As próximas eleições autárquicas serão as “mais difíceis” dos últimos anos para os políticos, que estão a ser “culpados de tudo” a nível local, argumenta o presidente da Associação Nacional das Assembleias Municipais (ANAM), Albino Almeida, que afirma também que as Assembleias Municipais (AM) são o elo mais esquecido do poder local.

Em entrevista à agência Lusa, o também presidente da Assembleia Municipal de Vila Nova de Gaia há dois mandatos consecutivos, independente eleito nas listas do PS, acrescenta à “narrativa” que culpa os políticos a “desinformação” nas redes sociais, onde é possível “mentir sem que haja edição” e sem que os destinatários saibam qual a origem da informação, faltando-lhes espírito crítico para discernir entre o que é verdade e o que não é.

“Vamos ter as eleições mais difíceis que eu antevejo a nível autárquico. Não vamos ser culpados do vírus (que provoca a Covid-19), porque ninguém nos fará essa maldade. Mas, para além do vírus, de tudo vamos ser culpados”, afirma Albino Almeida.

O presidente da associação fundada em 2016 e estabelecida formalmente em 2018 — que representa atualmente cerca de 200 das 308 assembleias municipais do país — alega que a culpabilização dos políticos “já se está a sentir no território”, por relatos que lhe têm chegado oriundos “do povo”.

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O que falhou na luta à pandemia não exime partidos. Quem esteve lá e quem não esteve foi igual. Quem esteve pecou por omissão ou por erro, mas quem não esteve pecou por omissão ou por ninguém ter ouvido nada. Pela primeira vez, este é o patamar onde os nossos cidadãos estão a olhar para as eleições municipais”, avisa.

No terreno, os autarcas “que foram quem mais fez para ajudar localmente” na pandemia de Covid-19, estão a ser confrontados com pessoas que perderam o emprego ou que passaram por carências várias, para quem os políticos “são todos iguais”, refere Albino Almeida.

Esta narrativa, nota, é ampliada nas redes sociais, onde se desconhece quem edita e divulga determinada informação, muitas vezes falsa, a exemplo do “aproveitamento exímio” com recurso a ferramentas tecnológicas feito por “forças radicais” nas eleições dos EUA.

E vemos a Europa a correr atrás do prejuízo, contra as “fake news” e as mentiras. Somos confrontados com isso todos os dias. E há o velho princípio em que se sai a mancha, fica a nódoa”, ilustra.

Albino Almeida — que durante cerca de uma década presidiu à Confederação Nacional das Associações de Pais — refere que o antídoto contra a desinformação está na capacidade crítica dos utilizadores das redes sociais, mas “as escolas não ensinaram os alunos a pensar”.

“Temos a geração mais bem informada dos últimos anos a engolir tudo o que as redes sociais lhe dão. Porque não tem espírito critico, não pergunta”, sustenta.

Apesar da avaliação, no dia-a-dia ou nas redes sociais, que as pessoas possam fazer do desempenho dos políticos, na ANAM e na presidência da Assembleia Municipal de Vila Nova de Gaia “não mora ninguém com remorsos”.

O que sinto muitas vezes é que os cidadãos criticam aquilo que tenho a certeza que fariam se estivessem no lugar onde nós estamos. Porque a forma como o fazem, a forma desinformada como o dizem, a tentativa que fazem de tornar um mosquito num avião, é bem sintoma de quem não percebe nada do que está a falar. Mas fala, tem esse direito”, enfatiza Albino Almeida.

Sobre a forma com a população perceciona a corrupção, o presidente da ANAM defende que as pessoas “não percebem que a desonestidade vai na proposta” e que, no seu entender, o fenómeno corruptivo “é mais um problema de mentalidade do que de corrupção real”.

Quando estamos em lugares públicos, fartamo-nos de receber cunhas e pedidos para tudo e mais um par de botas. A corrupção nunca nasce no político, nasce na capacidade de aceitar tudo sem por um filtro. Se não põe um filtro está tramado, quando der por ele está metido em alguma coisa que não devia”, sublinha Albino Almeida.

Por outro lado, a perceção de que todos os políticos são corruptos, muito em voga nas redes sociais, “existe assim porque não é debatida”, resultando, como sucedeu há quatro anos em Gaia, antes das eleições autárquicas, em queixas judiciais, “algumas verdadeiramente inacreditáveis”.

“Foram todas arquivadas por falta de provas. Bastava ter um pouco de senso ou trabalhar, o sucesso está antes do trabalho nas redes sociais e, na verdade, ele só está antes do trabalho no dicionário”, ironiza Albino Almeida.

Assembleias Municipais são o “elo mais esquecido” do poder local

Na mesma entrevista, Albino Almeida defendeu que as Assembleias Municipais (AM) são o elo mais esquecido do poder local, situação que quer contrariar com a capacitação dos eleitos locais, debates temáticos e alargamento da participação dos cidadãos.

Albino Almeida explicou que a Associação Nacional das Assembleias Municipais (que representa, atualmente, cerca de 200 das 308 assembleias municipais do país) pretende melhorar a eficácia daquele órgão autárquico, mas também potenciar mecanismos existentes na lei, como as auditorias internas aos municípios ou o estatuto do direito de oposição.

Por outro lado, Albino Almeida lembra que as Assembleias Municipais “validam as decisões da Câmara do ponto de vista da lei, tal como os notários validam o desejo de casar e coisas afins”, e que isso conduz a situações onde “o debate, muitas vezes, é limitado”.

“É por isso que estamos a valorizar o direito de apreciação e o direito de assembleias temáticas. Achamos que a lei tem de ser mudada, diz que são cinco reuniões ordinárias e as extraordinárias podem ser segundo alguns aspetos da lei”, afirmou o também presidente da Assembleia Municipal de Vila Nova de Gaia, independente eleito pelo PS.

Albino Almeida usou precisamente o exemplo de Gaia para lembrar a realização, em julho, de dois debates temáticos “a pedido da oposição”, um sobre as empresas municipais “que ainda existem” naquele município do distrito do Porto e outro sobre a descentralização de competências do Governo para as autarquias.

E é assim que deve ser. A Câmara deve estar presente, dar a sua opinião, mas também ter a possibilidade de ouvir. E nas temáticas devem estar também os cidadãos, com uma participação maior”, advogou.

Albino Almeida crê, por outro lado, que o “papel de notário” das Assembleias Municipais “caminha para o fim”, nomeadamente por antever mais situações em que a força política que tem a maioria no executivo da Câmara Municipal não a consiga no órgão deliberativo autárquico.

“Eu antevejo que um processo que já sucedeu em Lisboa, Porto e Coimbra, possa vir a acontecer, de forma mais alargada, nos municípios médios. Ou seja, pela emergência de novos partidos, corremos o risco de ter nas próximas eleições um cenário de Câmaras em que o presidente é reeleito com a maioria dos vereadores, mas depois a Assembleia não traduz essa concentração de votos e dispersa-os”, argumentou. “E o senhor presidente vai ter de fazer uma permanente negociação na Assembleia Municipal para fazer passar aquilo que a Câmara quer”, referiu o presidente da ANAM.

No dia 25, a Associação Nacional das Assembleias Municipais reúne com a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Centro, um encontro na linha de outros já realizados no Norte e Alentejo e que tem na base a colaboração entre ambas as entidades.

Lembrando que foram as AM que elegeram os presidentes das CCDR, Albino Almeida assinalou a “conjugação de esforços” existente, “no sentido, uns de prestarem contas e outros quererem que lhes sejam prestadas contas”.

Temos tido a maior colaboração das CCDR, nomeadamente na distribuição às assembleias de todos os documentos estruturantes em que querem trabalhar neste mandato. E em torno desses documentos, nós podemos ouvir a população e as entidades locais”, observou o líder da ANAM.

Deu o exemplo do sucedido no Algarve, aquando da realização de debates temáticos em redor da descentralização de competências: “Estiveram empresários, entidades que mexem no tecido social algarvio, que foram às suas AM, de forma muito livre, deixar a sua opinião sobre qual devia ser o sentido dessa descentralização e como deveria decorrer o processo político. Já tínhamos percebido que isto é bem sucedido e faz todo o sentido”, notou.