Hoje em dia, quando se chega à Hungria depois de partir de Portugal, existe um choque inicial: nas ruas, nos parques, nos jardins, ninguém está de máscara. Atualmente, em território húngaro, não é obrigatório utilizar máscara na via pública e essa restrição só acontece em espaços fechados e transportes públicos. Quer isto dizer que, de forma natural, é muito fácil identificar quem é que não é local — basta que esteja de máscara na rua.

Em Budapeste, a cidade onde Portugal arranca esta terça-feira a caminhada no Euro 2020, as atenções estão viradas para o Puskás Arena, o imperial estádio com quase 68 mil lugares que foi inaugurado em 2019. Totalmente circundado por grades, baias e outras divisórias, é até complicado imaginar como serão as imediações do recinto num dia normal — afinal, parece só que o Puskás Arena emergiu à volta de uma explosão de tendas, voluntários e o azul que é a imagem de marca deste Euro 2020.

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Por toda a cidade e para além da óbvia fan zone, que fica perto da turística Praça dos Heróis, existem vários cartazes, placards e imagens alusivas ao Europeu. Nas ruas que vão desembocar no estádio, todos os candeeiros têm um placa que indica que o Puskás Arena fica naquela direção. Ainda assim, e numa competição que depende muito da clareza da informação por acontecer ainda em pandemia e com dezenas de restrições, os esclarecimentos não são muito fluidos — e o maior exemplo disso mesmo foi o que aconteceu e ainda está a acontecer na entrega das acreditações. Aí, num processo que costuma ser fácil e simples, centenas de pessoas de dezenas de nacionalidades, acreditadas, tiveram de esperar cerca de 24 horas para levantar a dita acreditação porque a UEFA exigia que o documento tivesse o nome completo, tal como está no documento de identificação. Algo que, anteriormente e durante o momento do pedido de acreditação, nunca foi exigido.

Além dessa dificuldade inicial e no exterior do estádio, na comunicação com os voluntários do Europeu, existe uma barreira adicional: a língua. A maioria das pessoas que estão a trabalhar em todas as etapas do Euro 2020 não conseguem expressar-se em inglês, que se torna naturalmente a língua universal para a comunicação, e é habitual que ao voluntário inicialmente abordado se juntem outros três, quatro ou cinco até que algum consiga entender o que é pretendido. Contudo, tudo parece mudar a partir do momento em que se atravessa a zona da segurança que dá entrada ao Puskás Arena — lá dentro, todas as pessoas falam um inglês correto, as informações são certeiras e diretas e não existem dúvidas e todos os percursos estão bem assinalados e são de fácil compreensão.

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O adiamento do Euro 2020 para 2021, a evolução da vacinação em Portugal e a maior confiança da população em relação à pandemia fez com que, contrariamente ao que seria de esperar, muitos portugueses decidissem voar para Budapeste para assistir aos jogos da Seleção Nacional. Esta terça-feira, no dia da estreia contra a Hungria e antecipando-se um Puskás Arena praticamente lotado, a Federação Portuguesa de Futebol estimava que pudessem estar presentes cerca de quatro a cinco mil portugueses nas bancadas. Um deles era Carlos Brum.

Vindo de Lagos, no Algarve, Carlos é um habitué nas grandes competições em que Portugal marca presença. “Onde Portugal vai, eu vou sempre. Fui a todas desde o México. Vi tudo, nunca falhei nada”, conta-nos. Ora, em contas rápidas, Carlos esteve no Mundial do México em 1986, no Europeu de Inglaterra em 1996, no Europeu da Bélgica e da Holanda em 2000, no Mundial da Coreia e do Japão em 2002, no Mundial da Alemanha em 2006, no Europeu da Áustria e da Suíça em 2008, no Mundial da África do Sul em 2010, no Europeu da Polónia e da Ucrânia em 2012, no Mundial do Brasil em 2014, no Europeu de França em 2016 e no Mundial da Rússia em 2018. 11 competições no espaço de 32 anos, todas em que a Seleção Nacional participou — esta terça-feira, em Budapeste e contra a Hungria, carimbava a 12.ª e já pensava na 13.ª, o Mundial do Qatar.

O grupo parou a autocaravana junto a uma bomba de gasolina do outro lado da rua do Puskás Arena. MARIANA FERNANDES/OBSERVADOR

Carlos, porém, raramente vai de avião, de comboio ou de autocarro. Já vai na sexta autocaranava e é quase sempre assim que se desloca, com amigos e com uma autêntica casa às costas onde cozinha bacalhau e passa as últimas horas antes de entrar no estádio. “Sempre fiz de autocaravana, para todo o lado. Rússia, Suíça, Alemanha, Ucrânia, Polónia, tudo. Esta chama-se Mimocas”, conta-nos o algarvio, exibindo com orgulho o veículo pintado com as cores portuguesas e com imagens de Eusébio, Ronaldo e Amália que parou junto a uma bomba de gasolina do outro lado da rua do Puskás Arena. “É para mostrar o meu patriotismo. Sou português, tinha de trazer as bandeiras do meu país. Tenho muito orgulho”, revela. Por fim, e face à pergunta obrigatória sobre a pandemia e sobre um eventual receio de viajar, Carlos Brum atira-nos a expressão mais portuguesa possível: “Quem tem medo compra um cão”.

Já Paulo Brazão veio do Funchal, na Madeira, para apoiar Cristiano Ronaldo, o “conterrâneo madeirense”. “Viemos todos da Madeira para ver os três primeiros jogos de Portugal, aqui em Budapeste e o da Alemanha em Munique. Depois voltamos para a Madeira e, dependendo da nossa eficácia, alguns poderão regressar para os restantes jogos. A decisão de vir foi tomada em novembro de 2019, em dezembro comprámos os bilhetes e deixámos o programa logo preparado nesse dia, porque depois sobe tudo radicalmente. Quando foi adiado ficámos com vouchers que agora usámos nesta nova viagem”, conta-nos, revelando depois que alguns elementos do grupo acabaram por desistir da aventura devido à pandemia.

A cadela Tequila, a mascote do grupo que veio de autocaravana para Budapeste. MARIANA FERNANDES/OBSERVADOR

“Éramos doze e passámos a oito. Quatro pessoas acabaram por desistir devido à pandemia. Olhando para trás, se calhar podiam não ter desistido, porque as medidas sanitárias aqui são muito apertadas. Tivemos de fazer um teste PCR para entrar, vamos ter de fazer um teste PCR para sair e as coisas estão muito bem organizadas. A Hungria é dos países da Europa que mais rapidamente está a vacinar. Tudo mudou no decorrer do mês de maio e agora em junho as coisas já estão muito organizadas”, acrescenta, referindo depois que os planos para o dia passam pelo almoço. “Vamos ali para um restaurante mais próximo estádio, tentar almoçar e beber uns copos antes do jogo. Temos uma janela temporária marcada para entrar na nossa bancada e depois vamos entrar e ver o jogo, conviver, afinar gargantas”, diz-nos Paulo, que recorda que a partida contra a Hungria será complicada e não está muito confiante na progressão da Seleção Nacional.

“Não vai ser um jogo nada fácil. Não só pelo jogo mas pela atmosfera. Eles terão mais de 90% do estádio com húngaros e são adeptos que participam muito. Já de igual para igual não seria fácil mas vamos tentar ser o 12.º jogador. Sinceramente, não estou assim tão confiante. Mas também não estava em 2016 e aconteceu”, termina.

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