Um em cada quatro portugueses deixaram de recorrer ao Serviço Nacional de Saúde no ano passado por medo de serem contagiados com o novo coronavírus e mais de dois terços consideram que o SNS tem respondido bem à pandemia.

Segundo os dados do Índice de Saúde Sustentável, desenvolvido pela Nova Information Management School (NOVA-IMS) e que avaliou também a resposta do SNS à pandemia de Covid-19, 15,7% dos utentes deixaram de ir a uma consulta com o médico de família no centro de saúde, 7,5% não foram a consultas de especialidade nos hospitais, 5,8% deixaram exames de diagnóstico por fazer e 7,3% optaram por não recorrer às urgências.

“A significativa redução de atividade do SNS deverá ter-se feito sentir sobretudo do lado da oferta, devido às restrições dos recursos, mas também (…) do lado da procura. Todos nós percebermos intuitivamente que deverá haver uma parte da população potencialmente utilizadora do SNS que se absteve ou reduziu a procura de cuidados de saúde devido aos receios relacionados com a pandemia”, explicou Pedro Simões Coelho, coordenador do estudo.

O especialista acrescentou ainda: “Quase um quarto da população potencialmente utilizadora (…) deixou de recorrer nalgum momento ao SNS, por exemplo, para uma consulta, ou para um exame de diagnóstico, por sentir receio de se deslocar ao hospital ou ao centro de saúde”. Pedro Simões Coelho indicou ainda que, segundo o estudo, “essa mesma população terá intensificado o recurso a serviços de saúde privados, em alternativa ao SNS, exatamente por sentir esse receio ou por situações de falta de resposta do SNS”. “E nós estimamos que 18% da população o tenha feito”, acrescentou.

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Os dados deste estudo revelam que 18,2% dos portugueses recorreram a serviços de saúde privados por falta de resposta no SNS ou por receio de contágio devido à pandemia de Covid-19.

O estudo, que apresenta uma visão global da atividade perdida no SNS e convertida em atividade nos serviços de saúde privados, indica que enquanto no serviço público houve 15,7% de consultas com médico de família/clínica geral que não aconteceram, no privado esta atividade subiu 4,7%.

Quanto às consultas externas de especialidade, o SNS deixou de fazer 7,5% e o privado teve um adicional de 13%. A mesma tendência verificou-se nos exames de diagnóstico, com o SNS a perder 5,8% e os privados a terem 7,9% de atividade adicional, e nas urgências (SNS perdeu 7,3%, privados tiveram mais 2,9%).

Os dados apontam ainda para uma maior utilização dos serviços de telemedicina no SNS do que nos serviços de saúde privados. Para a maioria dos portugueses inquiridos (54,2%), a Covid-19 criou dificuldades no relacionamento com os familiares, em 30,8% foi a causa de depressões e em 39,6% de situações de ansiedade.

O estudo mostra ainda que os doentes que estiveram infetados com Covid-19 faltaram, em média, 15 dias ao trabalho. Três em cada quatro destes utentes (76%) consideram que o SNS teve uma resposta “boa” ou “muito boa” face à sua situação quando esteve infetado.

Investimento no SNS permitiu retorno de 6,8 mil milhões para a economia

O investimento no Serviço Nacional de Saúde em 2020 permitiu um retorno de 6,8 mil milhões de euros para a economia, tendo em conta o impacto dos cuidados de saúde no absentismo e na produtividade, conclui o estudo.

“É um valor impressionante, significa que num só ano cerca de metade do investimento que é realizado no SNS é imediatamente retornado para a sociedade. Curiosamente, num ano em que existiu perda de atividade, o valor até foi ampliado”, afirmou Pedro Simões Coelho.

Pedro Simões Coelho explicou: “Em primeiro lugar, há uma perda de atividade, mas muitas pessoas continuaram a beneficiar do SNS. Por outro lado, o SNS inclui também as terapêuticas e medicamentos que o Estado comparticipa (…). Por ultimo, este valor dos 6,8 mil milhões inclui os doentes Covid-19, que foram quase um milhão e o SNS teve um contributo muito grande para a redução do seu absentismo e para a melhoria da sua produtividade”.

Segundo os dados do Índice de Saúde Sustentável, desenvolvido pela NOVA-IMS, este retorno foi superior (mais 1,4 mil milhões) ao valor apurado em 2019 (5,4 mil milhões).

De acordo com os dados do estudo, a que a Lusa teve acesso, a maioria dos portugueses faltou pelo menos um dia ao trabalho em 2020 por motivos de saúde e 17% faltaram mais de 20 dias. No entanto, a prestação de cuidados de saúde pelo SNS permitiu evitar uma ausência laboral equivalente a 2,9 dias, representando uma poupança de mil milhões de euros.

O SNS permitiu ainda evitar 9,9 dias de trabalho perdidos em produtividade, resultando numa poupança de 3,5 mil milhões de euros. No total, somando o impacto no absentismo e na produtividade, o SNS permitiu uma poupança global de 4,5 mil milhões de euros (mais 900 mil do que em 2019).

Considerando o impacto dessa poupança por via dos salários e a relação entre produtividade/remuneração (valor referência do INE), o estudo conclui que os cuidados prestados pelo SNS permitiram um retorno para a economia de 6,8 mil milhões.

Os dados indicam também que o índice de sustentabilidade do SNS deu uma queda com a pandemia, baixando de 101,7 em 2019 para 83,9 pontos em 2020. Contudo, se não fosse o efeito da pandemia, o índice estimado era de 103,6, segundo o estudo.

“A queda significativa da atividade, que estimamos em cerca de 10%, veio acompanhada de um aumento da despesa e isso corresponde a uma queda da produtividade. Essa queda da produtividade não poderia senão ter arrastado o índice para baixo, tendo atingido um valor de 84 pontos face ao valor base de 2014 que foi estabelecido como como o índice 100. É uma queda muito significativa”, disse à Lusa Pedro Simões Coelho, coordenador do estudo.

Contudo, o especialista recordou que se conseguiu neste estudo modelar qual seria o valor expectável de cada uma das componentes do índice para o ano 2020 se não tivesse existido pandemia e, com base nessas previsões, “teria tido o valor de 103,6”.

Esta diferença, que é quase de 20 pontos, corresponde ao efeito Covid-19 sobre a sustentabilidade do SNS”, acrescentou o responsável, sublinhando que “o grande desafio do SNS nos próximos anos é recuperar esta perda significativa de atividade”.

O estudo indica ainda que, na ótica dos utentes, houve “uma ligeira melhoria” nos cuidados de saúde prestados (73,2 pontos, mais 1,6), mas a qualidade técnica baixou (56,7, menos 3,1). Os autores referem igualmente que a despesa aumentou 7%, mas sublinham a grande queda do déficit (-53%)

O trabalho, desenvolvido pela NOVA-IMS em colaboração com a AbbVie, avalia não só a evolução da sustentabilidade do SNS, mas também o SNS do ponto de vista do utilizador. Identifica pontos fracos e fortes, bem como possíveis áreas prioritárias de atuação, além de procurar compreender os contributos económicos e não económicos, nomeadamente no que diz respeito ao estado de saúde dos portugueses e participação no mercado laboral.

De acordo com os resultados, a avaliação dos portugueses do seu estado de saúde melhorou ligeiramente e a maioria dos inquiridos faz uma avaliação positiva: 59,8% consideram o seu estado de saúde “bom” ou “muito bom”, uma percentagem superior à registada no ano anterior (59,2%).

Contudo, metade dos inquiridos ainda considera que o seu estado de saúde dificulta a realização de tarefas diárias (pessoais e/ou profissionais), 45% diz que dificulta a sua mobilidade, 49% assume que afeta negativamente a sua qualidade de vida e 44% considera que o seu estado de saúde provoca ansiedade ou depressão/dor ou mal estar.

Numa escala de 1 a 100, os portugueses classificam o seu estado de saúde com 75,3 pontos. Sem o contributo do SNS, o índice do estado de saúde ficaria pelos 63,8 pontos, segundo o estudo.

Profissionais de saúde são o ponto mais forte do SNS para os utentes

Os profissionais de saúde são o ponto mais forte do Serviço Nacional de Saúde e que merece ser valorizado segundo os utentes, revela o estudo, que aponta o acesso e tempos de espera como aspetos a melhorar.

De acordo com o Índice de Saúde Sustentável, em 2020, o ano da pandemia, a perceção da qualidade dos serviços melhorou na maioria das determinantes avaliadas, tendo apenas piorado a facilidade de acesso aos cuidados, ou seja, a facilidade de marcação e/ou admissão.

“A perceção da qualidade dos serviços de saúde foi muito boa, até cresceu, e também se refletiu ao nível da própria satisfação e da confiança dos utilizadores (…). Naturalmente que podemos dizer que este aumento da satisfação e da confiança dos utilizadores pode ser induzida por dois aspetos: pela expressão efetiva que eles tiveram, que foi de facto de uma resposta de qualidade, mas também pode ter sido refletida pode ter sido parcialmente induzida pela imagem que o SNS criou relativamente à resposta à crise pandémica”, disse à Lusa o coordenador do estudo, Pedro Simões Coelho.

O trabalho, desenvolvido pela NOVA-IMS em colaboração com a AbbVie, avaliou não só a evolução da sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS), mas também o SNS do ponto de vista do utilizador.

Identificou pontos fracos e fortes, bem como possíveis áreas prioritárias de atuação, além de procurar compreender os contributos económicos e não económicos do SNS, nomeadamente no que diz respeito ao estado de saúde dos portugueses e participação no mercado laboral. Este ano avaliou igualmente o impacto da pandemia no SNS.

O estudo mostra ainda que, globalmente, os utentes consideram o preço do SNS mais adequado, assim como consideram adequado o preço que pagam pelos medicamentos. Apenas 19% diz que o preço das taxas moderadoras é inadequado, refere o estudo, que sublinha que os utentes têm uma perceção do valor das taxas que é superior ao real.

10,4% dos episódios de urgência não se realizaram devido aos custos associados (transportes ou taxas), o mesmo acontecendo com 3,9% das consultas externas e 2% das consultas com um médico de clínica geral ou médico de família num centro de saúde. Quanto aos exames de diagnóstico, ficaram por fazer 1,3% pela mesma razão.

Os dados mostram ainda que baixou de 13,5 para 9,5 a percentagem de utentes que, por questões financeiras, não compraram algum dos medicamentos prescritos pelo médico.