“A única coisa que queria era ter tempo. Se não, não podia mandar-me para este programa. Há humor para fazer rir às gargalhadas, humor para pensar, aqui queremos dar pequenas beliscadelas como um acordar. É disso que estamos à procura. Mas agora estou no olho do furacão, estou a confiar que o programa não vai ser muito visto”. O jeito elétrico, repleto de ironia — ou de nervosismo mascarado — de Filomena Cautela parece não ter desaparecido. É assim que a apresentadora da RTP1 começa por descrever ao Observador o seu novo programa, “Programa Cautelar”, que se estreia no próximo dia 29 de maio, sábado à noite, depois do telejornal.

Depois de ter saído do 5 Para a Meia Noite em junho do ano passado, Filomena Cautela apresentou outros programas como “Quem Quer Ser Milionário?” ou “I Love Portugal”. Sem sair do ecrã, mas muito mais low-profile, eis que volta para o palco principal. Já sabíamos, desde o início deste ano, que a apresentadora estaria de regresso em nome próprio, mas na altura pouco ou nada se divulgou sobre o novo projeto. Uns quantos teasers e nada mais. A partir desta segunda-feira, o véu lá foi levantado. “Demorou algum tempo até ser apresentado porque queríamos encontrar um formato. É preciso tempo para escrever, mandar para o lixo, investigar mais. Não sei se vamos aguentar naquele horário, mas isso não nos vai impedir de tentar fazer diferente”, conta.

Afinal, que programa é este? Antes de Filomena Cautela se sentar para conversar com o Observador, fez a apresentação do seu novo projeto numa das salas do Pavilhão do Conhecimento. A mise-en-scène parecia ter sido escolhida a dedo, mas só que não. “Isto está muito deprimente”, conta a apresentadora, mal chega. Entra de rompante, nervosa, “de pijama”, pronta para falar aos jornalistas presentes. A ansiedade sente-se, ora não fosse esta a apresentação oficial do seu novo programa. O que pode revelar, pelo menos, alguma honestidade: portanto, apesar de ter sido um sucesso de audiências, especialmente no Festival da Canção, a apresentadora parece partir sempre do ponto zero.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

À sua espera não há plateias a bater palmas, mas sim uns quantos jornalistas mais a equipa da RTP1. Daí a primeira desilusão, disfarçada pelo nervosismo de quem regressa. É que a pandemia de Covid-19 obrigou a mais cautela durante muito tempo, mas Filomena continua com a mesma energia. Bastou umas quantas palavras para a dúvida desaparecer e cumprimentarmos o surrealismo com música de elevador a acompanhar. “Isto é muito surrealista o que está a acontecer, não acham?”. Fica-se então a saber que o Pavilhão do Conhecimento como cenário não é mais do que algo “irónico”, ora não fosse este novo desafio um projeto de humor.

Pois bem, a espera foi muita. Passaram-se meses, uns quantos teasers, com quase nada a ser divulgado publicamente, e eis que ficamos a conhecer um pouco do “Programa Cautelar”, um formato de infotainment “radicalmente diferente”, de seis episódios, 45 minutos de duração, que terá, cada um, um tema diferente: os primeiros vão andar à volta da desinformação online (“maior pandemia dos últimos tempos”), guerra das audiências e racismo. Temas leves, portanto. E claro, um grande convidado que não deixou que o seu nome fosse divulgado. Ou seja: é um piscar de olhos a formatos norte-americanos como “Last Week Tonight with John Oliver” ou “Full Frontal de Samantha Bee”. Aposta arriscada, já que não tem sido grande aposta em Portugal. “Se vai resultar? Provavelmente não”, revela, irónica, ao Observador. É esperar para ver.

“O que aconteceu aqui foi muito raro. Houve abertura total por parte da direção da RTP1 para discutir formatos. Queremos acrescentar algo às pessoas, para sairmos do nosso pelouro e trazermos humanidade”, afirmou aos jornalistas a também apresentadora de “Quem Quer Ser Milionário”. Para isso, Filomena Cautela e a equipa vão querer ser o mais factuais, mais divertidos e mais acessíveis que conseguirem. E é talvez por isso que a apresentadora está, pela primeira vez, “realmente nervosa”, confessa.

Quanto à “vasta equipa”, composta por jornalistas e guionistas como Pedro Durão, Mariana Garcia, Susana Romana ou Ana Ribeiro, parece quase tão grande como a de “Isto É Gozar Com Quem Trabalha” de Ricardo Araújo Pereira que, entretanto, só regressa no próximo mês de setembro. A diferença é que há jornalistas à mistura desta vez. Se há repórteres ou pessoas específicas para rubricas como vimos noutros programas como o “Inferno” do Canal Q, vai ser preciso aguardar até dia 29 de maio.

Antes de Filomena Cautela conseguir exercitar os seus demónios e ansiedades e, por isso, ficar mais aliviada, José Fragoso, diretor de programas da estação pública de televisão, veio colocar, talvez sem querer, ou não, pressão nos ombros da apresentadora. “A Filomena é das pessoas mais criativas da televisão portuguesa. Este é um formato inovador e a apresentação do programa é um dos eventos centrais da RTP1 em 2020/2021″, garantiu.

É por isso que Filomena Cautela, já mesmo no fim da apresentação, deixou uma nota importante, quase em jeito de despedida. “Talvez seja por isso que este seja a última coisa que vou fazer assim”, revela, com voz a tremer. Muita cautela que contrasta com a sua personalidade.

E se tocar em temas sensíveis como o racismo ou a desinformação online pode “incendiar as redes sociais”, especialmente no contexto em que vivemos hoje, a apresentadora parece pouco preocupada. “Ninguém está preparado para ser queimado nas redes sociais. Partilha-se um bolo de chocolate e tens haters do chocolate, a falar da quantidade de pessoas necessárias que são exploradas no fabrico de cacau. Vai ser sempre assim”, finaliza.