O livro “Odi Marítimu” será lançado na terça-feira, em Lisboa, numa tradução do poeta José Luiz Tavares, que considera esta obra de Fernando Pessoa “perfeita” para a “dicção poética em língua cabo-verdiana“.

“A escolha para esta edição particular deve-se à relevância deste poema no quadro do primeiro modernismo português e das suas características que o tornam perfeito para a elaboração duma alta dicção poética em língua cabo-verdiana”, disse José Luiz Tavares, numa entrevista por escrito à agência Lusa.

O poeta, que também já traduziu Camões para “kabuverdianu”, explicou, que a ideia de trabalhar a “Ode Marítima” remonta à publicação do seu primeiro livro, “Paraíso Apagado por um Trovão”, escrito em língua portuguesa, em 2003.

“Embora nunca pensasse escrever em língua cabo-verdiana, a partir desse livro inaugural pus-me a pensar na razão disso”, disse, admitindo “as enormes reservas mentais” que tinha em relação à escrita na sua língua materna. Da reflexão, concluiu que faltava “um corpus poético suficientemente apelativo e diversificado” para “um modelo suficientemente forte que atraísse para a escrita poética em língua cabo-verdiana“.

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“Não tendo capacidade para tentar algo diferente — embora escreva em língua cabo-verdiana, não me considerava há até bem pouco escritor nessa língua —, formou-se na minha cabeça a ideia de que, no imediato, tal corpus só poderia advir por meio da tradução de obras da literatura universal”, afirmou.

É neste contexto que surge “Odi Marítimu”, uma tradução feita na matriz do crioulo da ilha de Santiago, cuja estrutura, segundo explicou, é a matriz de muitos crioulos antigos, como os de Bonaire, Aruba e Curaçau, entre outros. O escritor lamentou que não haja ninguém em Cabo Verde a tentar fazer trabalhos nas variantes usadas em outras ilhas usando o alfabeto oficial. “Provaria, se tal fosse necessário, que o alfabeto cabo-verdiano dá para escrever todas as variantes e que estas podem suportar qualquer obra da literatura universal”, sublinhou.

Sobre os desafios da tradução do poema de Álvaro de Campos, um dos heterónimos de Fernando Pessoa, José Luiz Tavares aponta como “maior dificuldade” a falta de “um modelo erudito na língua de chegada“, “obstáculo” que, segundo disse, já tinha enfrentado “de forma bem mais aguda aquando da tradução dos sonetos de Camões”.

Por outro lado, foi também desafiante, segundo o escritor, “tentar distanciar suficientemente o poema traduzido da língua original, para evitar as falsas familiaridades e similitudes“, num contexto em que “a base lexical da língua cabo-verdiana é o português, mas a morfo-sintaxe não tem nada que ver com ele”.

“O trabalho de tradução, quanto mais árduo, mais prazeroso, e, nesse caso, não o foi menos. Ouvir esse grande poema ressoar fundo na minha língua materna e língua natural foi compensação suficiente para todas as agruras e desafios da tradução”, considerou.

José Luiz Tavares, que paralelamente com a Canção X de Luís de Camões, considera a “Ode Marítima” um dos “mais instigantes” poemas escritos em português, assegura que, após a tradução, a sua relação com Fernando Pessoa se mantém inalterada.

“Confirmou o muito que já sabia sobre Pessoa — mas que nunca é suficiente ou bastante — e o muito mais que apenas intuía, e o muito mais ainda que não sabia, nem saberei”, disse.

O poeta, que diz não conseguir antever o impacto imediato ou duradouro das traduções de grandes obras para língua cabo-verdiana, destacou o seu objetivo de tentar criar com o seu trabalho “um corpus poético canónico” onde possam ir “beber ou ter como modelo os pretendentes a poetas em língua cabo-verdiana”.

O livro é uma edição da Abysmo e será apresentado pelo professor, tradutor, crítico e editor, responsável por mais de 30 edições de e sobre Fernando Pessoa, Jerónimo Pizarro, e pelo poeta, ensaísta e comentador cabo-verdiano José Luís Hopffer Almada.