apesar de ainda não ser de uma forma fluída, mesmo que aconteça no entretanto, não seja já resolvido.

Antes do evento, o utilizador é reencaminhado para a app da Cruz Vermelha que sincroniza tudo e permite marcar um teste à Covid-19 nos vários pontos à escolha

Uma empresa que é “um grupo” com “espírito de startup”

João Pedro Rodrigues, Manuel Tovar, João Bernardo Parreira e Ricardo Morgado são os sócios da Loop Co. São todos de Coimbra, onde mantém “grande parte das equipas”, apesar de já terem escritórios noutras cidades, como Lisboa, e o trabalho remoto ter posto os funcionários em vários pontos do mapa. Ao todo, a empresa tem 95 membros. “E queremos chegar a meio no ano com 100 pessoas”, diz João Pedro Rodrigues, que considera que a empresa é “neste momento, um grupo” que tem “espírito de startup”. Porquê? “Quando falamos em startup também falamos na abordagem ao mercado e tentamos trazer para cima da mesa esse espírito”, refere o responsável tecnológico.

The Loop Co. fecha acordo de investimento no valor de 375 mil euros

De acordo com números facultados pela empresa, a The Loop Co. terminou 2020 com 2,7 milhões de euros em faturação, “ultrapassando em 30% os objetivos estabelecidos”. Comparativamente a 2019, estes resultados “registaram um crescimento de 200%”. Com este novo ângulo de mercado — inicialmente, a empresa apostava só na “economia circular” [revenda de produtos] — há agora “um plano de crescimento bastante ambicioso em todas as áreas”. “Na área da economia circular podemos falar nos clientes num consumo mais sustentável”, mas o grupo, além dos eventos, agora aposta também na “consultadoria a empresas grandes”, refere.

De Silicon Valley a Coimbra: o português que voltou para usar a tecnologia espacial no dia a dia

Todo este percurso começou em 2016 com a Book in Loop, que fez negócio a vender livros e usados, e a Baby Loop, que deu nova vida a cadeirinhas e carrinhos de bebé que muitos pais já não usavam. Na altura João Pedro Rodrigues ainda não estava na empresa, só se juntou mais tarde. A empresa desenvolveu-se, adquiriu outras competências, contratou mais pessoas e criou Loop Lab, o laboratório que João Pedro Rodrigues coordena, tornou-se numa divisão cada mais autónoma. “Chegou uma altura em que sentiram a necessidade de ter uma divisão tecnológica. E foi assim que comecei a colaborar com eles”, como contou João Pedro Rodrigues em janeiro de 2020 ao Observador.

Daqui, nasceram os projetos que, meses depois, também iam ajudar a luta contra a pandemia de que ainda mal se falava. Na altura, o foco era a tecnologia espacial, mas a Loop Co já era referida como uma startup portuguesa de economia circular e de “inovação social”. Agora, resta ver como é que a plataforma que fez ajuda ao “regresso à normalidade” e como vai continuar a ser aplicada.