Portugal não é obrigado, pelo menos por ora, a revogar e recuperar o auxílio de 1,2 mil milhões de euros que concedeu à TAP para esta manter a sua atividade durante seis meses, entre Julho de 2020 e Dezembro de 2020, em consequência da limitação da atividade imposta pela pandemia, declara ao Observador Fausto de Quadros, Professor Catedrático de Direito Europeu na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa em comentário ao Acórdão nº T-465/70, de 19 de Maio passado, do Tribunal Geral da União Europeia.

Esse processo resultou de um recurso de anulação interposto pela companhia aérea Ryanair contra a decisão da Comissão Europeia de 10 de Junho de 2020, que autorizou o Estado Português a conceder esse auxílio e o considerou compatível com as regras de concorrência da União e com o mercado interno europeu. O Tribunal Geral (TG), naquele Acórdão, anulou aquela decisão da Comissão com o fundamento de ela se encontrar insuficientemente fundamentada, mas, como sublinha Fausto de Quadros, ao mesmo tempo, e por alegadas razões de segurança jurídica, suspendeu temporiamente o efeito da anulação até à adoção de uma nova decisão pela Comissão na qual esta corrija e complete a fundamentação da anterior decisão tomada. Esse efeito seria o da devolução imediata ao Estado do auxílio por este dado à TAP. Essa nova fundamentação da Comissão está obrigada pelo TG a respeitar os critérios que ele define no seu Acórdão.

Os auxílios do Estado distorcem a concorrência no mercado interno europeu e, por isso, são severamente proibidos pelo artigo 107º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, que só admite excepções em casos muito raros aí referidos, inclusive em situações de emergência. Por isso mesmo, o Tribunal de Justiça e o TG são muito exigentes na fundamentação, caso a caso, dos auxílios concedidos pelos Estados. Entre essas excepções incluiram-se os auxílios autorizados pela Comissão Europeia às companhias aéreas estatais de bandeira a fim de elas poderem recuperar da situação difícil para a qual foram atiradas pela pandemia. Quase todas as grandes companhias aéreas estatais europeias beneficiaram desse tipo de auxílios, não só a TAP. A Ryanair impugnou as Decisões da Comissão que autorizaram os respetivos Estados a conceder esses auxílios, particularmente à TAP, à Air France, à KLM e à Lufthansa. Foi nesse quadro que surgiu agora a decisão do Tribunal Geral em relação à TAP. Por coincidência, no mesmo dia foi proferido o Acórdão do mesmo TG quanto à KLM.

Qual a sequência que pode agora ter o processo? Para Fausto de Quadros resulta do Acórdão que, em bom rigor, o TG não encontra na decisão da Comissão nenhum vício substantivo ou material mas apenas um “vício de forma”, traduzido na insuficência da fundamentação da decisão. O TG fixa o prazo de dois meses para a Comissão corrigir esse vício na fundamentação da sua decisão, ficando entretando esta suspensa nos seus efeitos. Se, como se espera, a Comissão proferir uma nova decisão que fique suficientemente fundamentada, o problema morrerá. Se, ao contrário, a Comissão insistir em não corrigir e completar a sua decisão, nesse caso pode o Tribunal obrigar o Estado Português a recuperar o auxílio dado à TAP.

Para aquele Professor, e interpretando o Acórdão do TG, a Comissão e Portugal têm, pois, dois caminhos à sua escolha: o mais simples e o mais rápido, e porventura também o mais seguro, é o de a Comissão substituir, no prazo fixado pelo TG, de dois meses, a sua Decisão por uma nova Decisão que remova as insuficiências na sua fundamentação, nos termos definidos pelo TG no seu Acórdão. Outro, mais demorado, e porventura mais complexo e também mais arriscado, é o de recorrerem do Acórdão agora proferido para o Tribunal de Justiça, pedindo a revogação do Acórdão do TG. A Comissão e Portugal já anunciaram a sua intenção de interporem este recurso.

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