O fim da vida é terrível. Pode chegar com menos ou mais dor, mas alguém vai sofrer. É, por isso, uma etapa feita de escolhas. De quem parte e de quem fica. O filme “Supernova”, que junta dois grandes amigos, Colin Firth (“O Discurso do Rei”) e Stanley Tucci (“O Diabo veste Prada”), apresenta-nos esse dilema: depois de mais de vinte anos juntos, quando um dos parceiros caminha para o fim, que futuro escolherá o outro? Para os dois atores, ambos com 60 anos entrarem numa história destas foi um exercício fácil mas desconcertante.

É que foi preciso chegar ao início da chamada terceira idade para aproveitar os papéis com um passado. “Nem tudo pode ser celebrado quando se está a envelhecer. O que é interessante para um ator é que estamos a representar personagens com um passado. Quando tinha 20 anos não era assim. Eu, por exemplo, era muito neutro, muito aborrecido”, afirmou Colin Firth durante a apresentação do filme à imprensa que decorreu, via Zoom, em janeiro e na qual o Observador esteve presente.

Nessa altura, alguns países como Portugal viveram a sua pior fase da pandemia de Covid-19. O filme realizado (e com argumento) por Harry MacQueen foi estreando, mas por cá não. Chega agora às salas de cinema esta quinta-feira. Mas que história é esta, afinal? Tusker (Stanley Tucci), escritor de profissão, descobre que tem demência — ou Alzheimer, nunca sabemos bem — e, ao lado do seu companheiro pianista Sam (Colin Firth) decidem embarcar numa viagem para revisitar amigos, família e o seu próprio passado, dentro de uma caravana rumo ao norte de Inglaterra. Se antes era Tusker a suportar a vida mais instável de Sam, agora, a relação inverteu-se.

Ora, assumindo-se como um melodrama, “Supernova” não se deixa enredar pela via fácil da exploração da tragédia. Goste-se ou não de mais um filme sobre doenças degenerativas — ainda este ano tivemos “The Father” que premiou Anthony Hopkins com o Óscar de Melhor Ator —  Harry Mcqueen, que contactou de perto com duas pessoas que foram diagnosticadas com este tipo de doença, preferiu centrar o guião apenas nestas duas personagens. Ou seja, com um passo lento, quase contemplativo, muitas vezes até em jeito cómico, Colin Firth e Stanley Tucci largaram as grandes produções para se centrarem nesta relação. São eles, eles, eles. Inicialmente tinham os papéis invertidos, mas bastaram umas quantas cenas lidas para se perceber que o casting não devia ser mexido. “O Harry escolheu cinco cenas, lemos das duas formas, eu como Sam, o Colin como Tusker e ao contrário. Foi quase imediatamente evidente que devíamos trocar”, disse Tucci, que, na altura da conversa com os jornalistas estava em Madrid a gravar, sem ver a família há meses.

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Em “Supernova” há  grandes reflexões, silêncios ruidosos, momentos em que a doença rompe sem pedir licença e abraços. É de levar às lágrimas mas sem ser à bruta, com dois atores que já andam cá há demasiado tempo para precisarem de convencer o público da sua performance. Até porque já estava tudo escrito como devia estar. “A autenticidade estava toda no guião, foi só entregarmo-nos ao que estava escrito. Não foi preciso fazer muito. Estava tudo lá. Depois, foi ser o mais subtil possível, sem melodramas“, afirmou Tucci.

A relação de companheirismo facilitou as filmagens, já que Tucci e Firth gravaram tudo de forma cronológica — outra “novidade” na carreira, porque, muitas vezes, já se sabe, grava-se o fim no início, parte-se a ação, vive-se a personagem aos saltos.  Em “Supernova”, não. Houve cadência e harmonia como uma peça de teatro. Até no improviso. “Eu e o Tucci conhecemo-nos há muitos anos, somos grandes amigos. O nosso trabalho exige que se represente quer gostemos da pessoa ou não. É um processo imaginativo. Mas nós sintonizam-nos na frequência certa, improvisámos muito. Mas o que se vê no filme é só guião.  Acho que não teve valor nenhum esse improviso. Por outro lado, acho que ajudou a encontrar o tom”, argumenta Colin Firth.

O tom está todo lá. Portanto, a dupla foi descobrindo a construção da sua história tal como o público. E mesmo com toda a pesquisa e investigação sobre casos semelhantes, aquilo que se vê no ecrã continua a ser pura ficção. Stanley Tucci, por outro lado, sabe precisamente o que é ir perdendo alguém que ainda cá está. Há onze anos a sua mulher morreu, vítima de cancro da mama. Foram muitos anos a ver o outro a sofrer, sofrendo.

É por isso que, quando questionado sobre se as pessoas devem ter o direito a escolher como e quando querem morrer, o ator norte-americano não tem dúvidas. “Houve um ponto em que ela olhou para mim a dizer que não conseguia mais, que tinha de morrer. As pessoas merecem ter essa escolha quando todas as outras hipóteses já estão esgotadas”, conta. Quanto ao ator britânico, preferiu não abrir o jogo sobre a eutanásia. Prefere focar-se no longo caminho da vida que nos vai fazendo estar em constante mudança. “Não há um destino final para descobrirmos quem somos. Descobri que era uma pessoa às 10h00 e outra às 12h00. Não acho que a jornada acabe. Estamos constantemente a descobrir. E essa exploração está muito viva nesta relação”, argumentou Colin Firth.

Esta realidade de perder um parceiro demasiado cedo, contrária à de Colin Firth, mesmo que Tucci não a refira, ajudou em “Supernova”. E também ajuda estar na última fase da vida onde se encontram os dois veteranos de Hollywood. É duro, mas é assim e nenhum parece muito importado com isso. Porque não se pode sentir verdadeiramente na pele uma personagem que tem outra idade, por muito perfeita que seja a representação.

Em “Supernova” temos esse sensação: que os atores encaixam perfeitamente um no outro, nada é forçado, a tragédia magoa muito mas tem de ser assim. E ainda conseguem  olhar para o futuro. “Envelhecer surpreende-te, porque nem tudo é sobre o passado. Tem também futuro lá dentro. Existe neste filme uma emboscada terrível sobre o futuro: como vai ser, envolvendo uma escolha radical e solidão. É por isso que não se pode representar um casal que esteve junto 40 anos, a não ser que tenhas 60 anos”, conclui Colin Firth.