O prazo para apresentação de candidaturas a vagas para novos astronautas da Agência Espacial Europeia (ESA) termina na sexta-feira. O processo de candidaturas, ao qual manifestaram interesse portugueses, foi aberto em 31 de março.

Estão abertas vagas para quatro a seis astronautas permanentes e para 20 astronautas de reserva, incluindo pela primeira vez um astronauta com alguma deficiência física. Desde 2008 que a ESA, da qual Portugal é Estado-membro desde 2000, não recrutava astronautas. Agora, fá-lo a pensar em futuras missões à Lua ou mesmo a Marte e tendo em vista aumentar o número de mulheres no espaço.

O processo de seleção dos candidatos, que decorre em várias etapas que incluem testes técnicos, cognitivos, de coordenação motora e de personalidade, exercícios individuais e em grupo, provas médicas e entrevistas, só deverá ficar concluído em outubro de 2022.

Para concorrer, um candidato tem de reunir diversos requisitos mínimos, como ser cidadão de um dos Estados-membros ou Estados-associados da ESA, ter pelo menos um mestrado e experiência profissional de três anos nas áreas das ciências naturais, medicina, engenharia, matemática ou ciências computacionais, ser fluente em inglês e conhecer outras línguas não nativas.

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Mas há mais: possuir forte motivação, capacidade de enfrentar horários irregulares de trabalho, frequentes viagens e longas ausências de casa, da família e da vida social habitual, ter calma sob pressão, vontade para participar em experiências científicas e flexibilidade para trabalhar num local diferente (dentro e fora da Europa).

O candidato com algum grau de deficiência física pode ser admitido com uma altura inferior a 1,30 metros, uma ou duas próteses abaixo do joelho ou ao nível do tornozelo e dismetria (diferença de comprimento entre pernas). Por último, e não menos importante, é necessário submeter uma carta de motivação e um currículo em inglês e um certificado médico europeu emitido por um examinador médico da aviação, o equivalente ao que é exigido a um piloto de um voo particular. Na impossibilidade do envio em tempo útil do certificado, a ESA aceita provisoriamente uma cópia do relatório médico.

Para os candidatos que usam por exemplo uma prótese nos membros inferiores, o certificado exigido é substituído por uma declaração médica a atestar que, se não fosse devido à deficiência de que são portadores, estariam em conformidade com os requisitos médicos pedidos a um piloto privado.

No anterior recrutamento, que começou em 2008 e terminou em 2009, a ESA selecionou seis astronautas, incluindo uma mulher, a italiana Samantha Cristoforetti, a primeira pessoa a fazer um café expresso na Estação Espacial Internacional (EEI), na órbita da Terra, e que em 2022 se tornará na primeira mulher europeia a comandar a EEI.

A este recrutamento apresentaram-se 8.413 candidatos, dos quais pouco mais de 200 portugueses. Atualmente, o corpo ativo de astronautas da ESA é formado por sete astronautas – de Itália (2), Alemanha (2), Reino Unido (1), Dinamarca (1) e França (1).

Geofísico Rui Moura candidata-se a astronauta porque fazer ciência no espaço é “o supremo”

A idade não demoveu o geofísico português Rui Moura de decidir concorrer a astronauta da Agência Espacial Europeia (ESA): sempre gostou de voar e fazer ciência num “ambiente tão exigente e adverso” como o espaço é “o supremo”.

Licenciado em engenharia geológica e doutorado em geofísica, Rui Moura ultrapassou a idade recomendada para se candidatar, mas vai tentar na mesma, na esperança de que a ESA reconsidere. Um astronauta mais velho pode ser “um tópico de interesse” para experiências no espaço, defende.

Não sendo a idade um dos requisitos-base de candidatura, a ESA fixou, porém, o limite nos 50 anos para que cada astronauta recrutado possa cumprir pelos menos duas missões antes da reforma. Rui Moura tem 53 anos, o gosto e a formação em pilotar aviões ligeiros, o gosto de fazer “investigação científica fora do laboratório”. A vontade para participar em experiências científicas é um dos requisitos mínimos exigidos aos candidatos pela ESA.

“Fazer ciência, investigação científica num ambiente tão exigente e adverso como o espaço é o supremo”, afirmou à Lusa Rui Moura, que frequentou em 2016 um programa apoiado pela agência espacial norte-americana (NASA) que leva cientistas ao limite entre a atmosfera terrestre e o espaço exterior para estudar a mesosfera (terceira camada da atmosfera). Depois disso, o investigador fez treino de experiências científicas em microgravidade e formação em geologia planetária.

O “desafio” e o “fascínio pela descoberta” num “ambiente que é difícil de atingir” alia-se à “ambição de ver” o planeta Terra “de fora”, o que move também o geofísico a candidatar-se. Entre as “atividades científicas” que gostaria de realizar no espaço destaca o estudar como as ondas sísmicas se propagam em corpos celestes com menor gravidade do que a Terra, como é o caso da Lua. Se a idade é à partida um impedimento à sua seleção – “tenho de ser realista”, diz – já o céu não é.

Rui Moura, que leciona na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, é o “mentor científico” de uma experiência promovida pelo programa luso-americano MIT Portugal que visa verificar como “as partículas minerais se agregam” em microgravidade, e que estão na génese por exemplo da formação de planetas.

O voo não tripulado contendo a caixa que permitirá fazer a experiência tem lançamento previsto para setembro, numa cápsula da empresa aeroespacial norte-americana Blue Origin, cujo fundador, Jeff Bezos, pretende fazer a sua primeira viagem turística ao espaço em 20 de julho.

Tanto num caso como noutro, trata-se de um voo suborbital, em que a nave atinge o espaço, mas a sua trajetória cruza a atmosfera da Terra sem perfazer a órbita completa do planeta.

E é nos voos suborbitais que Rui Moura vê uma “janela de oportunidade” para Portugal ter a curto prazo astronautas no espaço sem ser através da ESA, cujas campanhas de recrutamento têm sido esporádicas. Experiências científicas podem igualmente ser feitas num voo de poucos minutos e com menos custos, assinalou.

Ciente dos riscos que uma viagem espacial pode ter, o geofísico e professor “ficaria muito orgulhoso e feliz” se conseguisse transmitir às gerações mais novas que, sendo “o acesso ao espaço tão raro”, valeu a pena pelos resultados científicos obtidos.