Consolidar o projeto, impedir que alguém tire os pés da terra pela vitória num Campeonato, fazer uma gestão racional e inteligente, vender alguns jogadores “como fazem o FC Porto ou o Benfica” mas mantendo sempre uma equipa muito competitiva. Frederico Varandas explicou à SIC o antes e o depois de uma histórica quebra do maior jejum de títulos na principal competição nacional, falando também para dentro e colocando a estabilidade como predicado indispensável para colocar a equipa mais dois ou três anos seguidos na Liga dos Campeões. “O Sporting não está preparado para ganhar todos os anos. Ganhámos a desinvestir. Desinvestimos 18 milhões de euros na massa salarial. Precisamos de estar dois anos seguidos na Champions, é um facto. Reduzimos o gap financeiro, de má gestão desportiva. Com esses dois ou três anos, não terá estes jejuns”, destacou.

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A reportagem tocou em vários pontos, do investimento que foi feito inicialmente na Academia, que teve depois prolongamento no Polo do Estádio Universitário de Lisboa, que vai chegar à zona do Estádio com a criação da “Cidade Sporting” que fará a junção com o Pavilhão João Rocha através de uma pista de tartan e espaços para skate e basquetebol 3×3 com uma megastore que será entretanto inaugurada, que passa também pela troca das cadeiras do palco do futebol leonino que passarão a ser todas verdes. A dado ponto, até em relação às claques, duas das quais com quem a Direção cortou o protocolo existente (Juventude Leonina e Diretivo Ultras XXI), o presidente dos verde e brancos pareceu dar um pequeno passo rumo à normalização de relações. No entanto, e também no futuro, há um sonho comum a todos os sportinguistas. E que pode mesmo acontecer.

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“Acredito que o Ronaldo um dia virá, ele esteve sempre ao lado do seu Sporting. Foi uma das primeira pessoas a mandar-me mensagem a dar os parabéns depois de termos sido campeões. Mas ele tem contrato por mais um ano, está num clube que está na Champions, quer ainda estar em clubes que lutem pela Champions. Depende sobretudo de Ronaldo mas é importante que as pessoas saibam que ele, dentro e na sombra, já tem ajudado e está a ajudar a reerguer o Sporting. Ele tem mais seguidores do que o Real, o Sporting foi campeão e ele meteu ‘Eu sou campeão’. Isto para a marca Sporting é brutal. Uma das razões para adiar a inauguração da Academia é ele querer estar presente. Além de um grande jogador, é um grande líder” confidenciou o líder leonino.

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“Ver um clube que ganhou com menos sem abdicar dos valores é um exemplo”

“Durmo sempre bem mas tinha medo de acordar, pensava se não seria um sonho. ‘Ok, isto está a acontecer’. Percebi o que tínhamos conseguido apenas no Marquês, quando começamos a descer do Campo Grande, e vejo milhares e milhares e milhares de pessoas felizes. Se podemos dedicar este título a alguém seria às gerações futuras que só sonharam sem nunca terem visto. A classe política devia ter como exemplo este Sporting. Muito mais do que discursos gastos, muito mais do que a fama, até o dinheiro, as pessoas aqui seguem valores. Seguiram valores como a coragem. Quando vivemos num país onde estamos todos cansados, porque estamos cansados por haver sempre uma mancha negra na justiça, na saúde, na política, ver que um clube venceu com menos recursos, pela paixão e sem nunca abdicar dos seus valores, é um exemplo”, destacou Varandas sobre o peso do feito alcançado esta temporada pelos leões, entre outras considerações a esse propósito.

“Eu cresci a ouvir dizer ‘Oh doutor, você é uma pessoa séria, não tem hipóteses no desporto, no futebol é só bandidos e corruptos’. Provámos o contrário. O Sporting não tem de se impor contra ninguém. Temos adversários que merecem todo o nosso respeito, FC Porto e Benfica são gigantes, mas nós distinguimos entre as instituições e as pessoas. O Sporting precisa ter a inteligência para saber distinguir isso, se o Sporting é grande muito deve aos rivais”, prosseguiu, antes de recordar o episódio de Alcochete – a 15 de maio de 2018 (data que assinala também a conquista do único troféu europeu, a Taça das Taças em 1964) três anos exatos antes da vitória com o Boavista: “Há três anos foi o dia mais negro da historia. Sabia-se que eram anos para reerguer este clube mas pusemos o Sporting não só na Champions mas no topo do futebol nacional. Isto é uma história linda”.

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“Sempre disse que o Sporting não conseguiria vencer só pelo esforço e pelo dinheiro, era preciso ter inteligência e competência. Este Campeonato é conquistado com 50% dos orçamentos dos nossos adversários, um gastou quatro vezes mais do que nós em contratações. Conseguir ser campeão com tudo isto é um trabalho notável”, prosseguiu, antes de destacar a vitória na Madeira frente ao Nacional como “o” momento em que acreditou.

“Ganhámos 2-0 num jogo épico com uma entrega… Aquilo era impossível, a bola não rolava, tanta lama que não se via nada. Nós jogámos de branco e não havia um jogador de branco passados três minutos e há uma imagem que nunca vou esquecer que é entrar no balneário e ver os jogadores enlameados, alguns com cortes de sangue, ninguém fazia os curativos, e vejo o Neto a dançar numa roda com o Jovane com outros jogadores que nem eram titulares e nem jogaram, todos agarrados a cantar e a dançar. Vim cá para fora e disse ao [Hugo] Viana: ‘Ninguém vai conseguir parar este clube’. Não havia adversário que nos travasse. Mas num clube como o Sporting era impossível existir união sem resultados. Eu sabia que os resultados iam aparecer”, contou.

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“Falei aos jogadores no dia do jogo com o Boavista e disse que nunca conheci um grupo destes. Conseguimos a receita perfeita entre juventude e experiência. Os capitães foram verdadeiros capitães, o Coates cresceu muito e a saída de outros jogadores do balneário ajudaram-no a crescer ainda mais. Hoje é um exemplo e é um líder muito para além de um jogador. O Sporting jamais seria campeão sem o Hugo Viana, de uma competência, discreto… As pessoas não reconhecem nem vão perceber a sua importância. O João Pedro Araújo [diretor clínico do futebol]. O futebol é a modalidade em que há menos cultura desportiva e aí foi fundamental o papel do Tomás Morais, do Paulo Gomes. Eu também tenho a minha educação militar com a disciplina e a regra e aquele balneário foi como um relógio suíço, com coragem, com determinação, com um acreditar…”, salientou.

“Coloquei o meu lugar à disposição quando contratei o Rúben Amorim”

“Não tínhamos equipa B e ele estava na lista para os Sub-23 mas o Sp. Braga antecipa-se e contrata-o para a equipa B. O presidente António Salvador disse que nem pensar, que não podia ser, mas passadas umas horas disse-me que só pelo valor da cláusula de rescisão, nunca pagando a cláusula de rescisão pois aí o valor seria de 19 milhões devido aos impostos. Aí conheci pessoalmente o Rúben [Amorim]. Poucos treinadores aceitariam o convite que lhe fiz, ele sabia que teria os grandes passados uns meses. Eu sei, ele sabe, nomeadamente o Benfica, que teria sempre a porta escancarada para ele. Pela primeira vez encontrei o treinador perfeito para o meu projeto desportivo. Ele tem a mesma linguagem, os mesmos valores, a mesma comunicação e a mesma humildade. Nesse dia que saímos da reunião, entro no elevador e o Hugo Viana olha para mim a abanar a cabeça e pergunta ‘Vamos fazer mesmo isto?’. Eu respondi: ‘Esquece os dez milhões, arranjamos melhor? Melhor líder? Melhor pessoa? É isso que vai impedir? É a pessoa certa?’ Ele disse ‘É’ e fomos”, recordou Varandas.

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“Foi a única vez que coloquei o lugar à disposição mas de uma maneira cordial e tinha de fazê-lo em pleno Conselho de Administração. Não podia obrigar a minha equipa e os meus administradores a irem atrás disto às cegas e disse-lhes que compreendia que o Conselho de Administração não votasse a favor do Rúben Amorim, mas eles tinham de entender que não podia dar a cara por um projeto desportivo em que não acreditava”, prosseguiu, confidenciando que a única mensagem de confiança que recebeu pela aposta foi de alguém que não percebe de futebol: a mãe. “Antes, até quem trabalhava comigo, perguntavam ‘Vais mesmo?’. Falo com ele nessa madrugada e ele pergunta assim ‘Presidente, você vai mesmo fazer isso?’. Eu disse-lhe que sim e ele respondeu ‘Estou super preparado e estes dois loucos vão mostrar a todos que afinal os loucos são eles’…”.

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