Não há registos de um ano com tão poucos casamentos em Portugal. Na impossibilidade de concretizar o dia com que sempre sonharam ou, simplesmente, de reunirem o mais imprescindível do círculo de familiares e amigos, milhares de casais desistiram de 2020 e depositaram todas as esperanças no ano seguinte.
Em 2021, multiplicam-se as bodas, as adiadas e as marcadas à primeira, e, ao fim de mais de um ano de pandemia, moderam-se as expectativas em relação ao grande dia. Casar não é o que era — há limitações no número de convidados, na disposição e organização das mesas, nas exigências feitas aos convidados e sobretudo na intensidade com que se faz a festa. Aparentemente, nada que demova a horda de nubentes determinados em dizer o tão ansiado sim.
Olhando para o ano passado, os números são expressivos — realizaram-se em Portugal menos 14.370 casamentos, o que corresponde a uma quebra na casa dos 43% face a 2019. Quem está dentro do setor espera que 2021 seja de retoma, embora ainda longe dos números do período pré-pandemia — em 2019, por exemplo, realizaram-se mais de 33 mil casamentos e, de acordo com o INE, há uma década que este indicador não fica abaixo dos 30 mil.
Qual é o melhor dia para casar? Qualquer um
Depois do desgosto do ano passado, grande parte dos casais recusa a ideia de voltar a adiar a boda. Um capricho legítimo que há muito fez prever uma sobrelotação da agenda para este ano. “Sobretudo a partir de julho, vamos ver muitos casamentos à sexta, à quinta, à quarta… Mas para muitos, deste ano não passa”, afirma Jorge Ferreira, diretor da BestEvents, empresa que no início deste mês retomou os eventos físicos no setor com a feira White Wedding, no Ateneu Comercial do Porto.
Com a escala reduzida, e com os fins de semana já ocupados, muitos casais optam pelos dias menos comuns da semana, embora a sexta-feira fosse já um dia forte. Para os agentes do setor, uma perspetiva relativamente animadora do próximo verão, que poderá trazer uma leve compensação das perdas do ano passado. “Se a situação continuar a evoluir favoravelmente, os próximos meses vão ser permitir às empresas recuperar um pouco da faturação perdida”, continua.
Também a sazonalidade sai esbatida, neste ano tão atípico ao nível dos matrimónios. O mês de maio, tradicionalmente encarado como arranque da temporada está a revelar-se especialmente tímido, fruto da incerteza vivida até há poucas semanas. “Estamos agora a arrancar, enquanto num ano normal já estaria tudo cheio. Não nos podemos esquecer que em março ainda ninguém sabia se ia poder casar dentro de dois meses. A maioria dessas pessoas optou por jogar pelo seguro e remarcar o casamento para o verão de 2022”, remata Jorge Ferreira.
“Sentimos que houve uma grande mudança de paradigma, mas muito mais na ótica dos noivos, na parte do planeamento”, afirma Maria Villar, uma das responsáveis pela Amor e Lima, empresa que há sete anos começou a trabalhar com flores e elementos decorativos e que hoje oferece um serviço completo de wedding planning. “As pessoas estão mais disponíveis para se adaptarem porque o momento assim o exige. A maioria dos casais adiou o casamento no ano passado. Este ano adaptam-se, até porque não querem voltar a adiar”, reforça.
A pandemia acabou com a habitual intransigência de quem quer que tudo seja perfeito. Com cortes no número de convidados, restrições de horário e máscaras a destoar no visual, é natural que passem a ser outras as prioridades dos noivos. “Voltámos aos casamentos ao ar livre, uma coisa que se tinha perdido um bocadinho nos últimos anos, por todos os riscos associados. Agora, estamos a arriscar outra vez”, opina.
Maria confirma os casamentos “de quarta a domingo”, mas alerta para o caráter excecional do momento — “diria que é uma tendência deste ano e que, quando tudo passar, as sextas e os sábados vão continuar a ser as opções. Este ano é que não havia hipótese: ou casavam numa quinta ou só casavam para o ano”. Também nos horários, o mercado está a adaptar-se. Os casamentos ao pôr-do-sol, tendência que se acentuou nos últimos anos, estão a ser antecipados. Os limites para o final da festa variam consoante o tipo de licença do recinto, bem como em função da zona, mas no geral tendem a encurtar a celebração.
A agenda de Maria está lotada — 130 casamentos até ao final do ano, o máximo para a capacidade da empresa, mesmo já antes do novo coronavírus se ter instalado. Em 2020, organizou apenas 30. Por muito bem que corra 2021, nunca irá compensar as perdas do ano passado.
Convidados à beira de um ataque de nervos
“Os casamentos vão ser muito mais especiais este ano. Vão ser mais pequenos, é certo, mas as pessoas estão com muitas saudades disto”. O desabafo é de Pureza Mello Breyner, cujo atelier não tem mãos a medir. O trabalho nunca cessou. Concluídas as encomendas do ano passado — dezenas de vestidos de noiva ficaram prontos, mesmo com os casamentos adiados para o ano seguinte –, a designer encontrou espaço para desenhar a sua primeira coleção para convidadas, um sortido de cores garridas, folhos e brilhos especialmente bem recebido em 2021.
“Esta coleção estava na minha cabeça há muitos anos. A procura tem sido grande, por haver pouca oferta, mas também porque as pessoas estão com muita vontade de voltar a ir a festas e de estar bem. Diria até que estão a gastar mais. Normalmente, discutem cada euro. Agora, têm menos casamentos e os que têm são realmente especiais, logo, investem mais”, assinala.
Do lado das noivas, Pureza não hesita ao fazer o balanço — os vestidos passam ao lado da crise. “Uma noiva que idealizou casar com 300 convidados não é porque afinal vai casar no quintal dos pais e só com 30 pessoas a assistir que dispensa o vestido de sonho”, refere. Atualmente, as encomendas não se aproximam do volume de 2019 (ainda que o mês de agosto esteja anormalmente lotado), mas o entusiasmo generalizado com a temporada que agora começa torna mais sorridentes as perspetivas de negócio para o que resta deste ano.
De volta à mesa das convidadas, haja oferta para satisfazer o apetite de festa. Que o diga Teresa Braga, fundadora da marca Tema, que este ano está a lançar não uma, mas duas coleções de festa. Uma piscadela de olho ao arranque da época dos casamentos e que entusiasma cada vez mais a clientela. “Desde o início da Tema que havia esta necessidade por parte das nossas clientes, tanto que sempre fizemos vestidos personalizados. A partir de certa altura, decidimos começar a fazer pequenas coleções limitadas”, explica a jovem empresária.
A versatilidade tem estado no topo da lista de prioridades — os vestidos adaptam-se aum contexto de cerimónia, mas são simples o suficiente para ser reutilizados num jantar mais descontraído ou até numa reunião de trabalho. “Para as pessoas, os casamentos vão ser sempre um assunto, por isso é que também tentamos resolver tudo na loja. E sinto que vêm com outro ânimo. Enquanto antes era só mais um casamento, agora vê-se que escolhem o vestido com entusiasmo”, continua.
A cautela financeira está lá, mas também a busca por alguma exclusividade, até para diminuir ao máximo as probabilidades de esbarrar num modelito igual. E se o lilás é a cor que tinge os best-sellers, são as bainhas abaixo do joelho, as costas a descoberto e os apontamentos de brilho que predominam na “Mate Party Collection”, lançada no final de abril, em colaboração com o atelier Plissê, e totalmente produzida na Índia. A próxima, produzida em Portugal, chega no final de maio.
2021, o ano dos casamentos a meio gás
“O grande desafio dos casamentos tem sido a pista de dança”, retoma Maria Villar da Amor e Lima. “Nem sempre é possível”. As características do espaço e o número de convidados ditam o desfecho a história, embora este raramente seja dançante. Enquanto Jorge Ferreira da BestEvents deposita esperança no avanço da vacinação, Maria alerta para a falsa sensação de liberdade e segurança que pode levar muitos e pouparem nos cuidados.
A lista de convidados está reduzida a 50% da lotação do espaço, enquanto as mesas se regem pelas normas dos restaurantes — espaçamento mínimo de dois metros entre cada uma e um número máximo de seis pessoas por mesa, dez caso esta esteja ao ar livre. Os micro casamentos podem estar a conquistar popularidade, mas o fenómeno deverá ser passageiro — são fruto de uma necessidade e não uma alteração efetiva na tradição de um país onde uma boda raramente fica abaixo dos 100 convidados.
A que horas termina o casamento? As respostas variam em função do tipo de licença conseguida, mas a tendência é para acabar mais cedo. “Antigamente fazíamos casamentos ao pôr-do-sol para se prolongarem até às quatro ou cinco da manhã. Agora, estamos a antecipar porque as licenças estão a encurtar para a uma e para as duas, também como forma de prevenir excessos. Sendo que há espaços a acabar os casamentos às 23h e à meia-noite. Varia de zona para zona e depende das licenças”, esclarece Maria.
As mesmas diferenças manifestam-se quanto à testagem dos convidados. Em cerca de 40% dos casamentos organizados este ano, a Amor e Lima prepara-se para assegurar que todos os convidados são previamente testados. Em alternativa, com os testes rápidos à venda nas farmácias, muitos noivos estão a deixar a responsabilidade do lado dos convidados. A preocupação é extensível às cerimónias nas igrejas, regra geral demasiado pequenas para albergarem todos os convidados com o devido distanciamento. Surgem novos truques para contornar a situação, seja elegendo um grupo mais restrito, o qual é convidado para assistir ao serviço religioso, seja convocando a tecnologia de forma a possibilitar uma transmissão remota.