O Hospital de São João, no Porto, registou um aumento de procura do Serviço de Urgência superior ao período pré-pandemia de Covid-19, sendo que em média 35% da afluência não correspondia a reais episódios de emergência, foi esta quinta-feira revelado.

“Em alguns dias foram 40% [os episódios que não correspondiam a uma real emergência]. A média geral é de 35%. Isto significa ter mais de 150 doentes por dia a entrar no Serviço de Urgência quando não deviam”, referiu o diretor da Unidade Autónoma de Gestão (UAG) de Urgência e Medicina Intensiva do Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ), Nelson Pereira.

Os dados foram dados aos jornalistas à margem do debate “Reforma dos Serviços de Urgência no Pós-Pandemia”, promovido pelo CHUSJ em parceria com o Porto Canal, que decorreu esta quinta-feira de manhã neste centro hospitalar do Porto.

De acordo com o responsável, nas últimas duas semanas a média registada no Serviço de Urgência do CHUSJ foi superior a 500 doentes por dia, quando a média de 2019 foi de 460.

Estamos acima do pré-pandemia. É com se tivéssemos recuperado hábitos perniciosos antigos e ainda por cima tivéssemos pior do que estávamos antes. Isto gera disrupções nos serviços. Uma grande parte dos doentes são não urgentes, têm situações clínicas que não justifica a observação no Serviço de Urgência”, disse Nelson Pereira.

Salvaguardando que “nada move” os médicos do Serviço de Urgência “contra as pessoas que recorrem ao serviço sem dele realmente necessitarem”, Nelson Pereira referiu que “o foco tem de estar nos doentes que efetivamente têm condições graves”.

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“Não queremos fechar a porta. Queremos acolher e conduzir a outro local”, disse Nelson Pereira, explicando o motivo de defender a reforma dos serviços de urgência em Portugal, uma reforma que “não se faz de um dia para o outro”, admitiu.

Se dúvidas houvesse sobre a criticidade da rede de urgência na organização geral do sistema de saúde em Portugal, a pandemia veio realçar isso. A necessidade de reforma vem de muito longe”, defendeu.

Regulação do acesso, qualificação dos profissionais, criação de equipas dedicadas nos Serviços de Urgência, bem como da especialidade da Medicina de Urgência são alguns dos aspetos que Nelson Pereira diz serem fundamentais para melhorar este serviço.

Mas para avançar com a reforma dos serviços de urgência, o médico do Hospital de São João admite que é necessária também “coragem para dizer às pessoas a que ponto da rede devem ir”, o que “não é fácil do ponto de vista organizacional e político”.

“Não se justifica num país como o nosso que entrem doentes no serviço de urgência que não venham referenciados do exterior por um outro parceiro do sistema. A média de tempo para atendimento do 112 é cinco segundos. [A Linha] SNS 24 durante a pandemia teve momentos de dificuldade, mas normalmente não há dificuldades de acesso. Isto em articulação com os cuidados de saúde primários”, descreveu Nelson Pereira.

O diretor da UAG de Urgência e Medicina Intensiva do CHUSJ considerou que é necessário “garantir que diferentes níveis de gravidade são vistos em diferentes níveis do sistema” porque do seu ponto de vista “não há razão nenhuma para que alguém vá pelo próprio pé [ao serviço de urgência] se a desculpa para ir pelo próprio pé é não ter feito uma chamada telefónica”. “Se tirarmos do Serviço de Urgência os doentes que não têm situações urgentes, vamos prestar melhores cuidados aos que realmente precisam”, defendeu.

Nelson Pereira participou neste debate ao lado do presidente do INEM, do bastonário da Ordem dos Médicos e da diretora executiva do Agrupamento de Centros de Saúde Porto Oriental, enquanto na audiência estava a presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina de Urgência e Emergência.

Em declarações aos jornalistas à margem da sessão, Adelina Pereira também defendeu que a ida às urgências deve passar pela referenciação prévia. “É preciso capacitar as pessoas e ensiná-las. Se começarem a ver que quando vão à urgência são vistas só nas situações agudas, percebem que nas outras [situações] são encaminhadas para os locais próprios. Este processo acontece por aprendizagem. Tem é de começar”, defendeu.