A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) deverá debater, na cimeira em julho, “um apoio mais efetivo” a Moçambique quanto à violência em Cabo Delgado, disse à Lusa o embaixador de Cabo Verde, país que preside atualmente à organização.

“Admito como natural que, pela pertinência do tema e pela conjuntura temporal que vivemos, que essa questão [ataques em Cabo Delgado] seja abordada na cimeira, numa perspetiva de procurar corresponder de uma forma mais eficiente às aspirações de Moçambique no seu justo e legítimo combate contra o terrorismo”, afirmou Eurico Monteiro em declarações à Lusa.

O diplomata considerou que “é natural” que a próxima conferência de chefes de Estado e de Governo da CPLP, marcada para 16 e 17 de julho em Luanda, Angola, “se empenhe em procurar criar condições para que a solidariedade seja mais efetiva e corresponda realmente às expectativas das autoridades moçambicanas”.

Eurico Monteiro sublinhou que a organização da próxima cimeira já é da responsabilidade de Angola, país anfitrião e que sucederá a Cabo Verde na presidência da CPLP, e por isso cabe àquele país a decisão final da agenda.

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Porém, o diplomata adiantou que “é de prever que sejam discutidas questões políticas pertinentes” como é habitual nas cimeiras, e que entre estas esteja “a da violência e ataques terroristas em Cabo Delgado”.

“Sobretudo numa perspetiva de se fazer todos os possíveis para reforçar o apoio às autoridades moçambicanas na sua luta muito séria contra o terrorismo”, frisou, podendo eventualmente serem equacionadas formas “de tornar este apoio mais efetivo e mais útil” para Moçambique.

Assim, segundo o embaixador, pode haver grupos técnicos, que, “mesmo antes da cimeira”, possam estudar essas formas de apoio, não querendo, porém, adiantar quais.

Já no início de maio, o ministro dos Negócios Estrangeiros de Cabo Verde tinha adiantado, em entrevista à Lusa, que a CPLP tinha decidido enviar uma delegação a Moçambique, face à crise militar e humanitária em Cabo Delgado.

“As autoridades moçambicanas já disseram, claramente, que agradecem e estão cientes daquilo que podem obter da comunidade internacional, especialmente dos países de língua portuguesa, da nossa comunidade”, adiantou Rui Figueiredo Soares, que preside ao Conselho de Ministros da CPLP.

A data da realização desta visita ainda não está marcada, tendo os embaixadores da CPLP proposto que ocorra em junho, antes de terminar a presidência cabo-verdiana da organização.

“Todos nós, países amigos, especialmente os da comunidade, estaremos disponíveis para responder às necessidades do Governo moçambicano nesta matéria”, frisou, então, o chefe da diplomacia cabo-verdiana.

Grupos armados aterrorizam Cabo Delgado desde 2017, sendo alguns ataques reclamados pelo grupo ‘jihadista’ Estado Islâmico, numa onda de violência que já provocou mais de 2.500 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED, e 714.000 deslocados, de acordo com o Governo moçambicano.

Um ataque a Palma, junto ao projeto de gás em construção, a 24 de março provocou dezenas de mortos e feridos, sem balanço oficial anunciado.

As autoridades moçambicanas anunciaram controlar a vila, mas o ataque levou a petrolífera Total a abandonar o recinto do empreendimento que tinha início de produção previsto para 2024 e no qual estão ancoradas muitas das expectativas de crescimento económico de Moçambique na próxima década.

Conferência empresarial à margem da cimeira depende da pandemia

A realização de uma conferência empresarial à margem da cimeira da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), em julho em Luanda, está condicionada à forma como evoluirá a pandemia de covid-19, disse fonte diplomática.

A CPLP tinha “a ideia de poder organizar um evento de caráter económico ou empresarial por ocasião da cimeira”, afirmou em declarações à Lusa o embaixador de Cabo Verde, país que terá, até julho, a presidência rotativa da organização, mas a realização desta poderá ficar comprometida por causa da pandemia.

“Esta hipótese está a ser levantada com cuidado, porque estamos em tempo de pandemia, e não se sabe, nestes dois meses, qual o comportamento do vírus, se estaremos numa situação de baixa ou mais aguda”, explicou Eurico Monteiro.

Para o embaixador, o fator pandemia “é claro que pode condicionar o formato da própria cimeira”, a realizar em Luanda nos dias 16 e 17 de julho. “Pode tornar as coisas mais restritas, mais fechadas” e não permitir “todos os eventos” que a organização gostaria de realizar, como a conferência empresarial, admitiu.

Por isso, só depois da primeira quinzena de junho “haverá uma ideia mais concreta” sobre a agenda, sublinhou.

Porém, há temas que o representante da presidência cabo-verdiana em Lisboa apontou já como quase certos na conferência de chefes de Estado e de Governo dos nove estados-membros da comunidade.

Um deles será o debate de nível político do programa de adesão da Guiné Equatorial, o mais recente Estado-membro.

“É natural que seja objeto de apreciação, como um elemento muito importante no quadro da CPLP”. Assim, na cimeira deverá procurar “saber-se até que ponto este programa está a ser realizado e também os efeitos e vantagens que, eventualmente, esteja a trazer para a Guiné Equatorial e para a CPLP”, afirmou.

A antiga colónia espanhola, governada há 42 anos pelo Presidente Teodoro Obiang, é um país rico em recursos, mas com largas franjas da população abaixo do limiar da pobreza.

O país integrou a CPLP em 2014, assumindo então um programa que tinha como um dos principais compromissos a abolição de pena de morte, que até hoje permanece no ordenamento jurídico nacional, apesar de estar em vigor uma moratória desde a adesão de Malabo à organização.

A Guiné Equatorial assegurou, em março deste ano nas Nações Unidas, que o novo Código Penal, a aprovar pelo parlamento, acaba com a pena de morte, mas juristas equato-guineenses defendem que não garante a abolição e reclamam mudanças legislativas mais amplas.

Outro dos pontos da agenda da reunião de Chefes de Estado e de Governo da CPLP será a discussão e aprovação da proposta da mobilidade, a principal bandeira da presidência cabo-verdiaana.

Trata-se de uma proposta que oferece um modelo de “geometria variável” e absolutamente flexível e que comporta vários níveis de mobilidade, bem como diferentes velocidades de implementação, segundo têm explicado os vários responsáveis pelo projeto.

“O que nos une é a circunstância de termos o mínimo de mobilidade dos cidadãos dos Estados-membros”, realçou o diplomata cabo-verdiano, na altura em que ficou concluído o texto para ir à XV reunião extraordinária do Conselho de Ministros da CPLP, que decorreu em março, por videoconferência, e na qual foi aprovada a proposta.

O novo regulamento dos países observadores associados, “poderá, com elevada probabilidade”, ser também discutido neste próximo encontro de chefes de Estado e de Governo, apesar de não ter tido luz verde na última reunião do comité de concertação permanente da organização, que se realizou na última quinta-feira.

O documento está a ser trabalhado no sentido de os observadores associados [atualmente são 19] ganharem um papel mais ativo na organização, sobretudo ao nível da cooperação, referiu o diplomata.

À próxima cimeira deverão ir, para aprovação, mais 13 processos de candidatura a observadores associados da CPLP, entre estes os de Estados Unidos da América e Espanha.

Por último, deverá ocorrer durante a cimeira “a nomeação e eventualmente a tomada de posse do novo secretário-executivo da CPLP”, o timorense e antigo ministro dos Negócios Estrangeiros de Timor-Leste, Zacarias Albano da Costa, e que sucederá ao português Francisco Ribeiro Telles.

O embaixador Francisco Ribeiro Telles deveria ter terminado o seu mandato de dois anos em dezembro de 2020, mas prolongou-o, a pedido da presidência cabo-verdiana, que também aceitou estender o seu próprio mandato até à cimeira de Luanda, depois do pedido de Angola, para que se adiasse esse encontro de alto nível para julho de 2021, devido à situação pandémica.

A cimeira de Luanda deverá ainda decidir qual o Estado-membro da CPLP que assumirá a presidência da organização depois de Angola, que a partir de julho deste ano estará na liderança.

“Não há nenhuma ideia” sobre que país assumirá a presidência depois dos dois anos de Luanda, indicou o diplomata.

Praticamente dada como certa está também, segundo Eurico Monteiro, a entrega do prémio Aparecido de Oliveira (o prémio CPLP) ao Presidente da República português, Marcelo Rebelo de Sousa, que ocorrerá durante os dois dias de cimeira em Luanda.

A conferência, constituída pelos chefes de Estado e/ou de Governo de todos os Estados-membros, é o órgão máximo da CPLP e compete-lhe definir e orientar a política geral e as estratégias da CPLP, adotar instrumentos jurídicos necessários para a implementação dos presentes Estatutos, podendo, no entanto, delegar estes poderes no Conselho de Ministros.

A última, a XII Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP, realizou-se em 2018, em Cabo Verde, país que assumiu então a presidência rotativa da organização.

Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste são os Estados-membros da CPLP.