A reestruturação da dívida da Promovalor, negociada entre o Novo Banco e Luís Filipe Vieira em 2017, não terá sido submetida a um parecer prévio do departamento de compliance (conformidade) do banco. Francisco Santos, que foi o diretor deste departamento até meados de 2017, não se recorda da operação ter passado pelo departamento pelo menos enquanto esteve em funções, afirmou esta terça-feira na comissão parlamentar de inquérito às perdas do Novo Banco imputadas ao Fundo de Resolução.

Segundo o deputado socialista Eduardo Barroco Melo, a reestruturação da dívida do empresário e presidente do Benfica foi negociada entre março e abril de 2017 quando Francisco Santos era diretor coordenador do departamento de compliance. “Não me recordo. Tenho quase a certeza de que não passou. Mas há algum parecer do compliance sobre isso?”, pergunta. Que seja do conhecimento do deputado, não.

Barroco Melo recordou o parecer de 2018 emitido pelo Banco de Portugal sobre esta operação o qual levanta dúvidas sobre a reestruturação, que se traduziu na entrega dos ativos imobiliários do empresário a um fundo detido pelo Novo Banco, mas gerido por uma sociedade gestora com ligações ao presidente do Benfica. Em causa estaria a proximidade entre Luís Filipe Vieira e Nuno Gaioso, o presidente da sociedade gestora Capital Criativo que era à data vice-presidente do Benfica. A Promovalor e o filho de Vieira foram acionistas minoritários desta sociedade gestora.

O tema remete para a análise de transações com partes relacionadas e para prevenção de eventuais conflitos de interesse, matéria que é da competência do departamento de compliance, reconheceu Francisco Santos que, no entanto, não quis pronunciar-se sobre a operação concreta que não conhece. Também não ficou claro da audição se o normativo interno do banco determinava que esta operação deveria ser submetida ao departamento de compliance, nomeadamente para avaliar eventuais conflitos de interesses entre o devedor e a sociedade a quem o banco entregou a gestão dos ativos. O presidente do Novo Banco, António Ramalho, admitiu que a Capital Criativo foi condição de Vieira.

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A reestruturação da dívida de mais de 200 milhões de euros ao Novo Banco só ficou concluída em novembro de 2017 com a constituição do fundo detido pelo banco que ficou com a exploração dos ativos cujas receitas serão canalizadas para amortizar a dívida do empresário.

A operação envolveu ativos protegidos pelo acordo de venda à Lone Star, concretizada um mês depois, mas que não foi levada ao escrutínio prévio do Fundo de Resolução nem da comissão de acompanhamento porque os contratos que determinavam essa fiscalização não estavam ainda assinados. O que não quererá necessariamente dizer que a compliance do banco não se terá pronunciado sobre a operação, depois de Francisco Santos ter abandonado o banco em julho de 2017. O Fundo de Resolução pediu uma auditoria independente a esta operação, que ainda não foi entregue.

Quando questionado sobre a venda de ativos protegidos sem uma avaliação prévia de partes relacionadas em algumas carteiras de créditos e imóveis pelo Novo Banco, já depois de ter deixado o cargo, Francisco Santos afirmou que não deviam acontecer, ainda que existam situações de urgência da operação que o possam justificar. “Poder, pode. Dever, não devia”. Esta falha foi apontada na auditoria da Deloitte às operações Nata II e Viriato.

Compliance é “como um cházinho de limão”? Não cumprir pode dar multas pesadas

A área de compliance na banca tem como função assegurar e verificar que as instituições cumprem as regras e procedimentos legais, regulatórios e internos em matérias de que vão da prevenção de branqueamento de capitais à gestão de risco e conflitos de interesse, entre outros. Francisco Santos descreveu aos deputados o trabalho de reorganização do departamento que foi feito na sequência da resolução do Banco Espírito Santo e da criação do Novo Banco, reconhecendo que havia muitas fragilidades na forma como a área atuava no tempo do BES. Mas essas falhas eram do seu ponto de vista da responsabilidade da administração do BES.

“O compliance tem a força que cada administração lhe dá”, sublinhou. As pessoas do departamento com quem trabalhou a partir de 2015 eram as mesmas, mas faltava-lhes força e um guião, destacando ainda o enorme trabalho que foi feito a partir dessa data com mais de 80 apresentações ao conselho de administração.

O antigo diretor do Novo Banco recusou ainda a ideia de que o departamento de compliance é como um “chazinho com limão”, sugestão irónica feita pela deputada do PSD, Mónica Quintela, a propósito das consequências, ou falta delas, no caso dos pareceres dados não serem seguidos pela administração do banco. “Não é nem chá de limão, nem de camomila”, quando as regras não são cumpridas — em particular no caso de prevenção de branqueamento de capitais — há coimas brutais e penalização dos dirigentes, como aconteceu com o Novo Banco em Cabo Verde.

Para exemplificar a força do departamento de compliance, Francisco Santos conta uma história de quando esteve neste cargo de um administrador que insistia em querer abrir uma conta a um cliente para o qual tinha sido dado um parecer negativo. Fizemos uma exposição ao Banco de Portugal para saber se se podia abrir a conta. Francisco Santos admitiu que até hoje o regulador não respondeu.

Antes de Francisco Santos, os deputados ouviram Paula Gramaça que é diretora no departamento de compliance.

Novo Banco: Havia dificuldade em comunicar com área de compliance do BESA