Para Barack Obama, o novo Presidente dos Estados Unidos da América e a administração que Joe Biden lidera estão a fazer um trabalho de continuidade — não em relação ao mandato anterior, de Trump, mas em relação às políticas públicas adotadas previamente pela administração do próprio Obama. É esta a posição do antigo presidente dos EUA, dada em entrevista ao The New York Times, que antevê ainda “sucesso” da atual administração.

Acho que o que estamos a ver agora é que o Joe [Biden] e a sua administração estão essencialmente a acabar o trabalho. Noventa por cento dos tipos que estavam lá, na minha administração, estão a continuar, a dar seguimento às políticas (…) Se tiverem sucesso nos próximos quatro anos, e acho que terão, isso terá impacto”, referiu.

Na longa entrevista, em que faz uma reflexão sobre “os sucessos e os erros” da sua administração, Barack Obama falou de vários temas: da ascensão do ultraconservadorismo e do Tea Party, que se intensificaram durante a sua Presidência e que culminaram na eleição de Donald Trump como presidente dos EUA, à maneira mais eficaz de lidar com opositores políticos, passando pelo impacto do homicídio de George Floyd por um polícia norte-americano. Abordou ainda o combate à Covid-19, a economia e o mandato de Trump (e as mudanças que provocou na política americana).

Se há coisa por que Barack Obama não se sente responsável é pelo surgimento e eleição de Trump como Presidente dos EUA, disse na entrevista: “Parece ser de alguma forma da ordem da natureza das coisas que qualquer movimento significativo de progresso social [como o que considera ter liderado quando foi Presidente], particularmente dos aspetos de progressos sociais que se relacionam com identidade, raça e género (…) invariavelmente deem origem a alguma energia do outro lado, de pessoas que se sentem ameaçadas pela mudança”.

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Obama e o elogio à política de compromisso: em vez do ataque, o diálogo

Um dos temas mais abordados por Obama na entrevista ao The New York Times passou mesmo pelo crescimento que se verificou durante os seus dois mandatos como presidente dos Estados Unidos da América de uma tendência especialmente conservadora do Partido Republicano.

Lembrando que escreveu “de forma extensa sobre o crescimento do Tea Party” no livro de memórias que publicou recentemente — no qual não recorda o seu vicepresidente Joe Biden de forma especialmente elogiosa — , Barack Obama assume que Sarah Palin, candidata a vicepresidente do republicano John McCain na corrida presidencial de 2008 (que Obama ganhou), foi “o protótipo para as políticas que levaram ao Tea Party e que, por sua vez, acabaram por culminar em Donald Trump e no que ainda hoje [pós-Trump] estamos a ver”.

Criticado por uma ala mais à esquerda e acusado de não ter sido especialmente veemente na denúncia vigorosa desse movimento ultraconservador que crescia, Obama defende-se e reclama os louros de uma política de compromisso: “Houve momentos em que denunciar as coisas ter-me ia dado uma grande satisfação pessoal. Mas não teria necessariamente vencido politicamente, no que respeita a conseguir com que uma lei fosse aprovada”.

Muitas vezes, usava este raciocínio para medir o que devia dizer: é mais importante dizer neste exato momento uma verdade elementar, histórica, por exemplo, sobre o racismo que existe nesta altura na América, ou é mais importante conseguir passar uma lei que garante a muitas pessoas cuidados de saúde que antes não tinham?”, questionou, retoricamente.

Barack Obama admite que alguns “apoiantes” seus poderão ter “ficado frustrados” por não ter sido “tão direto sobre certas coisas” como poderia ter sido noutras circunstâncias — nomeadamente, caso não fosse Presidente dos EUA. Mas defende, em contrapeso, o seu legado político e o que conseguiu fazer dialogando com os adversários políticos: “Temos toda uma geração que cresceu e pode tomar por garantido, por exemplo, que uma família negra esteja na Casa Branca e que essa administração pode ser competente, ter integridade e não ser alimentada com escândalos”.

Refere Barack Obama, a dada altura, sobre os possíveis efeitos prejudiciais de os políticos se colocarem em trincheiras e não serem capazes de dialogar com os seus oponentes: “Se se diz que 30% do país está irremediavelmente errado, vai ser difícil conseguir-se governar”.

Notando que considera que o Partido Democrata tem evoluído para se tornar “mais empático, mais cuidadoso e mais inteligente por necessidade”, Obama defende: “Temos de pensar num leque mais alargado de interesses e de pessoas. Essa é a minha visão de como a América pode funcionar melhor e aperfeiçoar a sua união e coesão. Não nos podemos dar ao luxo de consignar um grupo de pessoas e dizer: vocês não são verdadeiros americanos. Não podemos fazer isso”.

Antigo Presidente desvaloriza resultados de Trump na economia

Os políticos têm vindo a usar cada vez mais, nos últimos anos, a ferramenta das redes sociais para disseminar as suas mensagens e arregimentar apoiantes — uma estratégia que, por exemplo, foi especialmente adotada por Trump, que recorreu muito ao Twitter, mas que já começara antes, com Barack Obama. Para o antigo Presidente dos EUA, há uma grande diferença:

Acho que ninguém me acusaria de criar controvérsia simplesmente pela controvérsia. O entusiasmo que trouxe deveu-se a tentar contar uma história da América onde poderíamos todos começar a trabalhar juntos e ultrapassar parte do nosso trágico passado. E, assim, avançarmos e construirmos uma noção de comunidade mais forte. Acontece que essas coisas entusiasmaram as pessoas”, refere.

O antigo presidente dos EUA abordou ainda o facto de Donald Trump ter, ao longo dos seus anos como Presidente, conseguido uma popularidade superior à esperada junto da população negra e das comunidades minoritárias dos Estados Unidos da América pelo sucesso económico conseguido nos seus anos como Presidente.

A economia é uma das áreas em que o trabalho de Obama como Presidente é mais questionado, por contraponto aos louros que são dados a Donald Trump nessa área. Para Obama, Trump não tem grande mérito pela melhoria económica conseguida nos anos do seu mandato: “Essencialmente interrompeu a continuidade” das políticas públicas anteriores, mas “beneficiou de estabilidade económica e do crescimento que começámos”.

Reconhecendo que a taxa de desemprego chegou a estar a 3,5% nos anos Trump, Obama contrapõe: “Poderia defender, e sei que muitos economistas que conheço sugeririam o mesmo, que a maior parte desses resultados não tiveram nada a ver com as políticas de Donald Trump, mas antes com o facto de termos colocado a economia num caminho da mais longa recuperação e criação sustentável de empregos em período de paz da história americana”.

Trump, defende Obama, apareceu a seguir e colheu os frutos (económicos) das políticas públicas democratas. “Mas se se for um votante normal pensar-se-á: bom, parece que as políticas públicas republicanas estão a funcionar para o meu lado, de alguma forma, o que provavelmente explica porque é que o Trump foi capaz de conseguir alguns ganhos — modestos, sobrevalorizados, mas existiram —, por exemplo, votantes que não são brancos e que sentiam que estavam a trabalhar e a ganhar decentemente naqueles anos”.

As lições tiradas de desastres foram também um ponto abordado. Obama referiu, por exemplo, a pandemia da Covid-19. “Há um momento que nos pode ensinar algo”, notou, criticando a obsessão com o défice do Governo federal e todo o stress acumulado durante 30 anos face à dívida pública quando “milhões de pessoas estão em sofrimento”. Conclusão do antigo presidente dos EUA: “Talvez não seja uma forma inteligente de pensar, quando pensamos sobre a nossa economia”.

Também na gestão da pandemia Barack Obama reserva críticas a Trump: “Acho que é justo dizer: relativamente à pandemia e às vacinas, entre as administrações George W. Bush, Bill Clinton, George H.W. Bush ou Obama poderiam existir diferenças em termos de eficácia ou de quão bem os programas [por exemplo, de vacinação] poderiam ser conduzidos. Mas é difícil imaginar uma administração Republicana anterior [à de Trump] a ignorar completamente a ciência, certo?”.

Já sobre o racismo, Obama lembrou o homicídio de George Floyd por um polícia norte-americano: “Acho que abriu os olhos das pessoas para o quão incompleto está neste país o processo de avaliação e cálculo do que aconteceu no que respeita à raça”.