Na última vez em que as autoridades de saúde em Portugal detetaram em 24 horas um número de casos de infeção por Covid-19 igual ou superior ao reportado pela DGS esta quarta-feira — 1.350 novos casos —, o país estava em estado de emergência e ainda a confinar. Só começaria a desconfinar três semanas depois, quando o número de casos diários era já de cerca de metade daquele que agora se verifica.

As conclusões podem ser tiradas a partir de mais um boletim diário de evolução da pandemia da Covid-19 no país, divulgado esta quarta-feira pela Direção-Geral da Saúde.

Quando o país começou a desconfinar, na terceira semana de março, a DGS reportava na quarta-feira dessa semana 673 novos casos, identificados em 24 horas. Passados três meses, o boletim de esta quarta-feira reporta 1.350 novos casos, cerca do dobro.

O número de mortes diárias era, nessa primeira semana de desconfinamento — que trouxe menos casos diários de infeção do que esta —, muito superior ao atual: em quase todos os dias morreram 10 pessoas ou mais e em vários dos dias até 20 ou mais, quando nos últimos dias o país nunca passou das seis mortes diárias, reportadas a 10 de junho e novamente no boletim de esta quarta-feira, dia 16. Também a ocupação dos hospitais era muito superior, com cerca de três vezes mais pessoas hospitalizadas do que atualmente.

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O impacto mais limitado do número de infeções (que até é superior agora) no número de pessoas internadas e no número de mortes diárias dever-se-á à vacinação, que faz com que mais casos não equivalham a um número sequer próximo de pessoas hospitalizadas por Covid-19 e de mortes diárias de doentes infetados.

Mas os dados do boletim da DGS de esta quarta-feira não deixam margem para grandes dúvidas: desde 24 de fevereiro que não eram identificados pelas autoridades de saúde em Portugal tantos ou mais casos de Covid-19 em apenas um dia. Nessa altura, o país estava ainda encerrado em casa, a recuperar lentamente da vaga de infeções de dezembro e janeiro.

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Lisboa e Vale do Tejo continua a concentrar quase 70% dos casos novos

Para a evolução negativa da pandemia da Covid-19 em Portugal ao longo das últimas semanas — e que se tem agudizado — muito contribui o número de novas infeções na região de Lisboa e Vale do Tejo.

Esta quarta-feira, o boletim da DGS reporta mais de 900 casos (928) identificados em Lisboa e Vale do Tejo em apenas 24 horas. Para se ter uma ideia da dimensão do problema, nos últimos três meses só por duas vezes (boletins de 15 de junho e de 6 de março) foram identificados tantos ou mais casos em 24 horas em todo o país, quantos os que agora se reportam unicamente nesta região.

Por cada 100 novos casos de infeção pelo novo coronavírus, mais de 65 são identificados nesta fase em Lisboa e Vale do Tejo — que durante vários meses de pandemia não esteve  muito distante da região Norte no que se refere ao número de casos diários reportados. Agora, as duas regiões estão separadas por muitos testes de diagnóstico positivos: se em Lisboa e Vale do Tejo foram identificadas nas últimas horas mais 928 pessoas infetadas, na região Norte foram identificados quase cinco vezes menos casos (199).

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Seguem-se, nas regiões com mais novos casos diários de infeção, o Algarve com 90 novas infeções, a região Centro com 85 casos detetados nas últimas 24 horas e o Alentejo com mais 30 infeções. Nas regiões autónomas foram identificados 16 novos casos nos Açores e dois casos novos na Madeira.

Uma comparação com o último dia em que o país tinha tido mais de 1.300 casos de infeção reportados num só dia — a 24 de fevereiro, quando o boletim identificou 1.480 novos casos — permite perceber a situação atual da pandemia por regiões.

Nesse dia 24 de fevereiro, em que até houve mais casos, eram reportadas 772 infeções em Lisboa e Vale do Tejo, que agora ultrapassa as 900. A região Norte, ao invés, até melhorou: na altura tinham sido identificados 327 novos casos em 24 horas, agora foram 199. O mesmo aconteceu na região Centro, que a 24 de fevereiro tinha 198 novos casos e agora tem 85, no Alentejo, que passou de 84 para 30, e na Madeira, que tinha 45 e agora tem apenas duas novas infeções reportadas. Pior estão, além da região de Lisboa e Vale do Tejo, o Algarve — que passou de 51 para 90 novos casos — e os Açores, que tinham 3 casos novos e agora têm 16.

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R(t) e incidência continuam a subir. Incidência sobe mais no continente

Por comparação com os últimos dias, o boletim da DGS desta quarta-feira traz também motivos de preocupação quanto à evolução do chamado R(t), o índice de transmissibilidade, e da incidência, que se refere ao número de novos casos por cada 100 mil habitantes.

A nível nacional, o R(t) está agora em 1,12 e a incidência em 91 casos por 100 mil habitantes. Na última atualização, feita há dois dias (segunda-feira),o R(t) estava em 1,09 e a incidência em 84,5.

Quando se fala apenas da evolução da pandemia em Portugal Continental, os dados referentes ao índice de transmissibilidade e ao número de novos casos por cada 100 mil habitantes são ainda mais problemáticos, porventura fruto da concentração de novos contágios numa região continental (Lisboa e Vale do Tejo).

No continente, o R(t) está agora a 1,13 e a incidência em 90,05 casos por cada 100 mil habitantes. Há dois dias, o R(t) estava a 1,1 em Portugal continental e a incidência em 83,4 casos por cada cem mil habitantes.

A subida do R(t) e da incidência no país, e especialmente na região continental, leva a que na matriz de risco adotada pelo Governo para monitorizar a evolução da Covid-19, Portugal esteja cada vez menos longe do verde e cada vez mais perto do vermelho, como se vê na imagem:

Mais doentes nos hospitais e em cuidados intensivos

Ao longo de terça-feira foram admitidos nos centros hospitalares mais cinco pessoas, aumentando o total de doentes hospitalizados para 351. Às 0h de esta quarta-feira o número de doentes internados em cuidados intensivos era também mais alto do que 24 horas antes — entre saídas e novas entradas, há mais quatro doentes em UCI, passando agora a 83 nestas unidades dedicadas ao tratamento dos casos mais graves da doença.

Este é o quarto boletim consecutivo da DGS que mostra uma subida no número de doentes internados em Portugal com Covid-19. Nesse período de quatro dias os hospitais ficaram com mais 51 doentes.

Casos ativos também aumentam: há agora 26 mil pessoas infetadas em Portugal

Com o número de novos casos confirmados a aumentar uma vez mais, as recuperações (e óbitos) não são em número suficiente para fazer descer o número de casos ativos em Portugal.

Há mais de dois meses, desde dia 3 de abril, que o número de casos ativos — que se refere ao número de pessoas atualmente dadas como clinicamente infetadas (excluindo-se quem já recuperou e testou negativo e quem não resistiu à infeção) — não era tão elevado em Portugal.

Com um aumento de 755 face ao boletim divulgado pela DGS na terça-feira, existem agora 26.248 casos ativos de infeção, depois de 589 pessoas terem sido dadas como recuperadas nas últimas 24 horas.

Todas as seis mortes foram acima dos 70 anos

Todas as seis pessoas que morreram nas últimas 24 horas infetadas pelo novo coronavírus tinham 70 anos ou mais e eram de Lisboa e Vale do Tejo.

As mortes foram de dois homens (um entre os 70 e os 79 anos e outro com mais de 80 anos) e de quatro mulheres (duas com idade entre os 70 e os 79 anos e outras duas com mais de 80 anos).

Além do dia 10 de junho, dia em que o boletim da DGS também reportou seis mortes em 24 horas, é preciso recuar um mês, a 15 de maio, para encontrar um número aproximado: 7 mortos.

O atraso dos países da União Europeia no que se refere à vacinação das suas populações, a que Portugal não escapa, podem também contribuir para que a população mais suscetível a desenvolver sintomas graves em caso de infeção continue a morrer de Covid-19 no país.

Na faixa etária dos 65 aos 79 anos, por exemplo, 95% das pessoas em Portugal receberam uma primeira dose da vacinação (5% ainda não receberam) e apenas 55% estão totalmente vacinadas. Já na faixa etária dos 50 aos 64 anos, 69% das pessoas receberam uma primeira dose (31% ainda não receberam qualquer dose de vacinas) e só 32% estão totalmente vacinadas.

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