O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais garantiu  que o Ministério das Finanças “não fez qualquer participação disciplinar” relativamente ao trabalhador da Autoridade Tributária membro do Movimento Cultural Terras de Miranda, rejeitando qualquer “atitude persecutória” da tutela. O que está em causa é um inquérito e não um processo disciplinar para fazer uma avaliação sobre o contributo de um funcionário do fisco (e antigo dirigente) para a argumentação do movimento cívico a favor do pagamento de vários impostos na venda de barragens pela EDP aos franceses da Engie.

Esta operação está já a ser de uma inspeção da Autoridade Tributária para avaliar se o entendimento da EDP de que não há lugar à liquidação de impostos — nomeadamente imposto de selo de 120 milhões de euros — resultou de uma estrutura montante que configura planeamento fiscal agressivo. O processo que levou António Mendonça Mendes ao Parlamento, a pedido do PSD do PAN, é o inquérito aberto pela AT, e noticiado pelo Observador, a José Maria Pires, um dos dos membros do Movimento Terras de Miranda.

Fisco abriu processo disciplinar a funcionário para avaliar se fez parecer jurídico para fora sobre venda de barragens

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António Mendonça Mendes assegurou  que o Governo e a Autoridade Tributária (AT) tiveram “em conta” a “argumentação da nota jurídica” alegadamente elaborada pelo trabalhador em causa, que alertava para a eventualidade de a EDP recorrer a mecanismos de planeamento fiscal agressivo para evitar o pagamento de impostos na venda de seis barragens ao consórcio liderado pela Engie.

“Tenho todo o respeito pela atividade cívica e por qualquer movimento. Nós não temos nenhum constrangimento com nenhuma questão que seja colocada. O Ministério das Finanças e o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais têm a expectativa de que todos os impostos que devam ser cobrados sejam cobrados pela Autoridade Tributária, seja em sede de liquidação, seja em sede de processo inspetivo”, sustentou.

“Eu não quero que nenhum trabalhador da Autoridade Tributária se sinta condicionado na sua ação política, cívica ou social. Não têm limitação nenhuma para a sua atividade”, asseverou.

Se não está em causa o direito a participação cívica e se não houve parecer jurídico a favor do movimento cívico, então porque foi aberto e se mantém o inquérito. A pergunta foi feita por vários deputados da oposição. Cecília Meireles do CDS diz que está em causa uma tentativa de intimidação ou uma falta de bom senso. E “se for para intimidar é grave”.

O governante especificou que, relativamente ao funcionário em causa, “não há nenhum processo disciplinar” em curso, mas sim “um inquérito aberto pela direção-geral” da AT, sendo que o Ministério das Finanças “não fez nenhuma participação disciplinar” nesse sentido. Trata-se de uma avaliação ou averiguação cujo resultado Mendonça Mendes desconhece. Não ficou claro contudo se desse inquérito pode resultar um processo disciplinar ao funcionário em causa ou que outro desfecho pode ter.

Mariana Mortágua considera que, perante as explicações já dadas, “não existe qualquer motivo válido para a abertura deste inquérito”. A deputada do Bloco de Esquerda estranha que o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais só tenha remetido o documento do Movimento Terras de Miranda à AT depois do negócio entre a EDP e a Engie estar fechado e sublinha a “perplexidade” pelo documento reencaminhado ter sido o enviado pela Presidência da República e não o que o movimento tinha entregue ao Governo (Ministério do Ambiente) meses antes.

Este tema também foi suscitado por Duarte Alves do PCP que não percebe porque é que a Presidência da República enviou o memorando do Movimento à secretária de Estado com um PDF que permite identificar que um funcionário do Fisco estaria envolvido nas iniciativas destas organização. E não se limitou a enviar a nota jurídica entregue ao Ministério do Ambiente,

Mendonça Mendes refere que se trata de um procedimento normal no envio de informação. O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais assinalou ainda que “há profissões que têm uma sensibilidade — como os trabalhadores de impostos — que remete para a autorregulação”: “Todos os funcionários públicos, incluindo os da AT, têm noção de autorregulação e os dirigentes da AT têm o bom senso de como devem enquadrar as situações dentro do quadro legal”, considerou.

Afonso Oliveira do PSD terminou a audição a colocar uma questão concreta que o secretário de Estado não respondeu. Acha normal e razoável que este processo disciplinar tenha acontecido?

Mendonça Mendes apelou à compreensão das circunstâncias em que cada um atua e lembra que este assunto não é caso único, referindo os trabalhadores da AT que se queixam de lhe ser instaurados processos automáticos por acederem a bases de dados de contribuintes, porque a lei o determina. E que foi a explicação dada há uma semana no Parlamento pela diretora da Autoridade Tributária, Helena Borges.

Processo a funcionário do Fisco não condiciona operação da venda de barragens da EDP

Apesar de ter a tutela da AT, Mendonça Mendes garantiu que não está a acompanhar “o andamento do processo das barragens da EDP”, nem fazer “perguntas” sobre este ou qualquer outro processo em curso, Mendonça Mendes clarificou que o que lhe cabe é “garantir é que a AT tem todos os meios para exercer as suas funções”. “Há uma total confiança na AT para que exerça essas funções com toda a independência e com todo o brio e os meios que necessite”, reiterou.

Para o governante, certo é que o Movimento Cultural Terras de Miranda “já permitiu duas boas discussões: Uma discussão sobre a importância do combate ao planeamento fiscal agressivo [….] e uma outra sobre a necessidade de a AT refletir sobre a importância destes direitos fundamentais dos cidadãos”.