Costa Andrade, ex-presidente do Tribunal Constitucional, acusou o Governo de ter um currículo “pouco recomendável” na relação que vai mantendo com a Justiça, afastando “pessoas idóneas” como a ex-Procuradora-Geral da República Joana Marques Vidal e o antigo presidente do Tribunal de Contas Vítor Caldeira. Além das críticas políticas, o antigo deputado do PSD atirou-se duramente à atual PGR, Lucília Gago.

“Quando se assiste com complacência ao propósito declarado e formalizado pela PGR de pretender intervir ativamente no processo criminal, escondendo a mão e apagando pegadas dos seus passos, agindo como agente encoberto e à revelia da Constituição e lei como é próprio de um processo inquisitório”, apontou o ex-presidente do Tribunal Constitucional, numa referência à atual PGR e à diretiva sobre a subordinação hierárquica no Ministério Público, em que se autorizavam os hierarcas a darem aos subordinados ordens e instruções que se destinem a produzir efeitos num determinado processo.

As críticas do ex-presidente do Tribunal Constitucional surgem no primeiro dia das jornadas parlamentares do PSD, que decorrem no Centro de Artes e Espetáculo de Portalegre, e que têm como mote central a Justiça, intituladas “Portugal precisa de mais e melhor Justiça”. A reforma da Justiça é uma das principais bandeiras do PSD de Rui Rio e o partido tem um grande desafio já no próximo dia 25 de junho, dia para o qual estão agendadas as iniciativas sobre o combate à corrupção.

Propostas contra corrupção são “bunkers” para corruptos

Enquanto um dos oradores convidados para o primeiro painel sobre as “Prioridades para uma Reforma da Justiça”, Costa Andrade abordou o tema das propostas apresentadas pelo Governo e por vários partidos. Segundo o antigo presidente do TC, as medidas que estão em cima da mesa “valerão como bunker” e podem tornar mais fácil a obstrução à Justiça, tendo em conta que a alteração à lei pode ter um “efeito perverso” e “pouco adiantará em matéria de luta contra a corrupção”.

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Costa Andrade desconstruiu a ideia: “Ninguém pode ser condenado por factos ou provas que o agente foi obrigado a levar ao conhecimento do tribunal.” Ou seja, alguém que cumpra a lei e entregue as declarações de rendimentos e que, através dessas, “se prove que [os rendimentos] provieram da corrupção” e que houve enriquecimento ilícito, estas não servem de prova porque foram entregues pelos próprios. Como tal, explicou o antigo deputado no dia em que o PSD, as propostas até agora conhecidas, “se forem convertidas em lei, valerão como um bunker a que os corruptos podem acolher-se“.

“Alguém pode ser condenado por atentado contra a transparência, só que esta condenação pode valer como carta de alforria do corrupto, imunizando-o contra a possibilidade de ser punido por corrupção”, acrescentou ainda o antigo deputado do PSD, ao argumentar que se “pode desencadear o efeito perverso de frustrar o objetivo almejado”.

Ainda sobre a luta contra a corrupção e o enriquecimento ilícito, no dia em que o PSD discutiu as propostas, Costa Andrade mostrou “receio” pelas “expectativas tão otimistas e de aplauso quase unânime” e realçou que tem dúvidas de que estas venham a dar lugar a “frustrações coletivas” e que haja “ventos [que] continuem a soprar a favor da corrupção”.

O “espanto” de casos como Marques Vidal

Foi ao falar de um dos temas em que o Governo foi mais criticado na área da justiça que Costa Andrade recordou a saída de Joana Marques Vidal da PGR, frisando que o “espanto é tanto maior quanto os ventos da indignação sopram do um lado de um poder político que exibe um currículo pouco recomendável” que “afasta” da PGR ou do Tribunal de Contas “pessoas reconhecidamente competentes e idóneas”.

Também a maçonaria não ficou de parte de um discurso que tocou em vários temas que têm sido trazidos ao debate pelo PSD. Costa Andrade critica a maçonaria ao referir que “em sociedades democráticas, plurais e secularizadas não pode haver santuários ou congregações que pretendendo influenciar ou jogar o jogo democrático apareçam de mão escondida e de rosto embuçado”.

Sem que haja qualquer proposta concreta sobre pena de morte, mas numa altura em que o tema está em cima da mesa devido a algumas opiniões, Costa Andrade quis antecipar-se e definir uma linha vermelha para o PSD, chamando à pena de morte “abominável” quando envolvida num discurso que, “suprema hipocrisia, se reivindica do humanismo e ética cristã”. Para o justificar, o ex-presidente do TC cita Papa Francisco e a forma como proclama que “a pena de morte atenta contra a dignidade da pessoa” e afirmou que esta é uma “proposta que o PSD só poderia negociar se estivesse disposto a vender a alma ao diabo”.

Ainda antes de avançar para o tema da justiça, o antigo deputado do PSD atirou-se aos órgãos de comunicação social que, disse, “prestam indisfarçável tributo ao poder e incensam o seu líder como encarnação decantada do génio que em cada passo, ação, disfarce, promessa esquecida, em cada erro mais não faz do que geniais e fulgurantes manifestações de inteligência e integridade ética”, ao criticar “ministros que se movem ao nível da existência e mercadejam a autoridade e a dignidade do Estado, sacrificam a dignidade dos portugueses, humilhados e feitos estrangeiros no seu próprio país negando-lhes privilégios que com reverente vassalagem prodigalizam a estrangeiros ruidosos e violentos só porque consomem álcool e trazem uma saca carregada de libras”, numa referência clara ao jogo da final da Liga dos Campeões que se realizou em Portugal.

No primeiro dia de trabalhos, em que Rui Rio ainda não marcou presença, Mota Pinto moderou o primeiro painel e frisou que o PSD não pode “perder por falta de comparência”, pois isso “era deixar de cumprir a primeira missão de quem está na atividade política”.

“É isso que o Governo e o PS têm feito, ao negar sequer tratar da questão especificamente ou criticar quem o quer fazer. Gosto de ver que o partido e o grupo parlamentar compareceram para este debate sobre as prioridades para a reforma da justiça”, acusou, ao referir que a perceção dos portugueses é que “a justiça deve ser prioridade da atividade política”.

A “aberração” da proposta do PS e os megaprocessos que são um “disparate”

Ainda no primeiro painel, a advogada Ana Costa de Almeida congratulou o PSD pela proposta de reforma da Justiça: “Haja algum partido que respeita direitos, liberdades e garantias.” Por diversas vezes ao longo do recurso, a advogada alertou para as vezes que Portugal já foi condenado pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, criticou os megaprocessos chamando-lhes “um disparate” e assegurou que a morosidade é um dos principais problemas da justiça em Portugal.

Chamou “aberração” à proposta do PS sobre o enriquecimento ilícito e admitiu que ficou “horrorizada” quando a leu. Num dos pontos em que se debruçou, referiu que “as taxas de justiça são demasiado elevadas” e “não estão em conformidade com o salário médio nacional”, sendo um valor “absolutamente desajustado” e que viola a lei.

Por fim, e sobre o sistema prisional e a ressocialização, disse que é preciso “apostar mais na ressocialização”, olhar para exemplos como a Holanda e a Dinamarca que “estão a encerrar estabelecimentos prisionais” e travar a reincidência. Ana Costa de Almeida citou Victor Hugo para relembrar que elogiou Portugal por ter abolido e por ter sido um exemplo para a Europa e deixou um recado: “Temos uma responsabilidade acrescida: não regredir.”

“Cúmulo” da “máquina da propaganda” do PS é caso de Adão e Silva

No painel da tarde em que se debateram propostas para a reforma da Justiça, Manuel Teixeira, coordenador da justiça do Conselho Estratégico Nacional (CNE) do PSD, trouxe às jornadas parlamentares o tema de Pedro Adão e Silva, escolhido como comissário executivo das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril e a forma como o Governo funciona como uma “máquina de propaganda”.

“Temos contra nós uma máquina de propaganda que agora atingiu o seu cúmulo ao ser criado o serviço nacional de informação, é assim que deve ser chamado este novo sistema que foi entregue ao professor Pedro Adão e Silva, é um sistema nacional de informação de inspiração de António Ferro do tempo de Salazar, temos cinco anos de propaganda que temos pela frente”, apontou o dirigente do PSD.

No mesmo sentido, Manuel Teixeira está certo de que o “aparelho mediático e de propaganda do PS” sufoca as propostas do PSD, mas usa-as em seu proveito. É por isto que Manuel Almeida recusa que o PSD dê ao Governo a oportunidade de “fazer a política do cuco”, ao realçar que é os socialista “aproveitam a política dos outros para lá criar os seus filhotes com o trabalho dos outros.

“Sem foguetórios”, José Silvano espera um “grande resultado” nas autárquicas

No final do dia, num jantar-conferência durante as jornadas parlamentares, numa sala cheia, com cerca de cem pessoas — e separada da sala dos funcionários e dos jornalistas — realizou-se o final do primeiro dia de trabalhos das jornadas parlamentares. Os discursos concisos e focados principalmente em Portalegre, tanto de José Silvano como de Fermelinda Carvalho, candidata do PSD a Portalegre, aconteceram no final da refeição, no momento do café, quando a grande maioria dos presentes ainda estava sem máscara.

O coordenador autárquico deixou rasgados elogios à presidente da Câmara Municipal de Arronches que agora se candidata a Portalegre e revelou um desejo em jeito de desafio aos deputados do PSD e para ecoar no país: “Sem grandes foguetórios, porque nunca sei onde caem as canas, acho que vamos ter um grande resultado no país.”

No meio de muita informalidade, o secretário-geral do PSD admitiu que fazer contas já não é o seu forte, mas aproveitou o momento para enviar um recado à comunicação social e garantiu que apenas houve “chatices” em 2,5% das candidaturas autárquicas, “oito” locais. Mas, disse, “parece que 2,5% têm mais notoriedade do que os 97,5% onde houve consenso”.

Autarca ataca “ambientalistas de apartamentos” e pede PSD que se foque no mundo rural

Depois dos recados do coordenador autárquico, o passar de palavra à anfitriã: Fermelinda Carvalho, que falou em defesa do mundo rural e do regresso do PSD às origens, o “PPD/PSD do fundador”. Um discurso que José Silvano apelidou de “emocionante” e que não deixa dúvidas: “Temos presidente da Câmara de Portalegre em breve.”

A candidata à autarquia de Portalegre desta vez optou por trazer um discurso escrito, como não é costume acontecer, mas assumiu que o momento era merecedor de tal rascunho. Fermelinda Carvalho focou-se em Portalegre, no concelho que a viu nascer, no interior do país e notou que nestes locais os privados e os municípios “substituem o Estado central”, nomeadamente o investimento no distrito, desde os salários dos bombeiros às intervenções nos quartéis. A social-democrata criticou o “desinvestimento do Governo” e atacou aquilo a que chama “criação de emprego para alimentar clientelismos partidários”.

O mundo rural tem sofrido ataques sistemáticos, uns intencionados, uns por ignorância. Foi este mundo rural que durante a pandemia nunca confinou, todos os dias trabalhou para que nada faltasse na mesa dos portugueses”, recordou a atual presidente da Câmara de Arronches, onde está a cumprir o terceiro e último mandato.

E para os que tentam levantar as bandeiras do ambiente, Fermelinda Carvalho tem dois recados: “Não há maior ambientalista que o agricultor, é o agricultor que cultiva a terra, que alimenta as espécies e não o ambientalista de apartamento.” E outro que aparentemente é dirigido ao PAN, apesar de a autarca não o ter referido explicitamente: “Senhores deputados, não permitam que apenas dois ou três deputados consigam levar os seus objetivos pela frente, cansando danos irreparáveis para o mundo rural.”

Já que tinha passado dos problemas locais para os nacionais, a autarca aproveitou para atacar o Governo, ao dizer que o Ministério da Agricultura não defende o mundo rural e que a “passagem da floresta para o ministério do Ambiente enfraqueceu o Ministério da Agricultura, assim como a saída dos animais de companhia da alçada da DGAV foi um erro que não devia ter acontecido”.

Por tudo isso, Fermelinda Carvalho admitiu que espera um regresso ao passado, na altura em que “o PPD/PSD [tinha] uma grande implementação no interior do país”. “O mundo rural identificava-se com o nosso fundador [Francisco Sá Carneiro], o nosso partido tem-se focado mais noutro eleitorado, descurando eleitorado do mundo rural”, alertou, ao esclarecer que o eleitorado do mundo rural “não é retrógrado nem insensível” mas sim “conhecedor daquilo que faz e com papel fundamental na fixação da população do interior”.