Morreu Carlos Ferreira, o homem que carregando uma enorme bandeira portuguesa, e vestido de empregado de mesa, desfilou sozinho na Avenida da Liberdade, em 2020, no dia 25 de Abril, quando as comemorações tinham sido canceladas. Com 73 anos, aquele que se tornou num quase símbolo da efeméride da revolução em tempos de pandemia, foi vítima de um AVC na segunda-feira, pelas 18h00, no Hospital São Francisco Xavier, confirmou o Observador junto de fonte hospitalar e familiar.

Era conhecido pelos amigos e colegas de trabalho como o “Povo”: “Estava sempre a dizer que o povo é que ordena e que nós povo podemos tudo, então a gente chamava-o de povo”, conta ao Observador um colega de mais de 30 anos no Hotel Tivoli, em Lisboa, na Avenida da Liberdade.

A sua vida esteve sempre ligada à política mas nunca na linha da frente. Era o sócio número 4.362 da Associação 25 de Abril e foi durante muitos anos militante do MRPP. Contam-nos os seus amigos que Carlos tinha uma admiração quase inexplicável por Acácio Barreiros, um socialista que foi deputado desde 1976.

Outras das grandes paixões de Carlos Ferreira era o seu trabalho enquanto empregado de um dos hotéis mais emblemáticos da capital. “Carlos conseguia pôr um sorriso na cara até à figura pública sisuda. Ele tinha gosto em ver as pessoas felizes e a sorrir”, conta ao Observador outro colega.

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Durante muitos anos, “até a vida lhe dar saúde”, participou na Corrida São Silvestre de Lisboa. “Correr era das coisas que mais gostava de fazer, correr e comprar ténis para o fazer”, explica um amigo. Mas sempre com uma particularidade: Carlos correu anos naquela prova vestido da mesma forma que subiu a avenida: a rigor, de blazer branco e calças pretas.

Casado há mais de 40 anos, e pai de um filho com quem não mantinha qualquer ligação, viu-se obrigado a separar-se da sua mulher há pouco mais de dois anos quando esta foi transferida para um lar de idosos perto de Fátima. Carlos ia lá todos os meses, de autocarro (não tinha carta nem carro) para ver o seu “amor maior”, como a tratava desde sempre.

O homem que desfilou sozinho na avenida de bandeira e saco na mão: “Não me canso de fazer homenagem a uma coisa bem feita”