Um dos meus memes preferidos de toda a internet, por me rever como num decalque em papel vegetal, é aquele que diz “esta reunião devia ter sido um e-mail”. Refere-se a todas as vezes que fomos inutilmente arrastados para reuniões de horas, mais redundantes que as rotundas de Viseu, quando afinal meia dúzia de linhas tinham arrumado a questão. É isso que fica depois desta temporada de “Master Of None”, mesmo tendo apenas cinco episódios: esta série podia ter sido um telefilme. Curtinho.
“Master Of None” surgiu originalmente em 2015 como o grito do Ipiranga criativo de Aziz Anzari, até então comediante de stand up e ator da sitcom de sucesso “Parks And Recreation”. Foi um dos primeiros grandes sucessos produzidos em exclusivo para a Netflix, conquistando o público e amealhando uma jeitosa vitrine de Emmys e Globos de Ouro. A segunda temporada, de 2017, continuou como uma série de humor, mas abraçando uma vertente mais melancólica e mostrando o interesse crescente de Anzari, cada vez mais imerso na realização dos seus próprios episódios, pelo cinema italiano. Ao longo de duas temporadas robustas os espectadores apaixonaram-se por Dev, um ator nova-iorquino à procura de trabalho e de um relacionamento. A segunda season acabou com uma dúvida: teria Dev encontrado ou não o amor junto de Francesca, uma italiana comprometida com um amigo?
[o trailer da nova temporada de “Master of None”:]
Quatro anos se passaram, nos quais muito se especulou sobre se “Master Of None” voltaria para uma terceira vaga e saciar a curiosidade deixada no ar. Entretanto, duas calamidades: uma pandemia mundial e um problema pessoal. Anzari foi apanhado na onda do Me Too, depois de uma mulher o ter acusado de má conduta sexual durante um encontro – algo que o ator nega, dizendo que tudo foi consensual. Apesar de ter purgado essa polémica no seu especial de stand up “Right Now” (de 2019), o que é certo é que quase desapareceu da vida pública. Talvez isso explique que na terceira temporada de “Master Of None” (que realizou na totalidade e co-escreveu com Lena Waithe), o personagem Dev apareça apenas durante escassos minutos.
Estamos aqui perante a primeira opção questionável desta nova temporada: não é o “Master Of None”, é outra coisa. O subtítulo “Moments In Love” não chega para distanciar à partida espectadores entusiasmados por retomarem contacto com uma série da qual gostam (gostavam?). Nem se pode propriamente dizer que é um spin off. Dev mal aparece, o humor deixa de ser o mote (não há uma única piada no guião, talvez uma ou outra conversa mais cáustica) e de repente estamos nas agruras da sua melhor amiga (Denise, interpretada por Waithe) e da sua mulher (Alicia, desempenhada por uma Naomi Ackie, a melhor parte desta temporada). É mesmo completamente outra série, como se o sono pós-jantar nos tivesse feito carregar no menu errado da Netflix.
A história deste casal de lésbicas, da sua demanda por um filho e a consequente implosão da relação tem potencial de interesse, nem que seja por permitir abordagens menos exploradas. Nem é isso que está em causa. O grande problema aqui é que é como se nos prometessem uma temporada nova do “Breaking Bad” e de repente fosse uma série de ficção científica sobre o Mike no qual Walter White aparecia durante uns sete minutos ao todo. São expectativas defraudadas. E só sobreviveríamos a essa sensação de desilusão se, na premissa a que se propõe, esta terceira temporada fosse ótima. E está, infelizmente, longe de o ser.
Não bastam personagens com potencial aliadas a uma boa estética quando tudo o resto é uma deriva na qual tentamos a todo o custo encontrar um interesse que simplesmente não está lá. Os episódios são desiguais, quer na duração (tanto podem ter 20 minutos como 50), quer na qualidade. É uma história que merecia ser contada, mas talvez não nestes moldes de experiência masturbatória. Mal comparado, é como “Princípio, Meio e Fim” de Bruno Nogueira – algo que foi feito porque o comediante que assinou contrato já tem tal estatuto que pode fazer o que lhe apetece, inconsequentemente, egoistamente. Naomi Ackie (que faz de Alicia) é uma óptima actriz que merece ficar debaixo de olho, mas nem isso não chega para lhe sentirmos as dores em episódios que se demoram no acessório e fogem do essencial. É tudo estética, tudo Ansari a mostrar que assina a newsletter da Cahiers du Cinéma. Mas espremido, fica muito pouco.
Esta terceira temporada parece fruto de um braço de ferro com a Netflix que Azari claramente ganhou: se querem de volta “Master Of None” (algo que o ator/guionista/realizador já tinha dito repetidamente que dificilmente aconteceria), então aceitam que quero fazer outra coisa e podemos simplesmente dar-lhe o nome que as pessoas já conhecem. O resultado é uma experiência desapontante, como quando abrimos uma lata de bolachas em casa da avó e estão lá dentro agulhas e carrinhos de linhas. O agregador de reviews Rotten Tomatoes bem o comprova: a temporada tem a nota de 84 por cento junta da crítica especializada (por certo devido à estética e compasso cinematográficos, mas mesmo assim longe do 100 que chegaram a ter em temporadas anteriores), mas apenas 42 por cento junto do público.
“Master Of None” regressou de surpresa, tendo sido filmado em sigilo e sendo a estreia divulgada sorrateiramente escassas semanas antes. Talvez tivesse sido útil lembrarem-se, algures no processo, que não é suposto as surpresas serem aborrecidas.
Susana Romana é guionista e professora de escrita criativa