O Presidente da República lamentou esta sexta-feira a morte do escritor António Torrado, destacando o seu “incessante trabalho” na promoção e divulgação do livro e da leitura. “Muito ativo como pedagogo (na Fundação Calouste Gulbenkian ou na Escola Superior de Teatro e Cinema), mas também como dramaturgo (colaborando nomeadamente com o Teatro da Comuna), devemos-lhe um incessante trabalho de divulgação e promoção do livro e da leitura”, lê-se numa nota publicada no site da Presidência da República.

Marcelo Rebelo de Sousa sublinhou que António Torrado foi “um dos poucos autores” que todos associavam à literatura infantil, notando que o escritor revelou um “gosto pelo lúdico, o lírico, o histórico e o didático, bem como um especial interesse pelos contos tradicionais”. Manifestando o “reconhecimento de muitas gerações”, o Presidente da República apresentou as condolências à família de António Torrado, de quem era amigo.

Morreu o escritor António Torrado

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Ministra da Cultura recorda um “nome maior” e uma “referência incontornável” da literatura

Também a ministra da Cultura, Graça Fonseca, “lamenta profundamente a morte do escritor António Torrado (1939-2021), poeta, ficcionista, dramaturgo e nome maior da literatura infantojuvenil portuguesa”, lê-se numa nota divulgada pelo Gabinete de Estratégia, Planeamento e Avaliação Culturais.

Para Graça Fonseca, António Torrado “é uma referência incontornável da literatura portuguesa das últimas décadas”, com uma “notável obra” que é testemunho “do valor transformador da imaginação e da fantasia” e da memória, constituindo ainda um repositório da tradição literária portuguesa.

A governante classificou também o autor como “mestre da língua portuguesa”, destacando o seu sentido de humor e empatia “únicos”.

“Através dos seus textos, o passado, o presente e o futuro da literatura portuguesa comunicam permanentemente, numa obra que ensinou muitos a ler e, mais do que isso, a sonhar e acreditar na realidade mágica dos mundos criados a partir das páginas e da tinta”, acrescentou, prestando condolências à família e amigos do autor.

“Um dos mais produtivos e criativos dramaturgos portugueses”

Por sua vez, a Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) recorda o escritor António Torrado como “um dos mais produtivos e criativos dramaturgos portugueses”, a par do seu “excecional trabalho” na literatura infantojuvenil.

A SPA tem “concluído um livro de homenagem a António Torrado, com coordenação da escritora Inês Fonseca Santos”, que “será brevemente difundido”, constituindo, “por enquanto, a última homenagem da cooperativa a um autor que fica sempre presente com o seu talento e qualidade invulgares”, lê-se na mensagem de pesar divulgada esta sexta-feira.

“Era um dos mais produtivos e criativos dramaturgos portugueses, deixando uma obra extensa e muito representativa”, recorda a administração da SPA, nesta mensagem, considerando o escritor “um cooperador marcante no processo de mudança na vida” da cooperativa, tendo sido “várias vezes membro da [sua] direção”, entre 2003 e 2019, altura em que se afastou, “por motivo de doença”.

A SPA recorda ainda “o excecional trabalho” de António Torrado “como autor de livros para crianças e jovens”, que lhe garantiu o grande Prémio Gulbenkian de Literatura infantil, e a atividade de “argumentista de cinema, tendo escrito um filme de homenagem a Aristides de Sousa Mendes, cônsul de Portugal em Bordéus” e outro sobre Eça de Queirós.

“Deveria ter sido candidato ao Prémio [Hans Christian] Andersen, espécie de Nobel da Literatura para os mais novos, o que não aconteceu”, declara a SPA, na sua mensagem. A cooperativa de autores recorda ainda António Torrado na Direção de Programas Infantis e Juvenis da RTP, ao lado da escritora Maria Alberta Menéres (1930-2019), o seu saneamento, “por razões políticas, no 25 de novembro de 1975”, tendo porém regressado a tempo de coordenar a primeira série em português da “Rua Sésamo”, “onde deixou a marca do seu talento no ato de escrever para televisão”.

“A SPA relembra-o com saudade”, conclui a cooperativa.

O Grupo Leya, que editou grande parte da obra do autor nas chancelas Asa e Caminho, também fez eco da tristeza com que recebeu a notícia da morte de António Torrado.

Mais de uma centena de obras literárias, no teatro e televisão

O escritor português António Torrado, autor de mais de uma centena de obras literárias, em particular para a infância, morreu esta sexta-feira em Lisboa, revelou o escritor José Jorge Letria, presidente da SPA. Poeta e dramaturgo premiado, antigo professor do ensino secundário, António Torrado esteve desde cedo ligado à pedagogia, à produção literária para os mais novos, à recuperação e reinterpretação do conto tradicional e à promoção da leitura.

“O mercador de coisa nenhuma”, “Teatro às três pancadas”, “Donzela guerreira” e “O veado florido” são algumas das obras escritas por António Torrado, distinguido em 1988, pelo conjunto da obra, com o Grande Prémio Gulbenkian de Literatura para Crianças e Jovens. Torrado recebeu esta distinção outras quatro vezes, pelos livros “Como se faz cor de laranja” (1980), “O livro das sete cores” (1984), “O mercador de coisa nenhuma” (1996) e “As estrelas – Quando os reis eram príncipes” (1998).

Este foi também um dos seus títulos incluídos na Lista de Honra do International Board of Books for Young People (IBBY), a par de “O veado florido”. António Torrado nasceu em Lisboa, em 21 de novembro de 1939, formou-se em Filosofia em Coimbra e dedicou-se ao ensino na década de 1960, até ser afastado por motivos políticos, durante a ditadura.

Escreveu para jornais, trabalhou na área editorial, nomeadamente na Plátano e na Comunicação, foi chefe do Departamento de Programas Infantis na RTP e “fundador de uma escola infantil e básica, pioneira em Portugal do Movimento da Escola Moderna”, como refere a biografia na página da Direção-Geral do Livro, Arquivos e Bibliotecas, numa alusão ao Colégio Fernão Mendes Pinto. António Torrado, que já deu o nome a várias escolas do ensino básico, foi ainda cofundador da Associação Portuguesa de Escritores, do Instituto de Apoio à Criança e da SPA.

Era membro da Associação Internacional de Críticos Literários, e foi responsável pela cadeira de Escrita Dramatúrgica da Escola Superior de Teatro e Cinema. Formou professores em Portugal e noutros países de língua portuguesa, coordenou o curso anual de Expressão Poética e Narrativa do antigo Centro Artístico Infantil da Fundação Calouste Gulbenkian, e trabalhou de perto em dramaturgias com o Teatro da Comuna, de que foi dramaturgo residente.

Em entrevista em 2010 ao jornal Público, quando completou quarenta anos de vida literária, manifestou-se feliz por ser acarinhado pelos leitores de diferentes gerações. “Já fiz tudo, já encantei gente. Tenho razões para me sentir feliz e realizado, mas, por outro lado, penso: e agora? O que é que me resta? Se isto é o resumo do que fiz, parece que é quase uma notícia necrológica, e eu não quero que seja. Não é por causa do medo da morte. Se ela viesse de um dia para o outro, não me custava nada. Ficar incapaz é que é chato, morrer não”, afirmou na mesma entrevista.