O governo de Angola e a Câmara de Comércio dos Estados Unidos da América (EUA) em Angola sublinharam esta segunda-feira que existe uma necessidade de “reconectar” o continente africano com o americano para sarar o passado trágico da escravatura.

O ministro das Relações Exteriores de Angola, Téte António, disse, na conclusão de um webinar sobre o Legado da Escravidão para os Africanos e Afro-Americanos, que se pretende um “alicerce para a criação de uma maior sinergia e aproximação entre Angola” e os “irmãos americanos”. Téte António sublinhou a vontade da parte de Angola para uma “cooperação estreita e aprofundada em áreas-chave tais como agroindústria, educação, saúde, turismo, serviços”, entre outros.

As declarações foram feitas no final de uma reunião híbrida (virtual e presencial) realizada a partir de Luanda e Washington, em que o diretor executivo da Câmara de Comércio dos EUA em Angola, Neil Breslin, também sublinhou que uma maior aproximação entre os dois países pode abrir as oportunidades que existem em Angola para investidores americanos.

Com o “espírito” de “dois continentes, um povo”, Neil Breslin recordou que existem estudos que mostram que “até 25% dos americanos que se identificam como descendentes de africanos, podem ser potencialmente de Angola” e que, assim, o número de americanos com raízes angolanas pode chegar a 12 milhões de pessoas.

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O ministro da Cultura, Turismo e Ambiente, Jomo Fortunato, lembrou que o comércio de escravos, “maior tragédia da história da humanidade, pela sua duração, amplitude, crueldade e acentuada exploração”, foi iniciado nos EUA em 1619, com a chegada forçada de 20 angolanos à localidade de Jamestown, em Virgínia.

O professor Fernando Manuel, docente da Academia Diplomática do Ministério das Relações Exteriores, considerou que a chegada dos primeiros 20 angolanos aos EUA foi um “tesouro guardado há muito tempo a sete chaves, agora descoberto graças à aproximação” entre os dois países.

O ministro da Cultura, Turismo e Meio Ambiente declarou que “tudo indica” que as relações diplomáticas entre Angola e EUA iniciadas em 1993 “ainda não exploraram aspetos histórico-culturais que unem estes povos e países há quatro séculos”, mas merecem uma “ampla divulgação e promoção”. “A cooperação bilateral, sobretudo entre instituições culturais e de investigação científica afigura-se importante”, declarou Jomo Fortunato.

Para o embaixador de Angola nos Estados Unidos da América, Joaquim do Espírito Santo, o “bom momento” nas relações entre os dois países pôs fim ao “ciclo de tragédia e injustiça”, para abrir portas a “um relacionamento de liberdade e esperança”.

Angola foi uma das principais zonas de exportação de escravos de África, pela ação dos colonizadores portugueses, recordou o diretor do Museu Nacional da Escravatura, Vladimiro Fortuna.

Wanda Tucker, norte-americana descendente dos primeiros angolanos chegados como escravos aos EUA há 402 anos, destacou que o conhecimento dos afro-americanos sobre a escravatura limita-se à narrativa dos colonizadores europeus mas esquece o impacto que a escravatura teve nas vítimas e povos africanos. A docente universitária disse que essa narrativa deixa de lado “muito contexto, história, conhecimento sobre os angolanos escravizados” e “toda a riqueza” sobre o passado dos seus descendentes angolanos.

Quando visitou Angola, há alguns anos, Wanda Tucker ficou encantada e surpresa com a riqueza cultural que desconhecia e ficou marcada com uma frase de um líder de aldeia no município de Calandula. “Quando perguntei que mensagem tem para a minha família nos Estados Unidos”, contou a descendente de angolanos, o líder da aldeia “pediu para dizer-lhes: ‘vocês têm familiares cá'”. “Fiquei chocada”, acrescentou ainda Wanda Tucker: “Eles nunca se esqueceram de nós [descendentes de africanos na América], mas nós esquecemo-nos deles”, lamentou.