Depois da tragédia, o presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos foi à estrada onde Eduardo Costa e Maria Cristina Gonçalves morreram, cercados pelo fogo: a estrada municipal 521. Lá, verificou que, de um lado, havia um terreno agrícola, onde os próprios proprietários faziam a gestão do combustível. E do outro lado estava um talude com uma altura entre dois a três metros, com árvores que cumpriam os cerca de cinco metros de distância — um limite que entretanto aumentou para 10 metros. Jorge Abreu contou esta história em tribunal para demonstrar que sempre cumpriu o Plano Municipal de Defesa da Floresta Contra Incêndios.

Aliás, Jorge Abreu adiantou ainda que era o Instituto da Conservação da Natureza e da Floresta que estipulava a calendarização das intervenções nos terrenos bem como criavam as prioridades, definindo as zonas mais preocupantes a limpar. “Curiosamente, o sítio onde se sucumbiram o casal Eduardo e Cristina só tínhamos de intervencionar em 2019″, indicou, acrescentando que aquelas pessoas morreram devido ao “fumo e ar quente” — e não às chamas — e que a mãe de Eduardo, que seguia no carro, sobreviveu.

Assertivo, o único dos três presidentes de Câmara acusados pela tragédia de Pedrógão Grande a aceitar falar em tribunal, contou garantiu aos juízes que os serviços camarários cumpriam a limpeza das faixas de gestão de combustível numa largura de 10 metros nas laterais das estradas municipais. “A informação que me ia chegando é que os trabalhos iam sendo cumpridos“, afirmou.

Cumprimos a faixa de gestão, mas infelizmente não é suficiente quando a intensidade do fogo foi aquela que se verificou”, disse, apontando o caso da A13, onde as chamas passaram de um lado para o outro.

O presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos, que responde por dois crimes de homicídio por negligência e um crime de ofensa à integridade física por negligência grave, adiantou que, naquele ano, houve até um aumento no número de limpezas previstas: “Naquele ano, houve um aumento brutal a nível de limpeza de hectares em relação a 2016″.

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Arguido garante EN 236-1 foi limpa uma semana antes do fogo, mas árvores ficaram porque estavam estáveis

Dias 5, 6 e 7 de junho de 2017. Nestes dias da semana anterior ao incêndio de Pedrógão Grande as bermas da Estrada Nacional 236-1, onde morreu a maioria das vítimas da tragédia, foram limpas. Foi pelo menos o que garantiu em tribunal Rogério Mota, um dos três arguidos funcionários da concessionária Ascendi. Só que essa limpeza foi feita numa faixa de cinco metros e não de 10 como estava previsto por lei. Quanto a isso, o chefe do Centro de Assistência e Manutenção da Grande Lisboa e da concessão do Pinhal Interior justificou que apenas coordenava e garantia o cumprimento de um contrato que previa os cinco metros.

— Em 2017, o contrato estava a ser cumprido? — questionou a juíza.

— Sim, com realce para o dia 5, 6 e 7 de junho — respondeu.

Mas a procuradora da República Ana Mexia quis confrontar o arguido com imagens da EN 236-1 onde se viam “árvores que rodeiam as estradas”. “Mesmo tomando o critério dos cinco metros, nem sequer isso estava a ser feito”, afirmou. O arguido explicou que “o trabalho era feito no âmbito da segurança rodoviária” e, por isso, na faixa de cinco metros apenas eram cortadas “árvores em mau estado” — as restantes, ficavam. “Todas as árvores que se encontravam no local apresentavam boa estabilidade”, detalhou.

Sete arguidos em silêncio e 50 pessoas numa sala. Um início atribulado do julgamento do “tsunami” de Pedrógão Grande

Funcionário da Ascendi acusa comissão executiva de ignorar avisos para limpar bermas da EN 236-1: “Não podia fazer mais”

2007, 2008, 2010, 2012. António Ugo Berardinelli vai elencando os anos em que chamou “a atenção da comissão executiva” da empresa para a qual trabalha e que tem a subconcessão da EN 236-1. O alerta era este: era necessário garantir uma faixa de pelo menos 10 metros sem vegetação nas bermas da estrada, como estava previsto por lei. Mas o funcionário, ouvido na manhã desta terça-feira em tribunal, acusou a comissão executiva de não só ignorar os seus avisos, como mandar manter apenas uma faixa de cinco metros: “Limitei-me a cumprir”

Não cabia a mim mandar fazer uma prestação de serviços para cortar 10 metros. Era impossível. Não podia fazer mais nada do que as chamadas de atenção que fiz”, afirmou.

O diretor da Operação e Manutenção explicou que avisou a empresa quando ele próprio foi alertado por vários municípios para a necessidade de haver uma faixa de 10 metros juntos às estradas. Logo em 2007 fez uma “informação interna” onde pedia à empresa contratada pela Ascendi para fazer a manutenção da floresta que “apresentasse uma proposta para fazer uma faixa de 10 metros” em todas as estradas concessionadas. “Foi decidido que se mantinha a situação existente três metros“, disse.

Em 2010, quando a Ascendi ganhou a concessão da EN 236-1, foi decidido pela empresa que ali as bermas deveriam ter cinco metros — e não três como nas restantes —, segundo contou. “Não cabia a mim, nem tinha competências para dizer que era para cortar cinco ou 10”, afirmou. Ainda assim, em 2012, Berardinelli diz que voltou a pedir uma nova proposta para cortar 10 metros. “Foi dada instruções pela comissão executiva que era para manter a situação dos cinco metros no Pinhal Interior e de três metros nas restantes estradas“, explicou, acrescentando:  “A posição manteve-se sempre como estava”.

Quase quatro anos depois dos incêndios — quatro anos onde cabe uma acusação do Ministério Público, uma fase de instrução e recursos para tribunais superiores —, onze arguidos começam a ser julgados no Tribunal de Leiria para serem julgados por centenas de crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física também por negligência.

Terão falhado na limpeza de terrenos e impedido o corte da EN 236-1. De quem é a culpa da tragédia de Pedrógão Grande?

Na lista de pessoas que vão a julgamento há dois responsáveis da EDP acusados de não terem acautelado a criação das faixas de limpeza junto a uma linha de média tensão — que teve uma descarga elétrica de causa não apurada que desencadeou o incêndio; cinco autarcas: três da Câmara de Pedrógão Grande, mas também de Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos, a quem são apontadas falhas na limpeza dos terrenos junto a estradas; dois responsáveis da concessionária Ascendi Pinhal Interior acusados também de falta de manutenção das estradas; e um comandante dos bombeiros que, para a investigação e para os tribunais que decidiram levá-lo a julgamento, impediu a “salvaguarda daquelas povoações e populações”, tendo omitido informações que poderiam ter levado ao corte da estrada onde morreram 47 pessoas.