Procura-se, vivo, naquela que é uma verdadeira caça ao homem, e que já mobilizou centenas de soldados e elementos da polícia, sem contar com cães treinados, e que continua sem fim à vista. Segundo o The Times, tropas holandesas e alemãs estiveram de prevenção esta sexta-feira na eventualidade de reforçarem a atuação das forças de segurança belgas, que continuam no encalço de Jürgen Conings, entretanto junto da fronteira com os Países Baixos, até agora sem sucesso.

A busca pelo soldado de 46 anos, antigo instrutor de tiro, com ligações à extrema-direita, começou em 18 de maio, quando Conings terá roubado um arsenal de armas de um armazém militar, incluindo uma metralhadora e lançador de foguetes. Numa nota deixada à sua namorada indicava que “planeava juntar-se à resistência e que podia não sobreviver”. Quando desapareceu sem deixar rasto, Conings teria em sua posse material suficiente para começar uma “pequena guerra”, descreve o Politico, que dá conta da guerra cultural que entretanto eclodiu no país.

Na mira principal de Jürgen Conings, entre outras figuras políticas e até celebridades, está o virologista belga Marc Van Ranst, o especialista responsável por muitos dos alertas que estiveram na base das medidas restritivas seguidas no país para combater a pandemia de Covid-19. As ameaças foram levadas em linha de conta, de tal forma que Van Ranst e a família foram transportados para um local seguro, sob proteção policial.

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Marc Van Ranst, um dos alvos na mira do soldado em fuga © Getty Images

Mas aquilo que começou por revelar os traços de uma comum campanha para encontrar um atirador isolado, ganharia em poucas semanas proporções inesperadas no país — milhares de pessoas reuniram-se para mostrar o seu apoio e os nacionalistas flamengos do norte do país encontraram em Jürgen, ou “Rambo flamengo”, o herói perfeito para estes tempos.

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No Facebook, antes de ser banido, o grupo “I love Jürgen Conings” chegou a congregar 50 mil membros, todos ao lado daquele que também é conhecido como o “Rambo anti-lockdown”. Nas ruas, apoiantes do soldado concentraram-se empunhando cartazes com frases como “A vida de Jürgen importa”. Para muitos, tornou-se o rosto do descontentamento face às políticas mais apertadas de controlo da doença, enquanto sondagens revelam que se as eleições fossem hoje, os nacionalistas conservadores do N-VA e a extrema-direita do Vlaams Belang garantiriam juntos a maioria dos lugares no parlamento flamengo.

Conhecido pelos dotes de sniper e perito em camuflagem (características que poderão dificultar as buscas), Conings, que estará munido com um colete à prova de balas, já estaria a ser vigiado pelos serviços de informação belgas pela suas posições políticas, tendo mesmo sido incluído numa lista oficial de terroristas a manter sob vigilância. Segundo o Brussels Times, em 2 de junho o partido de extrema-direita Vlaams Belang confirmou que Conings era um dos membros à data de 2020. O porta-voz Jonas Naeyaert defendeu que o partido não podia ser responsabilizado pelas ações dos seus antigos elementos, afastando qualquer ligação entre a conduta do soldado e a do Vlaams Belang. No mesmo dia, o exército belga punha em marcha os procedimentos para afastar oficialmente o desertor Conings, devido a “ausência do trabalho”.

De acordo com os relatos dos primeiros dias de buscas, Conings ter-se-á apoderado das armas numa base em Leopoldsburg, com o pretexto de que estaria a organizar um treino de tiro. A 19 de maio, a BBC contava como as forças de segurança conduziram buscas ao longo de várias horas perto da cidade de Dilsen-Stokkem, não muito longe da residência do fugitivo, tendo encontrado um carro que pertence ao soldado (que continha no interior artilharia pesada). A polícia fecharia depois o parque nacional Hoge Kempen, em Limburg, uma zona com 12 mil hectares, relativamente perto da fronteira com os Países Baixos.

“A questão é como é que alguém ativo no serviço de defesa — que faz parte de uma lista de pessoas com ideias extremistas e que já tinha feito ameaçadas — conseguiu ter acesso a armas”, disse a 20 de maio o primeiro-ministro belga, Alexander De Croo, em declarações à agência de notícias do país.

A 21 de maio, uma tenda improvisada e um impermeável foram encontrados no referido parque. No interior do abrigo, construído com ramos, estavam garrafas de água e refrigerante. As autoridades não confirmaram que pertencia ao homem que se juntou ao Exército em 1992 e que serviu na Jugoslávia, Líbano, Iraque e Afeganistão, confiando no entanto que Conings terá encontrado refúgio algures neste parque. No dia seguinte, as buscas no parque nacional eram interrompidas e a área reabria. A Interpol emitia um mandado de busca internacional.

© DR

A 26 de maio, o parlamento belga debatia o caso Conings na Comissão de Defesa, em particular o facto de, à semelhança deste militar, existirem no exército belga mais 30 nomes identificados como associados a movimentos de extrema-direita.

Um dia mais tarde, o alvo Van Ranst admitia que tinha entrado num fórum de apoiantes de Coning para abertamente troçar daquele grupo no Telegram, confessando posteriormente que o passo “não foi muito inteligente”. Pela mesma altura, a polícia capturava outro extremista que também ameaçara o especialista, sem que se confirmasse ligação a Coning, que além da missiva deixada à namorada, escreveu também à polícia antes de desaparecer. Na carta, manifestava as suas intenções de eliminar Van Ranst, que por sua acusa o partido Vlaams Belang de “ativamente criar uma atmosfera contra os virologistas”.

“Não consigo viver com as mentiras das pessoas que decidem como devemos viver. A chamada elite política e agora os virologistas decidem como você e eu devemos viver”, escreveu o soldado, acrescentando ainda que “ninguém se revolta contra contra isto. Se disser algo, é punido”

Chegados ao começo de junho, as manobras continuam a revelar-se infrutíferas. No dia 3, os meios de comunicação locais davam conta da presença de helicópteros sobre a área industrial de Lanklaar (perto do parque nacional Hoge Kempen) e do envolvimento da Unidade de Desaparecidos nas operações. Não foram adiantadas mais explicações, sendo que as autoridades admitem que o homem se encontre já noutro país, depois de vasculharem hectares de terra e de terem mobilizado centenas de oficiais, helicópteros e camiões.

Quanto a Marc, não sendo o único cientista atacado durante a pandemia, continua refugiado com a mulher e o filho de 12 anos num esconderijo secreto, depois do dia em que Jurgen surgiu à porta de sua casa. “O ex-soldado, fortemente armado, ficou três horas na minha rua, bem na frente da minha casa, esperando que eu chegasse do trabalho”, recordou o virologista, numa alusão à noite em que Conings deixou seu quartel com um carregamento de armas pesadas e seguiu diretamente para a casa do especialista. Por sorte, Van Ranst, que costuma regressar do trabalho precisamente à hora em que o homem esperava por ele, voltou a casa um pouco mais cedo nesse dia, encontrando-se já no interior da sua residência com a família.