O percurso até ao topo do monte Angra, um antigo vulcão, a 577 metros de altitude, quer afirmar-se como a primeira aposta no turismo de caminhadas na ilha cabo-verdiana de Santiago, mobilizando a população local.

Ao longo de mais um de mês, meia centena de habitantes da aldeia de Entre Picos de Reda, município de Santa Catarina, foram para o terreno, de enxada e picareta na mão, e transformaram um antigo “caminho de cabras“, ligando a pequena aldeia ao topo do monte, dando lugar ao segundo troço da Rota Pedestre na Baía do Inferno e Monte Angra.

O percurso, panorâmico e que oferece a vista para a ilha do Fogo, inserido na maior falésia costeira de Cabo Verde e uma das mais altas de todo o Atlântico Norte, conta-se em 2.800 metros, que se percorre num dia de passeio, exclusivamente a pé, mas a vista até ao cume é incontável.

Uma pessoa de cada casa de Entre Picos de Reda trabalhou neste projeto, ao todo 50 pessoas. Prepararam o trilho, arranjaram e limparam o caminho, toda a gente se mobilizou”, contou à Lusa Vitor Gonçalves, que liderou os trabalhos no terreno.

O também presidente da Associação Comunitária para o Desenvolvimento de Entre Picos de Reda explica que os trabalhos de beneficiação, sobretudo a pensar no turismo e numa nova fonte de rendimento para a aldeia, foram realizados em parceria com a associação Lantuna e a Universidade do Algarve, Portugal.

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“É para começar a receber turistas, que deixam aqui rendimento, comem cá. Será o pão de cada dia para as nossas famílias, mas queremos avançar mais. Agora é que estamos a entrar na rota de desenvolvimento“, assumiu Vítor Gonçalves.

Toda a Rota Pedestre na Baía do Inferno e Monte Angra tem vindo a ser desenvolvida por Nuno Santos Loureiro, professor da Universidade do Algarve, no âmbito de um protocolo de colaboração estabelecido em 2019 com a associação Lantuna, de Cabo Verde, que trabalha na preservação e valorização da Baía do Inferno.

“O monte Angra é um antigo vulcão, à volta vê-se vários outros vulcões e a planície da achada, bem como a paisagem árida à espera da chuva. É algo realmente único e a particularidade deste troço é a paisagem“, explicou à Lusa o especialista português.

O novo troço, inaugurado no final de maio, liga Achada Lagoa, em Entre Picos de Reda, e Cruz de Cônsul, no cume do monte Angra, permitindo avistar a emblemática Baía do Inferno “do alto” e a nidificação do alcatraz ou do rabo-de-junco, as aves marinhas localmente mais emblemáticas. No topo, o vértice geodésico instalado em 1957 assinala o local, entre a vista privilegiada sobre a envelhecida coroa vulcânica.

“A subida e descida do monte Angra era um caminho de cabras muito mal definido. Na base do monte Angra era um caminho tradicional que já existia, mas tudo o que foi feito foi a abertura, a limpeza do caminho, por forma a tornar possível fazer estas caminhadas e apreciar a paisagem, sem ter de estar sempre a olhar para o chão, para não tropeçar”, explicou Nuno Santos Loureiro.

Este é já o segundo troço, reabilitado com financiamento assegurado pelo ‘The GEF Small Grants Programme”, das Nações Unidas, e tal como o primeiro, ligando Entre Picos de Reda e Porto de Angra, concluído há cerca de três meses, foi feito pela população local.

“O objetivo é continuar toda esta rota pedestre e, à medida que vamos encontrando financiamentos, ligar Porto Rincão a Entre Picos de Reda, e Entre Picos de Reda e Porto Mosquito. E criar aqui na ilha de Santiago uma coisa que por enquanto é inédita, que é a dinamização desta atividade de turismo de caminhadas”, sublinhou Nuno Santos Loureiro.

Apesar da subida, garantiu que “qualquer pessoa que tenha a mínima prática de caminhar” não terá dificuldades para percorrer este troço: “É simples de caminhar, o percurso está bem arranjado e está muito pensado para ser um passeio de um dia, para sair de manhã de Entre Picos de Reda, dar a volta e regressar para almoçar ao início da tarde”.

A Rota Pedestre na Baía do Inferno e no Monte Angra atravessa todo o Parque Natural da Baía do Inferno e do Monte Angra (PNBIMA), oficialmente criado este ano pelo Governo cabo-verdiano, ligando entre si as aldeias piscatórias de Porto Rincão, Entre Picos de Reda e Porto Mosquito, num percurso total de 30 quilómetros, que deve ser realizado em dois dias.

De Porto Rincão a Entre Picos de Reda são 15,5 quilómetros e de Entre Picos de Reda a Porto Mosquito 14,5 quilómetros, mas só cerca de um quarto de toda a rota já segue por caminhos melhorados, para facilitar o turismo de natureza.

A Associação Lantuna, promotora do projeto, que o divulga em www.baiadoinferno.org/rp-bima, pretende agora angariar financiamentos para continuar com as intervenções no terreno, como o melhoramento de outros troços, colocação de mesas para apoio a pequenas refeições, cadeiras e espreguiçadeiras para descanso e sinalética, mas também continuar a formação de guias locais. A médio prazo, afirma ainda querer construir uma casa-abrigo em Entre Picos de Reda, “para que os caminhantes tenham um local para pernoitar“.

Conhecido pelas zonas de difícil acesso, bem como fauna e flora únicas, o PNBIMA tem uma área total de 21.096 hectares, sendo 3.626 hectares a parte terrestre e 17.470 hectares a parte marinha, situada a sul da aldeia piscatória de Porto Rincão, concelho de Santa Catarina, e a noroeste da aldeia piscatória de Porto Mosquito, concelho de Ribeira Grande.

Segundo o processo de classificação como parque natural, apresenta valores paisagísticos e geológicos, como dois episódios vulcânicos regionais que ocorreram, respetivamente, entre os 3,3 a 2,2 milhões de anos e os 1,1 a 0,7 milhões de anos, e quatro crateras vulcânicas que ainda podem ser observadas.