O diretor do novo Observatório Fiscal da União Europeia (UE) considera que o espaço comunitário ainda “tem um longo caminho a percorrer” para garantir equidade fiscal, nomeadamente para os cidadãos, defendendo taxação sobre os lucros das multinacionais. Um relatório divulgado dá conta que Portugal poderia arrecadar 600 milhões de euros este ano se taxasse os lucros das multinacionais a 25%, enquanto a União Europeia receberia perto de 170 mil milhões de euros.

“(A UE) tem um longo caminho a percorrer porque o ponto de partida é — e é isso que acho entusiasmante neste projeto — uma situação em que a harmonização fiscal aumentou muito pouco” nos últimos anos, afirma à agência Lusa em Bruxelas o diretor do Observatório Fiscal da UE, Gabriel Zucman.

“Fizemos enormes progressos em termos de criação de um mercado único e de uma moeda única, mas na área da fiscalidade foi feito muito pouco e tudo precisa de ser construído”, acrescenta o responsável, nestas declarações dadas à Lusa no dia em que o observatório é oficialmente lançado em Bruxelas.

Segundo o economista francês e também professor na universidade da Califórnia, a UE ainda tem de “construir os seus instrumentos e os processos de tomada decisão” para garantir equidade fiscal, nomeadamente na taxação às multinacionais como “gigantes” tecnológicas.

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“Há muito a ser feito”, admite.

E é para isso que surge o Observatório Fiscal da UE, de acordo com Gabriel Zucman: “Temos dois objetivos. Um é realizar investigação ao mais alto nível científico internacional sobre fiscalidade, com enfoque na evasão fiscal das empresas e em potenciais soluções para estes problemas. E o segundo é sugerir propostas concretas para reconciliar a globalização e a integração económica europeia com a progressividade e a justiça fiscal”.

Além disso, segundo o responsável, o observatório visa “contribuir para um debate mais informado e democrático sobre a tributação na UE”, porque “as pessoas preocupam-se muito com estas questões”.

“Mas para que a tributação seja sustentável e funcione bem é realmente importante que seja justa e que tenhamos uma boa noção de quem paga o quê e como”, alerta Gabriel Zucman.

Portugal arrecadaria 600 milhões em 2021 se taxasse multinacionais a 25% e UE 170 mil milhões

Portugal poderia arrecadar 600 milhões de euros este ano se taxasse os lucros das multinacionais a 25%, enquanto a União Europeia (UE) receberia perto de 170 mil milhões de euros, revela um relatório do novo Observatório divulgado esta terça-feira.

“Há muitas receitas a serem geradas na Europa através da cobrança daquilo a que chamamos o défice fiscal das empresas multinacionais — isto é, a diferença entre o que uma empresa paga hoje em dia em impostos e o que teria de pagar se estivesse sujeita a um imposto mínimo em cada país em que opera — e, se este imposto mínimo fosse de 25%, calculamos que a União Europeia poderia receber 170 mil milhões de euros em receitas fiscais adicionais de impostos sobre as empresas por ano”, afirma Zucman.

Segundo o economista francês, “isto representaria um aumento de 50% face ao que (a UE) coleta atualmente com receitas do imposto sobre as sociedades”.

“Hoje em dia, as receitas do imposto sobre as sociedades na UE são de cerca de 340 mil milhões de euros e aumentariam para mais de 500 mil milhões de euros” por ano com uma taxação de 25% aos lucros das multinacionais, acrescentou.

Gabriel Zucman observa que este é “um aumento de cerca de 1,2% do PIB (produto interno bruto) na cobrança de impostos na UE”, destacando tratar-se de “muito dinheiro em receitas extra” que poderia ser usado “como contribuição” para fazer face à crise gerada pela pandemia de Covid-19.

No dia de lançamento do Observatório Fiscal da UE, a estrutura divulga este estudo sobre “A cobrança do défice fiscal das empresas multinacionais”, com simulações sobre futura cobrança sobre os lucros destas sociedades — como “gigantes” tecnológicas —, que atualmente domiciliam as receitas onde lhes é mais favorável em termos fiscais.

O organismo precisa no relatório que uma taxa de 25% sobre os lucros das multinacionais iria equivaler a 167,8 mil milhões de euros em receitas fiscais, classificando este como um “instrumento poderoso e realista” para “gerar novas receitas de uma forma justa e sustentável”.

No documento, a que a Lusa teve acesso, é indicado que Portugal poderia arrecadar 600 milhões de euros este ano se aplicasse esta taxa de 25% sobre o lucro das multinacionais presentes no país, sendo que as maiores receitas fiscais seriam cobradas por países como Alemanha (29,1 mil milhões) e França (26,1 mil milhões).

Desde há vários anos que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) discute uma proposta relativa a impostos adaptados a uma economia globalizada e digitalizada, visando então exigir impostos às multinacionais.

Muitos países têm vindo inclusive a defender um imposto mínimo global de 25% sobre as sociedades, mas no final de maio a administração norte-americana propôs uma taxa de pelo menos 15%, mostrando-se favorável a um acordo mundial.

Nestas declarações à Lusa, Gabriel Zucman classifica a taxa proposta pelos Estados Unidos como “muito baixa e sem justificação”, esperando consenso à volta dos 25% de taxação.

No relatório, o Observatório Fiscal da UE exemplifica que “empresas como a Shell, Iberdrola e Allianz […] teriam também de pagar 35%-50% mais em impostos se estivessem sujeitas a um imposto mínimo de 25%”.

No estudo são também considerados outros cenários e, “com uma taxa mínima de 21%, a União Europeia cobraria cerca de 100 mil milhões de euros em 2021” às multinacionais, enquanto passando para “15% reduziria as receitas para metade desse valor”.

Isto equivale a 98 mil milhões de euros e a 48,3 mil milhões de euros em receitas fiscais para a UE, respetivamente, sendo que, com ambas as taxas (21% e 15%), Portugal arrecadaria perto de 100 milhões de euros.

Perante um “acordo internacional incompleto”, o observatório estima que cada país cobre às próprias multinacionais e “mais uma parte do défice fiscal das multinacionais incorporadas fora da União Europeia, com base no destino das vendas”.

O organismo faz ainda referência à possibilidade de um país avançar sozinho e antes dos outros nesta cobrança, referindo que, perante tal cenário, esse estado-membro “encorajaria outros países” a fazê-lo.

Em meados de maio, em entrevista à Lusa em Bruxelas, o comissário europeu da Economia, Paolo Gentiloni, anunciou que o executivo comunitário vai apresentar a sua proposta de taxação da economia digital “no final de junho, início de julho”, sublinhando que a prioridade da União Europeia continua a ser “um acordo global” na OCDE.

A pedido do Parlamento Europeu, a Comissão Europeia abriu candidaturas para a criação deste Observatório Fiscal da UE, com um orçamento de 1,2 milhões de euros para o período 2020/2021, que foi ganho pela Escola de Economia de Paris, tendo Gabriel Zucman como responsável.